Edson Neri foi capturado, torturado e morto por traficantes
Um terço de madeira estava enrolado à mão direita. A outra
segurava uma toalha de rosto branca, na tentativa de conter as lágrimas.
"Meu filho não merecia isso. Por quê? Por que fizeram isso com o meu
filho?", perguntava, inconsolável, a dona de casa Eunice Neri dos Santos.
Ela parecia não acreditar que estava no Instituto Médico
Legal Nina Rodrigues (IMLNR) para fazer a liberação do corpo do filho, o
ajudante de pedreiro Edson Neri Barbosa dos Santos, 27, morto por traficantes
após ter sido apontado pela Polícia Civil como autor do estupro e morte da
enteada de 2 anos na Vila Canária. "Meu Deus! Isso é um pesadelo".
Ágatha Sophia morreu no domingo (20), depois de passar o
final de semana com Edson, na casa onde morava com a mãe e o padrasto, na Rua
José Gomes de Aguiar. Ele e a mãe de Ágatha, a diarista Jéssica de Jesus, 21,
estavam juntos há um ano e meio. Ele ficou responsável por cuidar da criança.
Uma tia do acusado disse ao CORREIO que não acredita que
Edson tenha estuprado e matado Ágatha Sophia - ele já tomou conta de outras
crianças, segundo familiares, e nunca houve uma queixa. O corpo de Edson será
enterrado na tarde desta quinta-feira (24) no Cemitério Municipal de Pirajá, o
mesmo onde a criança foi enterrada, na terça-feira (22).
Edson foi morto na noite de segunda-feira (21), depois de ser
capturado por uma facção criminosa. Em um vídeo que circula nas redes sociais e
que foi obtido pelo CORREIO é possível ver o suspeito sem roupas e ferido na
cabeça.
No vídeo de 15 segundos é possível ver o ajudante de pedreiro
sem roupa, com um pano amordaçando a boca e com as mãos atadas por uma corda.
Durante as gravações, homens aparecem afirmando que fazem parte da facção
criminosa Bonde do Maluco (BDM). "Olha para a puta aí. A puta está pedindo
até por favor agora", diz um dos homens que registra a cena.
O corpo de Edson foi encontrado com marcas de tiros no
CIA/Aeroporto, na noite de segunda-feira (21) – a família de Ágatha confirma
que é ele quem aparece sendo torturado nas imagens divulgadas em um vídeo pelo
WhatsApp. Edson não tinha passagem pela polícia, mas foi investigado por
associação ao tráfico.
Amparada
Pouco depois de entregar toda a documentação no setor de
liberação do IML, por volta das 10h40 desta quinta-feira, dona Eunice seguiu
para o necrotério para dar
prosseguimento à liberação do corpo.
Ela desceu a rampa amparada por uma vizinha de prenome Marta e um
funcionário de uma funerária.
Já apresentando sinais de que não estava passando bem -
revirando os olhos, sacudindo a toalha frente
ao rosto como se estivesse abafada - Eunice sentou-se logo em um banco
de madeira habitualmente usado pelos funcionários das funerarias e começou a
chorar.
As lágrimas eram acompanhas de extensos soluços. Ela nada
falava. Mas ao direcionar o olhar para um grupo de pessoas que se aglomerava em
frente à porta da geladeira do IMLNR, onde os corpos são aguardados, dona
Eunice entrou em desespero e voltou a berrar: "Por que fizeram isso com o
meu filho?". Socorrida pela vizinha, ela levava a mão direita ao peito e
gemia: "Ai que dor! Meu filho! Ai como dói, como dói...dói'.
UPA
Foram pouco mais de cinco minutos de comoção extrema quando
Eunice apagou. "Ela tomou dois tranquilizantes mais cedo, antes de vir.
Acho que está fazendo efeito", disse Marta.
A vizinha de Eunice, acompanhada de outro morador próximo,
decidiu levá-la à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) dos Barris.
"Não, não quero ir. Vão me dar remédio e vou acabar não
indo ao enterro do meu filho", relutava Eunice, quando era levada em direção
à um carro.
"Eunice, você precisa ir. É para o seu bem. Você está da
mesma forma quando soube da notícia (morte de Edson). Sua pressão é alta e
estava mais de 19", rebateu Marta, que a convenceu a entrar no carro rumo
à UPA.
A Polícia Civil informou que a morte de Edson é investigada
pela 1ª Delegacia de Homicídios / Atlântico (1ª DH/Atlântico), que o delegado
responsável está ouvindo pessoas (não precisou quantas já prestaram depoimento)
e que não fornecerá mais detalhes da apuração.
Abuso sexual
Ágatha foi socorrida pela mãe - quando ela chegou em casa no
final do domingo, Edson trazia a menina nos braços. Um vizinho ajudou no
socorro.
Ágatha deu entrada na UPA de São Marcos na companhia da mãe,
no domingo, já sem sinais vitais, de acordo com assessoria de comunicação da
Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS). Uma equipe de médicos que
estava de plantão realizou procedimentos a fim de reanimá-la, mas a menina já
estava morta.
Ainda de acordo com a pasta, não há como saber a causa da
morte. “A SMS esclarece que não realiza investigação da causa da morte,
procedimento de anuência do IML, local para onde o corpo foi encaminhado”,
disse em nota.
Contudo, parentes afirmam que os próprios médicos da unidade
os alertaram sobre a possibilidade da menina ter sido abusada sexualmente antes
de sofrer uma parada cardiorrespiratória – o que teria sido a causa da sua
morte.
De acordo com o Departamento de Polícia Técnica (DPT), o
laudo conclusivo sobre as causas da morte da menina só deve ficar pronto em 15
dias - podendo ser prorrogado, caso haja necessidade. O DPT não informou quais
exames seriam realizados no corpo de Ágatha.
Dia do crime
A diarista Jéssica de Jesus, 21 anos, disse ao CORREIO que
saiu de casa no sábado (19), para realizar uma faxina. Depois do expediente,
decidiu não voltar para casa e foi ao encontro de algumas amigas no bairro de
Tancredo Neves, onde dormiu, retornando no dia seguinte, no final da tarde de
domingo (20), depois de receber uma ligação do companheiro.
"Ele me ligou e disse que a menina estava passando mal
depois de comer arroz com feijão. Me contou que encontrou a minha filha na
cama, de barriga pra cima, e vomitando. Com a barriga inchada e uma veia
alterada", disse Jéssica.
A mãe sequer chegou a entrar no imóvel. A alguns metros da
sua residência, que fica no final da Rua José Gomes de Aguiar, encontrou com
Edson carregando a menina nos braços, enrolada em um lençol.
"Peguei minha filha desesperada e saí correndo atrás de
ajuda. Um homem, que é pastor evangélico, me deu carona até a UPA. Minha filha
já estava revirando os olhos. Olhou para mim, tentou falar 'mamãe', mas não deu
tempo", completou a mãe.
Fuga
Após entregar a criança, Edson retornou para o imóvel, mas
não ficou lá por muito tempo. Após alguns minutos, o suspeito fugiu do local,
deixando a porta da casa aberta e um dos seus documentos. A polícia esteve na
casa no domingo (20) em busca dele, mas não o encontrou.
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