Eva Luana da Silva, de 21 anos, sobreviveu a quase uma década
de tortura e abusos sexuais diários e, agora, vive entre casas de amigos
Quando seu padrasto foi preso, na semana passada, acusado de
estuprá-la e torturá-la ao longo de quase uma década, Eva Luana da Silva
abraçou o namorado e fez um pedido: “Eu quero ver o pôr do sol”. Ela também
queria sair para tomar um sorvete e passear de mãos dadas à noite em Camaçari,
cidade com pouco mais de 160 mil habitantes no interior da Bahia.
— Essas coisas ínfimas, esses pequenos prazeres da liberdade,
eu nunca tinha tido, sabe? — disse ela ao GLOBO, por telefone, nesta
quinta-feira.
Eva tem 21 anos, dos quais conta ter passado quase uma década
como vítima do padrasto, Thiago Oliveira Alves, que chegou a estuprá-la duas
vezes por dia.
Segundo a delegada Florisbela da Rocha, da Delegacia Especial
de Atendimento à Mulher (Deam) de Camaçari, Alves teve a prisão preventiva
decretada, e as investigações foram encerradas. O processo corre em segredo de
Justiça. Até ontem, segundo Rocha, ainda não havia aparecido advogado de defesa
para o acusado na delegacia.
Em relato no Instagram publicado na quarta-feira, a garota
tornou públicos os requintes de crueldade de que diz ter sido alvo desde os 12
anos, quando sua mãe, como lembra, já era "agredida, abusada, violada e
torturada quase todos os dias". Pela rede social, a jovem também diz que
sua irmã, filha de seu padrasto, "morria de medo dele porque sempre viu
ele fazendo essas atrocidades conosco (Eva e a mãe)".
Eva conta que era obrigada, por exemplo, a dormir na casinha
da cadela da família. Sem janela, sem colchão. Sozinha.
Não raro, era forçada a ingerir quantidades enormes de comida
para em seguida vomitar e ser golpeada pelo padrasto. Ele também forçava toda a
família a sair pela cidade, em passeios nos quais deveriam aparentar
normalidade, relata Eva. Então, nada se dizia sobre a violência.
— A gente saía para a sociedade, mas tudo era muito forçado.
Era tudo uma mentira. E ai de mim, ai de minha mãe e de minha irmã, se
contássemos para alguém. Ai da gente se demonstrasse alguma tristeza — lembra.
Apesar da violência descomunal em casa, Eva sempre foi uma
das melhores da escola. Não por acaso, foi aprovada nas quatro universidades
para as quais prestou vestibular. Acabou por cursar Direito naquela que seu
padrasto escolheu — onde ele também estudava, de modo que podia seguir vigiando
a enteada.
— Eu costumo dizer que vivia numa prisão sem grades. Eu era
uma prisioneira — diz a estudante. — Sinto que estava apenas sobrevivendo e
que, agora, vou começar a viver.
Desde a denúncia à Deam, feita por Eva em 30 de janeiro, até
a prisão do padrasto na semana passada, foram longos dias de pânico. Embora uma
medida o proibisse de se aproximar da casa da família, o acusado foi até lá e,
segundo a estudante, destruiu provas, revirou armários, trocou a fechadura. Mas
a garota, tomada por coragem, manteve a queixa, ao contrário da primeira vez em
que denunciou o padrasto, em 2011, quando acabou retirando o depoimento sob
torturas ainda mais duras em casa.
Agora, estando o padrasto numa prisão, ela iniciou a série de
posts no Instagram. Vem dormindo longe da mãe, que se abrigou “numa casa com
natureza, resguardada, porque está muito abalada emocionalmente”, como diz Eva,
feito fosse ela a matriarca da família despedaçada (“Eu já estou conseguindo ir
para a sociedade e falar”, afirma, com a voz sempre firme). Desde a prisão do
padrasto, ela mesma está dormindo ora na casa de um amigo, ora na casa de
outro, sem proteção jurídica.
— Uma rede de acolhimento se formou desde que eu decidi
contar essa história. Muitos amigos próximos, outros que eu mal conhecia,
abriram as portas para mim — conta. — Estou me sentindo bem agora. Antes me
sentia aprisionada por estar guardando tudo isso para mim. Mesmo quando
publiquei, não publiquei na intenção de chamar a atenção do país, mas das
pessoas mais próximas, da minha cidade e, no máximo, do meu estado. Quando vi
que tomou essa proporção, me senti muito forte.
Sentir-se forte, como ela diz, não apaga as memórias. Durante
o dia, na série de entrevistas que ocuparam sua tarde nesta quinta-feira, Eva
chorou com jornalistas (“Por telefone, eu consigo segurar melhor”, diz, rindo),
mas se concentrou mais na importância de sua denúncia e “na celeridade da
Justiça”.
— No começo, eu não conseguia falar em público, sabe? Chorava
muito, era uma tortura. Tanto que meu primeiro depoimento durou quatro horas.
Eu não conseguia organizar o pensamento de uma forma linear. Mas continuar
falando foi me deixando calma, segura. E quando tomou essa proporção toda, eu
fui ficando forte. Falando aqui com você, eu não choro, porque procuro não ver
um filme na minha mente, entende? — diz, para em seguida ponderar: — Mas,
quando tudo acaba e eu tomo banho, eu desabo. Quando deito na cama para dormir,
eu desabo. E é muito difícil, eu demoro, ainda acordo gritando, mas me sinto
protegida. Depois de tanto ter chorado, depois de tanto ter repetido, eu me
sinto mais segura.
Quando seu padrasto foi preso, na semana passada, acusado de
estuprá-la e torturá-la ao longo de quase uma década, Eva Luana da Silva
abraçou o namorado e fez um pedido: “Eu quero ver o pôr do sol”. Ela também
queria sair para tomar um sorvete e passear de mãos dadas à noite em Camaçari,
cidade com pouco mais de 160 mil habitantes no interior da Bahia.
— Essas coisas ínfimas, esses pequenos prazeres da liberdade,
eu nunca tinha tido, sabe? — disse ela ao GLOBO, por telefone, nesta
quinta-feira.
Eva tem 21 anos, dos quais conta ter passado quase uma década
como vítima do padrasto, Thiago Oliveira Alves, que chegou a estuprá-la duas
vezes por dia.
Segundo a delegada Florisbela da Rocha, da Delegacia Especial
de Atendimento à Mulher (Deam) de Camaçari, Alves teve a prisão preventiva
decretada, e as investigações foram encerradas. O processo corre em segredo de
Justiça. Até ontem, segundo Rocha, ainda não havia aparecido advogado de defesa
para o acusado na delegacia.
Em relato no Instagram publicado na quarta-feira, a garota
tornou públicos os requintes de crueldade de que diz ter sido alvo desde os 12
anos, quando sua mãe, como lembra, já era "agredida, abusada, violada e
torturada quase todos os dias". Pela rede social, a jovem também diz que
sua irmã, filha de seu padrasto, "morria de medo dele porque sempre viu
ele fazendo essas atrocidades conosco (Eva e a mãe)".
Eva conta que era obrigada, por exemplo, a dormir na casinha
da cadela da família. Sem janela, sem colchão. Sozinha.
Não raro, era forçada a ingerir quantidades enormes de comida
para em seguida vomitar e ser golpeada pelo padrasto. Ele também forçava toda a
família a sair pela cidade, em passeios nos quais deveriam aparentar
normalidade, relata Eva. Então, nada se dizia sobre a violência.
— A gente saía para a sociedade, mas tudo era muito forçado.
Era tudo uma mentira. E ai de mim, ai de minha mãe e de minha irmã, se
contássemos para alguém. Ai da gente se demonstrasse alguma tristeza — lembra.
Apesar da violência descomunal em casa, Eva sempre foi uma
das melhores da escola. Não por acaso, foi aprovada nas quatro universidades
para as quais prestou vestibular. Acabou por cursar Direito naquela que seu
padrasto escolheu — onde ele também estudava, de modo que podia seguir vigiando
a enteada.
— Eu costumo dizer que vivia numa prisão sem grades. Eu era
uma prisioneira — diz a estudante. — Sinto que estava apenas sobrevivendo e
que, agora, vou começar a viver.
Desde a denúncia à Deam, feita por Eva em 30 de janeiro, até
a prisão do padrasto na semana passada, foram longos dias de pânico. Embora uma
medida o proibisse de se aproximar da casa da família, o acusado foi até lá e,
segundo a estudante, destruiu provas, revirou armários, trocou a fechadura. Mas
a garota, tomada por coragem, manteve a queixa, ao contrário da primeira vez em
que denunciou o padrasto, em 2011, quando acabou retirando o depoimento sob
torturas ainda mais duras em casa.
Agora, estando o padrasto numa prisão, ela iniciou a série de
posts no Instagram. Vem dormindo longe da mãe, que se abrigou “numa casa com
natureza, resguardada, porque está muito abalada emocionalmente”, como diz Eva,
feito fosse ela a matriarca da família despedaçada (“Eu já estou conseguindo ir
para a sociedade e falar”, afirma, com a voz sempre firme). Desde a prisão do
padrasto, ela mesma está dormindo ora na casa de um amigo, ora na casa de
outro, sem proteção jurídica.
— Uma rede de acolhimento se formou desde que eu decidi
contar essa história. Muitos amigos próximos, outros que eu mal conhecia,
abriram as portas para mim — conta. — Estou me sentindo bem agora. Antes me
sentia aprisionada por estar guardando tudo isso para mim. Mesmo quando
publiquei, não publiquei na intenção de chamar a atenção do país, mas das
pessoas mais próximas, da minha cidade e, no máximo, do meu estado. Quando vi
que tomou essa proporção, me senti muito forte.
Sentir-se forte, como ela diz, não apaga as memórias. Durante
o dia, na série de entrevistas que ocuparam sua tarde nesta quinta-feira, Eva
chorou com jornalistas (“Por telefone, eu consigo segurar melhor”, diz, rindo),
mas se concentrou mais na importância de sua denúncia e “na celeridade da
Justiça”.
— No começo, eu não conseguia falar em público, sabe? Chorava
muito, era uma tortura. Tanto que meu primeiro depoimento durou quatro horas.
Eu não conseguia organizar o pensamento de uma forma linear. Mas continuar falando
foi me deixando calma, segura. E quando tomou essa proporção toda, eu fui
ficando forte. Falando aqui com você, eu não choro, porque procuro não ver um
filme na minha mente, entende? — diz, para em seguida ponderar: — Mas, quando
tudo acaba e eu tomo banho, eu desabo. Quando deito na cama para dormir, eu
desabo. E é muito difícil, eu demoro, ainda acordo gritando, mas me sinto
protegida. Depois de tanto ter chorado, depois de tanto ter repetido, eu me
sinto mais segura.
Sobre o futuro, Eva soa mais uma vez ponderada. Diz que, por
enquanto, “não existe perspectiva”, conta que sua mãe fechou o pequeno comércio
que tinha na cidade para se recolher logo após a denúncia e que ela mesma não
está assistindo às aulas na faculdade, embora tenha conseguido autorização para
estudar de casa.
— Por enquanto eu não estou conseguindo pensar no futuro,
está muita gente em cima, a situação está muito pesada. Mas até isso está me
fortalecendo, de certa forma, para eu decidir o que quero fazer daqui em
diante: eu entendo que tenho que terminar minha faculdade, tenho que lutar para
continuar no Direito. Porque o Direito me salvou. Por causa dele, comecei a
estagiar e conheci pessoas do âmbito jurídico que me ajudaram a denunciar —
afirma. — Não posso desistir de viver
por causa disso tudo. É muito doloroso, as memórias vêm, as agonias vêm. Mas o
amor também veio.
Depois de quase 20 minutos de conversa, a advogada da
estudante interrompe a ligação. Eva, agora, precisa descansar.
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