Aos 46 anos, moradora do
Espírito Santo desvendou sua história. Homem a separou da mãe e de duas irmãs,
que moravam em São Paulo
No dia 7 de abril de 1975, a
lavradora Neide Aparecida Pereira, então com 22 anos, saiu de casa para buscar
lenha e, quando voltou, sua filha de 2 anos havia desaparecido. Na queixa
registrada na delegacia de polícia de Tanabi, interior de São Paulo, onde ela
morava, Neide apontou como suspeito de ter sequestrado a menina um parente de
seu marido, Pedro Antônio Garcia, na época com 34 anos. O caso foi arquivado
sem que a criança e o suspeito fossem encontrados.
Em agosto deste ano, a
cuidadora Simone Lopes Garcia, 46, descobriu que era ela a menina sequestrada e
que fora criada como filha pelo próprio sequestrador, no Espírito Santo. O
homem que chamava de pai a separou também de duas irmãs mais velhas que ficaram
com sua verdadeira mãe. “Vivi, até agora, uma vida de mentira, uma vida que não
era minha. Quero encontrar minha mãe e minhas irmãs para reescrever minha
história”, disse ao jornal O Estado de São Paulo, por telefone, nesta
quarta-feira (06/11/2019).
Simone conta que desde pequena
seu “pai” dizia que a mãe dela, Iraildes da Cunha Lopes, era alcoólatra e havia
morrido. Ela, no entanto, nunca tinha visto o atestado de óbito ou qualquer
documento a respeito. “Quando eu queria saber mais, ele ficava bravo e, como
era um homem violento, eu deixava para lá. Em maio de 2006, ele sofreu um
derrame e ficou muito ruim. Fui a última pessoa a falar com ele, antes de
morrer, e pedi que falasse se minha mãe estava viva. Ele negou. Preferiu que
esse segredo terrível morresse com ele.”
A cuidadora conta que, após a
morte do pai, aumentou o desejo de saber mais sobre a mãe. “Eu já tinha meus
cinco filhos todos criados, o caçula tem hoje 24 anos, e eles também
perguntavam da avó. Decidi então pesquisar sobre ela.” Em busca de informações
sobre a mulher que acreditava ser sua mãe, Simone acabou chegando à verdadeira
história do homem que se passou por seu pai. “Descobri que Iraildes tinha
morrido em 1974, mas também que ela não era minha mãe. Foi quando soube que
tinha um processo envolvendo quem se dizia meu pai na delegacia de Tanabi.
Quando vi o que era, caiu meu mundo. Fiquei em choque, pois logo entendi que eu
era a menina sequestrada e estava lá o nome dele como meu sequestrador.”
Lendo o processo, Simone soube
que sua mãe verdadeira, Neide Pereira dos Santos, procurou por ela durante dois
anos. “Foi uma busca difícil, pois ela morava na zona rural, era muito pobre.
Mesmo assim, ela procurou em casa de familiares dele por toda a região. A
família Garcia era bem-sucedida, tinha até parente delegado. O processo foi
arquivado sem muita investigação.” De acordo com a cuidadora, sua mãe havia
sido abandonada pelo seu pai biológico e Pedro, que era casado com uma prima
dele e tinha ficado viúvo, pediu abrigo na casa de Neide.
O homem mudou-se para lá com o
adolescente Marcos Antonio Garcia, de 14 anos, que ele “pegara para criar” aos
7 anos. Após o sequestro, Pedro a levou para o Paraná e, depois, para o
Espírito Santo, sem despertar suspeitas. “Ele dizia que eu era filha dele, que
a mãe havia morrido, e mostrava uma foto da Iraildes, além de uma foto minha,
criança, no colo dele.”
A própria Simone reconhece que
sua vida parece um filme, “um drama daqueles de chorar”. Ela conta que desde os
4 anos foi abusada sexualmente por Marcos, que considerava meio irmão. “Isso
[abuso] foi até quando eu tinha 9 anos e ele, 21. Gostaria que ele fosse
encontrado agora e fosse responsabilizado pelo que fez.” Para fugir dos abusos
do rapaz e das agressões que sofria de Pedro, ela foi morar com a mãe dele,
Jesuína, que considerava sua avó, mas Pedro entrou na Justiça para obter sua
guarda de volta. Foi quando a registrou como “filha”.
Simone, que trabalha como
cuidadora de deficientes mentais em uma clínica, diz que vive, agora, por dois
objetivos. O primeiro é recuperar a identidade que lhe foi roubada. “Vou trocar
toda a documentação em que estou registrada como Simone Aparecida Lopes Garcia,
para meu nome verdadeiro: Simone Aparecida Pereira dos Santos.” O outro, é
encontrar sua verdadeira família. “Neide, minha mãe, está hoje com 66 anos, se
estiver viva. Também espero encontrar minhas irmãs.”
Ela está recebendo ajuda de
uma organização especializada em buscas de pessoas desaparecidas. “Meus filhos
estão me apoiando em tudo. Dois deles, a Camila e o Gabriel, moram comigo. Eles
também estão na maior expectativa. Quando o telefone toca, eu tremo de tanta
ansiedade.” A filha Gabriela conta que a mãe recebe também apoio psicológico.
“Foi muito horrível tudo isso que ela passou. Vamos fazer de tudo para que ela
encontre a nossa avó verdadeira e também outros familiares”, disse.
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