'Desculpa só não resolve', diz advogado de adolescente agredido por PM



Ao lado da mãe, estudante de 16 anos é recebido por comandante geral da PM

Foto: Arisson Marinho


Acompanhado da mãe, Karina Barros, o adolescente de 16 anos filmado sendo agredido por um PM chegou ao Comando-Geral da Polícia Militar, no Quartel do Largo dos Aflitos na manhã desta quarta-feira (5).  A presença deles foi solicitada pelo comandante geral, coronel Anselmo Brandão para um pedido de desculpas.

O encontro estava previsto para às 9h, mas mãe e filho chegaram uma hora depois. Sem falarem nada, eles chegaram e foram direto ao encontro do comandante geral, juntamente com o advogado da família Brasilino Gomes, que já os aguardavam.

Brasilino falou sobre a expectativa do encontro de mãe e filho com coronel Anselmo Brandão. "O comandante geral ligou para eles dizendo que queria fazer um pedido de desculpa pessoalmente. Mas pedido de desculpa só não resolve. Queremos ações concretas", declarou o advogado.

A reunião segue a portas fechadas.

O caso

O símbolo de resistência não suportou a truculência da Polícia Militar baiana - e o jovem diz que pretende cortar o cabelo. "Estou com medo até de sair de casa, tenho receio que algo aconteça comigo e com a minha família", declarou o adolescente 16 anos que levou murros, chutes e insultos racistas por parte de um policial militar durante uma abordagem. Até então, ele mantinha o penteado black power como forma de autoafirmação. “É mais que moda, é a minha identidade negra que agora está ferida”.

As agressões do PM, filmada por um morador, circula nas redes sociais e  ganhou repercussão nacional. O vídeo mostra toda a ação no bairro de Paripe, que aconteceu no domingo (2). "Você pra mim é um ladrão. Você é vagabundo! Essa desgraça desse cabelo. Tire aí [o chapéu], vá! Essa desgraça aqui. Você é o quê? Você é trabalhador é, viado?", disse o PM no vídeo ao jovem.

Amedrontado, ele disse ao CORREIO que vai cortar o cabelo. "Não vou usar mais. Vou cortar", disse ele. Karina, mãe do adolescente, endossou a vontade do filho. "Não quero mais que ele use. Isso nos traumatizou bastante. Dorme e acorda assustado", contou ela, que atualmente trabalha fazendo faxina.

Desde o episódio, o adolescente não sai de casa. "Penso que ele pode vir atrás de mim por causa do vídeo. Não estou saindo de casa para nada", disse ele, que emendou sobre a repercussão. "Não tinha ideia que o vídeo pudesse causar tudo isso. Tenho muito medo que ele desconte tudo isso em mim".

Questionado se já havia passado por uma situação semelhante, o rapaz respondeu: "uso o corte há mais de um ano e nunca passei por isso, sequer fui alvo de comentários racistas, enquanto no domingo fui espancado", finalizou.

Foto: Bruno Wendel
Justiça

O adolescente é o mais velho dos três filhos da bombeira civil Karina Barros, 32, que está desemprega. Ela espera justiça. "Fica o medo, mas a gente acredita na justiça. Meu filho não errou. O erro foi do policial. Mesmo que meu filho tivesse feito algo de errado, o que ele não fez, não é dessa forma que se deve abordar as pessoas. Meu filho foi espancado por quem deveria proteger os cidadãos", declarou.

No domingo, o adolescente voltava para casa, junto com a namorada, quando o casal parou para falar com um amigo que estava em um carro. No momento que conversavam, uma equipe da PM se aproximou e um dos policiais disse: “O que está acontecendo aí?”.

Na abordagem truculenta, o PM retira a boina do jovem que usa cabelo no estilo black power e a joga no chão. “Colocou os meninos encostados no muro e começaram as agressões. Além de xingá-lo de vagabundo, deu bicudas e socos nele. Fiquei chorando, mas não podia fazer nada porque ele estava me olhando com raiva", contou a namorada do rapaz.


Agressão gratuita

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Jerônimo Mesquita, explica que houve abuso de poder na abordagem do policial. “O jovem estava de costas, não representava perigo. O que ele poderia fazer é imobilizar o rapaz, mas ali foi uma agressão gratuita”, avaliou.

Mesquita explica ainda que, ao agredir o rapaz, o agente cometeu lesão corporal, acompanhada de injúria racial pela depreciação do cabelo black power e também homofobia por tê-lo chamado de ‘viado’.

“É importante que esse policial responda por um processo disciplinar da corregedoria. Quando a Polícia Militar permite que essas coisas aconteçam, ela dá um recado para os outros policiais de que há uma política violenta na instituição”, comentou o advogado.

'Caso isolado'
O governador Rui Costa, em publicação feita em seu perfil oficial no Twitter, na manhã de terça-feira (4), comentou a denúncia de racismo envolvendo o policial militar da Bahia.

“Como governador do Estado da Bahia, não admito comportamento de violência policial como o ocorrido no vídeo que circula nas redes sociais. É inaceitável, inadmissível e não reflete o comportamento e os ideais da instituição”, disse Rui.

O governador, que entregou uma contenção de encosta na Bela Vista do Lobato, no Subúrbio de Salvador, afirmou que acompanha a apuração do caso.

“Determinei apuração rigorosa e imediata da Corregedoria da Polícia Militar com as devidas punições legais aos responsáveis e divulgação para a sociedade das medidas adotadas, para que esses casos isolados não possam continuar comprometendo a imagem da instituição”, escreveu na rede social.

O coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Marcos Rezende, comentou o caso e disse que espera que o policial envolvido passe pelas medidas legais disciplinares da própria Polícia Militar. Na avaliação dele, as autoridades policiais têm agido dessa forma movidas não só pelo racismo, mas também porque pessoas de bairros periféricos são tratadas como se tivessem menos direitos.

Ainda segundo ele, situações como a do jovem poderiam ser evitadas se as viaturas possuíssem câmeras. Rezende acredita que, assim, os agentes filmados iriam pensar nos riscos de abordagens violentas.

“Por mais que se tratem esses casos como isolados, existe uma sequência desses casos isolados que vira rotina, norma. E isso vai formatando uma ideia de que esse é o procedimento policial, mas não é. É preciso mudar a formação policial. Os policiais têm formação que não colocam os direitos humanos como importante. Ninguém vê esse estresse policial num bairro nobre”, disse Rezende.

Correio 24 Horas


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