Cálculo político pode determinar volta do auxílio emergencial

Hoje, responsabilidade fiscal prevalece, mas queda na aprovação do governo pode fazer com que fim do benefício seja reavaliado

 

Auxílio emergencial beneficiou mais de 67,8 milhões


Nesta semana, o governo federal liberou o último saque do auxílio emergencial. As parcelas de R$ 600, que depois caíram para R$ 300, somaram quase R$ 300 bilhões e beneficiariam 67,8 milhões de pessoas, segundo dados da Caixa Econômica Federal.

No entanto, o benefício que, para 36% da população era a única fonte de renda durante a pandemia do novo coronavírus, segundo o Datafolha, dificilmente será renovado no momento, especialmente com expectativa de eleição do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (Democratas-RO) para as presidências da Câmara e Senado, prevista para esta segunda-feira (1).

É o que afirma Acácio Miranda, advogado especialista em direito constitucional e analista político.

“É muito provável que o Congresso fique nas mãos de deputados e senadores ligados ao Planalto e a partir daí é muito pouco provável que o auxílio seja pautado mais uma vez. Com a eleição dessas duas pessoas, o auxílio emergencial cai por terra”, diz.

Segundo o advogado, esse cenário atual se dá pela vitória, pelo menos por enquanto, do discurso da responsabilidade fiscal, que prevalece no governo capitaneado pela figura do ministro da Economia Paulo Guedes. “Eu acho que hoje a perspectiva responsável, da responsabilidade fiscal, do Guedes, prevalece dentro do governo, inclusive em determinados momentos ele disse que pediria para sair do governo se fosse retomado o auxílio”, relembra Miranda.

Na verdade, Guedes não disse que sairia caso fosse retomado o auxílio, mas fontes próximas do governo apontavam que o ministro dava sinais de que sairia do cargo se o teto de gastos não fosse respeitado e o ajuste fiscal abandonado neste ano. Guedes, no entanto, logo tratou de afastar as especulações e confirmou sua permanência no governo.

Para Arthur Igreja, especialista em finanças e professor convidado da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a criação do auxílio emergencial já não era viável, muito menos sua manutenção. “Viabilidade pressupõe estabilidade e equilíbrio. E estamos longe disso há bastante tempo”, diz.

Para Igreja, a renovação do auxílio emergencial é “uma troca do futuro pelo presente”. “Dá para ter auxílio em 2021? Sim, emitindo dívida. Qual o custo disso? Uma estagnação brutal nos próximos anos, desconfiança do mercado, uma recuperação débil da economia. É como estar devendo e usar o cheque especial. Quando a fatura chega, não tem para onde correr”, explica o especialista.

Queda na avaliação do governo pode reabilitar auxílio

Em contrapartida, o Miranda explica que o retorno ou não do benefício não é apenas um cálculo econômico, mas também político. Isso porque a aprovação do governo Bolsonaro caiu de 37% para 31% e a avaliação como ruim ou péssima da gestão atual aumentou de 32% para 40%, segundo o Datafolha.

Entre as razões para a queda na avaliação do presidente, estão o agravamento da crise provocada pela pandemia de covid-19, com atraso nas vacinas, colapso dos sistemas de saúde do Amazonas e, claro, o fim do auxílio emergencial. Portanto, segundo Miranda, não é possível “cravar” qualquer futuro para o benefício.

“Hoje eles são contrários ao auxílio emergencial, mas com essa queda de popularidade do presidente, a gente já constatou que foram criados balões de ensaio para o renascimento desse auxílio. Então não dá pra cravar que vai ou não voltar, hoje eu diria que não volta, mas a depender dos novos números de aprovação do governo pode ser que ele seja resgatado”, projeta o advogado.

Impacto na população

Um dos motivos para a queda na avaliação do governo Bolsonaro foi, claro, o fim do auxílio emergencial. A medida impacta a vida de quase 70 milhões de brasileiros, dependentes parcial ou totalmente do benefício.

O fim do auxílio, somado à crescente taxa de desemprego e à iminência de novos postos de trabalho sendo fechados - por conta de novas medidas de restrição sanitárias para combater a expansão da covid-19 no país — projeta um cenário, no mínimo, catastrófico para uma parcela considerável da população, de fragilidade econômica, financeira e de saúde.

“Para população vulnerável, nesse período, essa foi a única renda e a principal maneira de suprir as necessidades básicas. E agora a tendência é de que exista um descontentamento, é uma encruzilhada complexa, pois de um lado tem o mercado esperando a volta de temas como responsabilidade fiscal, e do outro uma população que convive com o desemprego gigantesco em uma pandemia que só piora. A população está muito vulnerável do ponto de vista de trabalho, saúde e renda”, analisa o especialista em finanças Arthur Igreja.

Volta do auxílio é mais fácil que criar outros projetos

Em vista do cenário de grandes incertezas, o advogado e analista político Acácio Miranda afirma que é mais fácil o auxílio retornar do que ser criado um novo benefício de transferência de renda. “Existem inúmeras propostas no Congresso, mas a verdade é que o auxílio emergencial seria o mais fácil de ser mantido, porque foi instaurado a partir do decreto que estabelece a situação emergencial em todo o país por conta da pandemia”, explica.

“Então sob o ponto de vista legislativo, e até sob o ponto de vista da justificativa fiscal, ele é mais facilmente mantido que os outros, não depende de construção no Congresso, de análise orçamentária tão aprofundada, até porque é necessário que se algum auxílio seja criado ele esteja previsto no orçamento daquele período, então o auxílio é mais fácil”, completa.

Posição do governo

Na quinta-feira (28) o presidente Jair Bolsonaro voltou a negar a possibilidade de retomar pagamentos do auxílio emergencial. Em "live" nas redes sociais, ele disse que prorrogar o benefício "vai quebrar o Brasil". Mesmo com o aumento de casos e mortes relacionadas à covid-19, o presidente pediu à população que conviva com a doença sem "destruir empregos" e pediu ainda o retorno do público aos jogos de futebol.

"Lamento, o pessoal quer que continue (o auxílio), vai quebrar o Brasil. Vem inflação, descontrole da economia, vem um desastre e todo mundo vai pagar caríssimo. Temos que trabalhar", disse. Bolsonaro também voltou a citar que a capacidade de endividamento do país "chegou ao limite".

Procurado pela reportagem, o Ministério da Economia encaminhou o pedido de posicionamento para o Ministério da Cidadania, que informou que não se pronunciará de forma oficial sobre o retorno ou não do auxílio emergencial.

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