Pai, mãe, dois filhos e um
genro não resistiram à doença em Brumado
Seu José Luís Gomes da
Silva tinha 74 anos e uma vida ativa. A mercearia da qual era
proprietário, em Brumado, no Centro-Sul da Bahia, era o xodó do idoso. Não
abria mão do trabalho. Outra de suas paixões era a esposa Maria Zélia, 71, com
quem estava casado há 52 anos, e os sete filhos frutos dessa união. Em 23 dias,
ele, a esposa, dois filhos e um genro morreram vítimas da covid-19.
A família ainda está tentando
entender o que aconteceu. A primeira pessoa a morrer foi Maria Zélia, no dia 12
de fevereiro, e a morte mais recente foi o filho dela, Cleiton, 33 anos, no
domingo (7). Tudo começou de repente. Os sintomas surgiram aos poucos, e uma a
uma as vítimas foram sendo internadas. Eles deixaram esposas e filhos.
Casal estava junto há 52 anos, e eles morreram com diferença de dez dias (Foto: Acervo Pessoal)
José Luís e Maria Zélia
estavam casados há 52 anos, e fizeram até uma festa para comemorar as bodas de
ouro, em 2018. A reunião resultou em uma foto do casal ao lado dos sete filhos
que tem sido usada como referência de família unida desde que as mortes
começaram.
Ele fazia o tipo mais caladão
e sério. Ela era mais comunicativa, a típica vovó que dava bronca na família.
Aos domingos, os cinco filhos homens tinham o hábito de se reunir com o pai
para assistir às partidas de futebol pela televisão. Era quase uma religião.
Cleiton tinha 33 anos (Foto: Acevo Pessoal)
Sintomas
Os idosos moravam sozinhos, mas ao lado da casa deles vivia um filho e outra
filha, e o restante da família morava em ruas próximas. A psicóloga Mônica
Porto, 26 anos, é neta do casal e contou que a pandemia exigiu alguns cuidados.
Em janeiro, no entanto, eles começaram a apresentar os primeiros sintomas da
doença.
“Nós cancelamos viagens e
adotamos as medidas recomendados, como usar máscara e evitar aglomerações. Os
encontros que a gente fazia eram somente da família mesmo, só a gente, e sempre
tomando os cuidados necessários. Meu avô foi o primeiro a apresentar os
sintomas, ele teve febre, corpo mole, e dor de cabeça”, contou Mônica.
Lucimar deixou duas filhas (Foto: Acervo Pessoal)
Dois filhos de seu Zé, entre
eles Cleiton que viria a morrer um mês depois, o levaram até uma Unidade de
Pronto Atendimento (UPA), mas o quadro se agravou. O idoso era cardíaco e usava
ponte de safena e, por conta da covid, perdeu o olfato e o paladar. Nesse
momento, Maria Zélia também já manifestava os sintomas. O quadro dela evoluiu
mais rápido, e os dois foram transferidos às pressas para Vitória da Conquista.
“Quando meu avô foi internado,
minha avó já estava com sintomas, mas estava leve e ela não quis ir para a UPA.
Ela era diabética e alguns dias depois o açúcar dela começou a subir, foi aí
que meu pai e meu tio a levaram. Não lembro exatamente quando ela foi
internada, mas foi questão de 10 a 15 dias até o falecimento”, contou Mônica.
Antônio deixou quatro filhos (Foto: Acervo Pessoal)
Mortes
A morte da matriarca foi confirmada em 12 de fevereiro. Seu Zé estava intubado
e não soube do ocorrido. Dez dias depois, foi ele quem partiu. Outros membros
da família também manifestaram sintomas, mas a situação de Antônio, 72, foi
mais grave. Ele morreu alguns dias depois do sogro. Lucimar, 45, filho do
casal, foi a quarta vítima. Antônio deixou quatro filhos e Lucimar duas
filhas.
No
domingo (7), a família se despediu de Cleiton, outro filho do casal. Ele tinha
apenas 33 anos, morreu no dia do próprio aniversário, e deixou órfã uma filha
de 11 anos. Mônica contou que esse será um ano difícil de superar, disse que a
família está unida, e pediu para que as pessoas redobrem os cuidados em relação
ao novo coronavírus. O pai dela também testou positivo para a doença, e
precisou se isolar.
“As
pessoas que ainda não compreenderam a gravidade da situação é porque ainda não
atingiu suas famílias. É muito sério. É muito grave. A covid mata. A questão
não é ir ou não a um barzinho, a questão é perder seus familiares. É preciso
usar máscara e não aglomerar. Infelizmente, enquanto a gente não tiver vacina é
isso o que podemos fazer”, afirmou.
O
boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), no
domingo, apontou o surgimento de 3 mil novos casos de covid-19 no estado, nas
24horas anteriores. Desde que a pandemia começou, em março do ano passado, 714
mil pessoas foram infectadas e 12 mil morreram vítimas da doença.
Luto é essencial, afirma
psicóloga
Perder
quem se ama não é fácil, mas o sofrimento gerado por essa perda precisa ser
vivenciado. Segundo os especialistas, o luto é uma etapa importante no processo
de recuperação emocional. A psicóloga Jaqueline Amorim, 32 anos, trabalha na
rede pública de saúde, ela ajuda os médicos a darem a notícia às famílias que
perderam os familiares para a covid, e também está vivenciando a perda do avô
dela, ocorrida na semana passada. Amorim conversou com o CORREIO sobre esse
tipo de sofrimento.
Chorar é importante?
Chorar
é necessário. A gente precisa ser forte, e ser forte significa acolher a dor. A
gente precisa vivenciar essa dor, ou não vamos conseguir ressignificar e dar
espaço para que possamos tocar a vida e transformar essa dor em saudade. Sem
vivenciar a dor não vamos conseguir nos livrar dela. Chorar é essencial.
Existe um tempo adequado
para superar a dor?
Esse
tempo alterna de pessoa para pessoa. A gente fala que se passarem seis meses e
a pessoa não conseguir sair desse momento do luto é importante procurar um
profissional, ou, até mesmo, antes disso. É preciso observar, e não esperar a
pessoa chegar ao fundo do poço para pedir ajuda. Eu sempre digo: excesso
de passado, é depressão, e excesso de futuro, é ansiedade. A gente precisa
viver o presente, e no presente tem essa dor.
A morte em tempos de
pandemia é mais difícil?
Esse
contexto [com várias mortes] pode gerar uma série de pensamentos negativos, e o
psicológico pode atrapalhar no processo de recuperação. A mente da gente é quem
dá o comando em todo o corpo. Eu costumo falar para meus pacientes que para o
corpo se recuperar mais rápido a mente tem que estar tranquila.
É saudável guardar os
objetos pessoais do falecido?
Cada
pessoa vivencia de uma forma diferente, mas é importante que as pessoas
consigam se desfazer. Guardar tudo de alguém que faleceu não é saudável, a
gente precisa aprender a deixar ir. Isso serve para objetos, sentimentos,
situações não resolvidas, e relações mal concluídas. A morte tem muito disso,
aquela sensação de que não teve como colocar um ponto final. Escolher um objeto
que te faça lembrar aquela pessoa é saudável, mas guardar tudo que era dela não
é legal.
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