Planta raríssima da família da
laranja, a Andreadoxa flava kallunki desafia ativistas da conservação de
espécies
Uma única árvore conhecida,
pertencente a um único gênero, de uma única espécie. Da mesma família da
laranja, a Andreadoxa flava kallunki é um indivíduo ímpar no mundo. A planta é
tão rara que só tem nome científico, ninguém nunca deu um apelido, um nome mais
popular, o que é bem comum, na verdade. Observada pela primeira vez há cerca de
60 anos, sua história tem algumas lacunas e ainda resta dúvidas para os
botânicos. Vivendo no maior herbário de Mata Atlântica do Nordeste, numa área
de cultivo de cacau no Sul da Bahia, ela provavelmente é centenária.
Exuberante, com suas flores amarelinhas e exalando aroma cítrico como o do
limão, a árvore intriga pesquisadores e os desafia a uma luta para que ela não
viva a solidão de ser o último exemplar da sua espécie.
Fincada num vão de uns 40 cm entre
duas grandes pedras, acredita-se que talvez ela tenha conseguido sobreviver ao
tempo por estar justamente ali. Não fosse por isso, teria sido cortada porque
não produz sombra propícia para a plantação cacaueira, uma das principais
atividades agrícolas da região há pelo menos dois séculos.
Com uma altura de oito metros,
o equivalente a um pouco mais do que um prédio de dois andares, a Andrea é
considerada baixinha. Para este negócio, são usadas árvores de estrato bem mais
alto — acima dos 25 m — então, o pessoal que trabalha plantando cacau vai
retirando as menores do caminho.
A Andreadoxa fica protegida na
Comissão Executiva Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), uma área federal na
estrada entre Ilhéus e Itabuna. Conversar com quem a pesquisa é instigante,
provoca um fascínio sobre o que falta esclarecer. Por telefone, o engenheiro
florestal Daniel Piotto, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia
(UFSB), proseia quase sempre sorrindo, em um tom que mistura admiração e
incredulidade.
Foram mais de 30 anos da
primeira coleta até ela ser registrada como espécie e gênero exclusivos. Ela
foi batizada em homenagem ao pesquisador André Maurício de Carvalho,
da Ceplac, quem a primeiro catalogou.
“Essa árvore é uma coisa incrível. O que acontece é que, na verdade, a gente não sabe quase nada dela”, ri. “Nós quisemos fazer um vídeo falando sobre ela para que as pessoas possam conhecê-la. Para a botânica, acredito que ela é um enigma. Os próprios nativos não a reconhecem. O pessoal me pergunta muito se é uma planta exótica. ‘Será que trouxeram de outro país e colocaram aí?’. Não. O mais incrível é que ninguém mais achou outra dela, nós temos procurado por anos, desde a década de 1980”, conta ele.
Diferentona
Ser única parece mesmo estar
na essência dessa árvore. É até difícil de explicá-la. As suas principais
peculiaridades parecem estar em suas características florais. Diferente das
plantas da família a qual ela pertence, a Andreadoxa tem flores bilaterais, ou
seja, com um único plano de simetria. Isso significa que as suas florezinhas
amarelas são divididas em partes iguais: um lado é igual ao outro.
Nas plantas-primas, a
distinção é que a forma da flor permite traçar muitos planos de simetria. Essas
têm várias partes iguais umas às outras. As pétalas da Andreadoxa são livres,
enquanto a das primas, em geral, costumam ser mais unidas. A planta rara
floresce entre dezembro e janeiro, e seus frutos aparecem maduros por volta de
junho. Os frutos são duros e não comestíveis.
É pelo tempo da existência da
cultura do cacau na região e pelo crescimento do diâmetro que Piotto estima que
ela possa ter na faixa dos 100 anos. Da primeira coleta, em 1961, para cá, ela
pulou de 19 cm para 24 cm, um crescimento de 5 cm de diâmetro em sessenta anos.
Mas não dá para afirmar. E nem dá para saber quanto tempo ela ainda pode viver
e nem a que altura vai chegar.
Biólogo, o professor Jomar
Jardim, da UFSB, explica que, assim como os animais, as plantas também estão em
constante evolução e, em algum momento desse processo evolutivo, a Andreadoxa
se diferenciou. Não há nada parecido com ela, mas visualmente ela é mais
parecida com as do gênero Conchocarpus. “Essas diferenças são características
que só um pesquisador pode notar porque é ele quem se debruça sobre a
linhagem”, diz.
O professor adianta que,
apesar de processos históricos de devastação, existe uma enorme diversidade de
plantas da Mata Atlântica no Sul da Bahia. A região já teve recorde de 456
espécies por hectare. A Andreadoxa é só um exemplo de árvore que evoluiu nessa
parte do mundo. O problema é que o fato de ela ser uma raridade é sua própria
ameaça. Sendo o indivíduo conhecido que restou na natureza, ela tem baixa
variabilidade genética.
Piotto explica que existe um
fenômeno em que as plantas se autofecundam e produzem sementes. Geneticamente,
ele avalia isso como uma tristeza, uma tragédia, porque é como se a árvore
estivesse produzindo clones. O ideal é que existissem outras Andredoxas para a
polinização cruzada, com ajuda das abelhas e outros insetos
polinizadores.
A semente foi plantada
Na ocasião da gravação de um
vídeo sobre ela em fevereiro, os pesquisadores coletaram amostras da planta e
já foram produzidas mais de 300 mudinhas com o apoio da ONG Instituto Floresta
Viva, localizada no distrito de Serra Grande, na cidade de Uruçuca. O próximo
passo é fazer a análise do DNA das plantinhas para conferir se elas são mesmo
produto de autofecundação ou se surgiram por fecundação cruzada. Essa última
parece ser mais remota, mas Piotto diz: “Se for cruzada, significa que tem
outra dela em algum lugar que não sabemos. Tudo é possível”.
A árvore tem se tornado
símbolo da bandeira pelo reflorestamento no Sul do estado. Piotto brinca que
ela é o “urso-panda" entre as 38 espécies ameaçadas do catálogo do projeto
de preservação feito em parceria entre a UFSB, o Jardim Botânico de Nova
Iorque, herbário do Ceplac, ONG Floresta Viva e Fundação Frankilia. Estas
mudinhas produzidas de Andreadoxa poderão ser solicitadas de graça por
agricultores da região, que deverão assinar um termo de compromisso de plantá-la
e preservá-la.
“Acho que o brasileiro, de
modo geral, não se preocupa muito com as árvores. São podadas, cortadas,
maltratadas de forma pouco consciente. A gente só existe por causa das plantas.
A preservação delas nesse momento em que se fala muito de alterações climáticas
é importante para garantir recursos como água e solo. Todos, de qualquer
profissão, deveriam estar envolvidos nisso. Nós, biólogos e ecólogos, somos
taxados de ecochatos porque ficamos defendendo árvores. A gente está defendendo
um conjunto de situações que servem para todo mundo”, reflete Jomar.
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