Um senhor em situação de rua
foi vítima de um grave e covarde atentado no fim da madrugada desta terça-feira
(9), na Praça da Estação, região Central de Belo Horizonte. Dois homens ainda
não identificados jogaram gasolina sobre ele e atearam fogo, segundo o
flagrante de testemunhas. O homem, que estava dormindo, sofreu queimaduras
severas e teve o socorro ignorado por quem passava pelo local – mesmo com
algumas partes do corpo em carne viva.
Quem amenizou a agonia da
vítima foi Anne Menezes, que saiu do metrô na Estação Central por volta das 8h
– portanto, mais de 2h após o atentado. “Ninguém socorreu ele, ele estava
queimado desde o final da madrugada. É muito triste ver que tem pessoas que
fazem isso e pessoas que ignoram completamente a situação. Na Praça das
Estação, o metrô abre às 5 horas da manhã, passando gente praticamente em cima
dele desde antes dele pegar fogo”, relata ao BHAZ.
Um dos moradores em situação
de rua que estava ajudando a vítima contou à mulher que ninguém atendeu aos
pedidos de ajuda. “Ele [o senhor] tremia de dor, se arrastava de dor no chão e
ninguém fazia nada. E o morador de rua falando assim para mim: ‘Eu não consigo
chamar o Samu, eu não tenho telefone’. Eu disse para ele que chamaria, depois
da ligação, perguntei: ‘Por que vocês não ligaram antes?’ Foi quando ele me
respondeu: ‘A gente pediu ajuda, ninguém quis ajudar'”, revela.
O crime
O crime aconteceu no final da
madrugada. De acordo com o relato dos moradores de rua à mulher, um carro parou
no local entre 5h30 e 6h. “Pelo o que eles falaram, o carro parou… Na hora que
o carro parou, eles viram, e aí uns homens foram andando… No que foram andando,
jogaram a gasolina e jogaram fogo muito rápido”, conta Anne. “Eles falaram:
‘Passou uns playboy doidão aí e jogaram fogo nele, não deu tempo da gente
acudir'”.
Os responsáveis, sempre
conforme testemunhas, fugiram do local depois de atacarem o senhor em situação
de rua. “Saíram e arrancaram o carro”, completa a mulher. Depois do crime, o
corpo dele ficou em carne viva. “Ele estava com a pele muito visível na carne
viva, estava destampado porque o cobertor dele também pegou fogo. Então ele
estava com metade do cobertor, com as pernas todas queimadas e um dos pés
praticamente atrofiou”, diz.
Invisibilidade
A tragédia não acabou por aí.
O homem foi negligenciado novamente – desta vez, por todos que passaram pela
estação. “Ele estava na Caetés no meio da rua, no meio da calçada, estava
jogado entre o meio fio e a calçada, tremendo. E ninguém falava nada, como se
fosse normal um homem sentir dor daquela forma, acha que porque é morador de
rua, não merece atenção, não sente dor”, desabafa Anne.
“Nesse horário, o fluxo já é
muito grande, gente chegando para trabalhar no Centro o tempo inteiro. Ele
ficou de 2 a 3 horas agonizando e ninguém fazendo nada, as pessoas passando de
um lado pro outro”, diz. “Com certeza já tinha gente quando jogaram fogo nele,
com certeza alguém viu alguma coisa, é uma sucessão de ignorar o ser humano
muito longa. Ele tá ali, é invisível, a parte invisível da nossa cidade, é
muito doido isso, ter seres humanos que para a maioria das pessoas não são
considerados humanos. Ele e um poste dá na mesma”, desaba.
Quando chamou o Samu, a mulher
precisou ser acalmada pelos profissionais do outro lado do telefone. “Eu liguei
pro Samu, eles me acalmaram, porque eu estava chorando muito. Uma moradora de
rua me agradeceu pela ajuda. Eu falei: ‘Não tem como não ajudar, é um ser
humano’. Mas ela me respondeu: ‘As pessoas não veem a gente como um ser humano,
igual você está vendo'”, conta, comovida.
Uma situação de 20 minutos na
manhã de Anne fez com que ela parasse para refletir. “Estamos em uma onda de
ignorar a Covid, ignorar o fechamento, essa individualidade reflete muito do
que a gente está vivendo no todo. Essas pessoas não existem só no Natal, para
levar comida uma vez por mês, tirar foto e postar no Instagram”, finaliza.
Mais invisibilidade?
Ao BHAZ, o Samu confirmou que
foi acionado hoje na manhã desta terça-feira (9) para atendimento de um homem
com cerca de 50 anos que apresentava queimaduras. Apesar da reportagem
perguntar detalhes sobre o atendimento, a assessoria se limitou a dizer, por nota
(leia a íntegra abaixo), que a vítima foi encaminhada à UPA Centro-Sul.
Já a Polícia Civil, quando
questionada pela reportagem sobre as investigações, informou que ainda não
houve registro do caso. A reportagem tentou contatar a Polícia Militar (PM), na
tarde de hoje, mas não conseguiu obter uma resposta. O Corpo de Bombeiros
também informou que não foi acionado para atuar no resgate e, portanto, não
registrou o ocorrido.
Nota Samu
“A Prefeitura de Belo
Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informa que o SAMU foi
acionado hoje na manhã desta terça-feira (9) para atendimento de um homem com
cerca de 50 anos que foi encaminhado para a UPA Centro Sul com
queimaduras”.
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