Compra das vacinas russas e indiana foram liberadas com restrições; imunizantes não têm autorização para uso no país
A Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) aprovou, nesta sexta-feira (4), a importação das vacinas
indiana Covaxin e russa Sputnik V, com ressalvas. A decisão foi tomada durante
reunião extraordinária realizada de forma remota pela diretoria colegiada.
Apenas a diretora Cristiane Gomes votou contra a autorização de importação dos
imunizantes.
O pedido de importação da Sputnik
V foi feito pelos estados da Bahia, Maranhão, Sergipe, Ceará, Pernambuco e
Piauí; e o da Covaxin, pelo Ministério da Saúde, que já havia encomendado 20
milhões de doses. Vale ressaltar que ambos os imunizantes não dispõem de
autorização para uso emergencial nem de registro definitivo no país.
A fala “essas vacinas não
possuem a avaliação da Anvisa quanto a qualidade, eficácia e segurança”, foi
unânime durante a apresentação dos pareceres dos gerentes técnicos da Anvisa,
que também teceram as ressalvas relacionadas à autorização de importação.
No caso da Sputnik V, foi
apresentado um relatório técnico emitido pela autoridade sanitária da Rússia,
um dos requisitos previstos na lei de importação de vacinas. Já a Precisa
Medicamentos, representante da Covaxin no Brasil, não apresentou o relatório.
Segundo o voto do relator,
Alex Machado Campos, cada estado do Nordeste deve receber doses suficientes da
Sputnik V para vacinar apenas 1% da população, de acordo com o calendário de
junho: Bahia 300 mil doses, Maranhão 141 mil, Sergipe 46 mil, Ceará 183 mil,
Pernambuco 192 mil e Piauí 166 mil.
Sobre a Covaxin, o Ministério
da Saúde poderá repassar apenas 4 milhões de doses na primeira etapa de
importação, que deve ocorrer de forma controlada. O número pequeno da população
a ser vacinada nas primeiras remessas servirá como monitoramento da Anvisa para
avaliar a segurança dos produtos em uma "unidade de controle", nas
palavras do relator. Novas remessas serão liberadas de acordo com a avaliação
da agência nestes primeiros grupos.
A aprovação de importação das
vacinas ainda vai exigir assinatura de acordo entre as autoridades que entraram
com o pedido e a Anvisa, para que as contraindicações dos imunizantes sejam
seguidas.
Contra-indicação/Restrição de
Uso das vacinas:
- As vacinas não deverão ser
utilizadas por pessoas com hipersensibilidade a qualquer dos componentes da
fórmula; gravidez, lactentes menores de 18 anos, mulheres em idade fértil que
desejam engravidar nos próximos 12 meses; por pessoas com enfermidades graves
ou não controladas (cardiovascular, respiratória, gastrointestinal,
neurológica, insuficiência hepática, insuficiência renal, patologias
endócrinas) e antecedentes de anafilaxia.
- Não poderão receber essas
vacinas pessoas que tenham recebido outra vacina contra covid-19; que tiveram
febre, HIV, hepatite B ou C; que tenham se vacinado nas 4 semanas anteriores;
tenham recebido imunoglobulinas ou hemoderivados 3 meses antes; tenham recebido
tratamentos com imunossupressores citotóxicos, quimioterapia ou radiação 36
meses; tenham recebido terapias com biológicos incluindo anticorpos
anticitocinas e outros anticorpos.
Além disso, os estados também
deverão suspender a importação, distribuição, e uso das vacinas, caso a Anvisa
e a OMS (Organização Mundial da Saúde) reprovem o uso emergencial desses
imunizantes.
Os estados também deverão
encaminhar à Anvisa, mensalmente, relatório de avaliação benefício-risco das
vacinas, contendo resultados de segurança e efetividade de cada lote autorizado
para a importação. Eventos adversos graves e eventuais queixas técnicas devem
ser comunicados à Anvisa em até 24 horas.
Pareceres dos diretores da
Anvisa
A diretora Cristiane Gomes,
única a votar contra a autorização de importação, relatou uma série de falhas
observadas pelas áreas técnicas da Anvisa no processo de fabricação, eficácia e
segurança da Sputnik V, o que a levou a votar contra até mesmo a importação
excepcional.
"Tenho plena consciência
que estamos vivendo um período extraordinário que demanda medidas
extraordinárias urgentes. Contudo, acredito que a relação risco/benefício
observada atualmente, com as informações e evidências que dispomos, ainda não
permite o uso amplo desse produto na população brasileira", disse sobre a
vacina russa.
Em seu voto, o diretor relator
também destacou que o benefício deve sempre superar os riscos no que diz
respeito às vacinas. “Não é vacina a qualquer custo, porque tem um preço, não
pode ser na sombra do desespero”, disse.
“O momento pelo qual o Brasil
atravessa é extremamente crítico, ocupando ainda lugar de destaque no número de
novos casos e mortes. Parece ter se tornado rotina assistimos os números nos
jornais anunciando mais de 2 mil vidas perdidas por dia (...) A mensagem pra
mim é clara, é preciso olhar para os mais jovens, incluí-los também no plano de
vacinação”, disse o relator ao votar à favor da importação.
Ainda a respeito do imunizante
russo, a diretora Meiruze Sousa destacou a insuficiência dos dados apresentado
no relatório técnico emitido pela autoridade sanitária da Rússia. Mas, ainda
assim, votou favorável à importação.
“Não existe um relatório
técnico padronizado, pré-estabelecido pela OMS, para analisar a qualidade das
vacinas, porém os guias internacionais orientam que os relatórios devem
perpassar pelos dados de qualidade, segurança e eficácia (...) Não é possível
desconsiderar que estamos discutindo novamente a importação da Sputnik V, em que
estamos usando todos os canais para buscar [esses] dados”, disse.
Pareceres técnicos
Em seu parecer, o
gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, Gustavo Mendes, destacou
que o relatório técnico da Sputnik V, não apresenta a frequência das reações
adversas causadas pela vacina, como sendo raras, comuns ou muito comuns.
Sobre a questão dos adenovírus
replicantes, usados na produção da vacina, Mendes destacou que o relatório
menciona uma quantidade de adenovírus que poderia ser injetada sem que houvesse
danos ao corpo humano, mas não apresenta dados técnicos sobre isso.
“Não ficou claro pra nós qual
foi o racional utilizado para provar essa especificação proposta e nem como a
presença desses adenovírus pode trazer segurança para o uso em um ano”, disse.
Na recomendação de Mendes para
a distribuição da vacina, a principal ressalva é no sentido de haver condições
controladas de uso pelos estados solicitantes.
“Essa vacina só será
distribuída em condições controladas, com a condução de estudos de efetividade
delineados de acordo com a Anvisa, discutidos conosco para que possamos saber
como o estudo será conduzido e como os dados serão gerados e executados
conforme as Boas Práticas Clínicas”, disse.
Sobre a Covaxin, a principal
ressalva foi sobre o uso de adjuvantes em sua fabricação. “O uso é disseminado
e comum, só que na Covaxin é um adjuvante novo, que não é usado em nenhuma
vacina aprovada no mundo e tem potencial relação com desenvolvimento de vacina
autoimune”, explicou Mendes.
A falta de dados sobre a
validade da vacina após a abertura do frasco também foi apontada. “Não sabemos
quanto tempo esse frasco pode ficar aberto sem impactar na qualidade da vacina,
enquanto não tivermos acesso a esses dados, esse frasco precisa ser usado
imediatamente”, disse.
Ainda sobre a Covaxin, a
gerente-geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária, Ana Carolina Moreira
Marino, destacou que a Barath Biotec cumpriu com todos os itens pendentes que
impediram, em março, que a Anvisa concedesse o certificado de Boas Práticas de
Fabricação ao laboratório.
“Desde que foram detectadas as
não conformidades, a empresa imediatamente reconheceu e vem muito aberta
conversando com a equipe técnica de forma a superar todos os itens observados.
Para o pedido de importação, não é necessário o certificado, mas a empresa
protocolou o pedido de certificação e toda a documentação que vai além do
necessário”, disse.
Já a gerente-geral de
Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária, Suzie Marie Teixeira
Gomes, destacou os principais eventos adversos que devem ser monitorados em
relação às vacinas:
- Dor no local da aplicação, vermelhidão e inchaço;
- Febre, mialgia e artralgia;
- Mal estar e dor no corpo;
- Náusea, diarreia e vômito;
- Erupções cutâneas;
- Reações alérgicas;
- Trombocitopenia;
- Reação alérgica auto imune (apenas em relação à Covaxin)
Situação da Sputnik V e
Covaxin no Brasil
Ao todo, os governadores do
Nordeste têm pré-contratos para aquisição de 65 milhões de doses da Sputnik V,
à espera da aprovação pela Anvisa. O governo federal planeja comprar outras 10
milhões de doses da vacina russa e já há um acordo para aquisição de 20 milhões
de doses da Covaxin.
A primeira decisão da Anvisa
sobre a importação emergencial da Sputnik V aconteceu no final de abril, quando
a agência negou o pedido do Maranhão e outros estados sob a alegação de que não
havia documentos que comprovassem a segurança da vacina.
Os governadores do Consórcio
Nordeste encaminharam à Anvisa um relatório técnico pela aprovação da Sputnik V
feito pelo Ministério da Saúde da Rússia, cumprindo uma das exigências da
agência para autorização excepcional. Mas a documentação ainda foi considerada
incompleta e novos materiais foram encaminhados para análise.
O Maranhão, assim como os
demais estados, entraram com novos pedidos de importação, e a Anvisa sinalizou
que poderia rever a decisão, desde que nova documentação fosse apresentada,
respondendo às questões de segurança levantadas pela agência.
A decisão da Anvisa deveria
ter sido apresentada até a última terça-feira (1º), mas a agência ganhou mais
cinco dias depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo
Lewandowski, deu um novo prazo para responder à ação.
Já sobre a vacina indiana
Covaxin, no final de março a Anvisa não aprovou inicialmente a qualidade do
laboratório produtor da vacina, a Bharat Biotech, após uma inspeção. Logo em
seguida, a agência barrou por unanimidade a importação de 20 milhões de doses
da vacina por pendências recorrentes na documentação apresentada.
Nesta semana, o Ministério da
Saúde atingiu a marca de mais de 100 milhões de doses de vacinas dos
laboratórios contratados distribuídas às Unidades Federativas.
Apenas as vacinas da AstraZeneca
e da Pfizer têm registro definitivo e a CoronaVac, autorização para uso
emergencial, sendo os três únicos imunizantes liberados para serem aplicados,
no momento, no Brasil.
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