Jovem pede ajuda e diz que não
sabe como vai estudar sem ter uma casa
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Ifba estuda ampliar auxílio estudantil a aluna (Gabriel Soares/Arquivo Correio do Futuro) |
O tráfico de drogas em
Salvador escolhe quem pode ou não morar em determinadas áreas da cidade. Na
quinta-feira (15), Luana*, sua mãe e padrasto foram expulsos da própria casa,
na comunidade de Canaã, no bairro de Paripe, Subúrbio
Ferroviário. De acordo com a vítima, que teve o nome alterado para preservar
sua identidade, dois traficantes expulsaram a família do local após uma
operação policial.
Na ocasião, por volta das 10h,
os policiais pediram para entrar na casa de Luana. “Eles bateram na porta de
casa e a gente deixou entrar. Se não abrisse, iriam achar que a gente estava
escondendo algo. A gente só disse pra polícia que lá morava eu, minha mãe
e o padrasto. Até que eles perceberam que não tinha nada e saíram”,
lembrou.
Horas depois, os traficantes
estiveram no mesmo local e expulsaram sua família,
como retaliação. Segundo a estudante, eles pensaram que Luana e seus
familiares tinham ajudado os policiais. “Eles falaram assim: ‘você falou,
você falou’. A gente disse que não falou nada, mas eles mandaram a gente sair.
E na hora da agonia nem conseguimos explicar que só deixamos os policiais
entrar, pois eles pediram para abrir”, disse a jovem.
Segundo a família, há uma
rotina de expulsão de moradores da comunidade pelos traficantes. Situações
parecidas já foram vivenciadas por pelos menos outros dois vizinhos de Luana. A
mãe da estudante lembra com pesar do momento em que os traficantes chegaram em
sua casa.
“Eles arrombaram o portão, mas
não conseguiram arrombar a grade que estava trancada de cadeado. Eu só ajoelhei
e pedi para que eles não nos matassem pelo amor de Deus. Eles disseram que
a gente não ia ficar mais lá e mandaram a gente sair. Só deu tempo de
pegar os documentos e três sacolas de roupa”, lembra a mãe de
Luana, que também não quer ser identificada.
Jovem não sabe como vai estudar
sem ter casa
Luana estuda no campus
Salvador do Instituto Federal da Bahia (Ifba). Por causa da pandemia e de sua
situação de vulnerabilidade, ela conta com a ajuda da instituição para ter
acesso à internet e assistir as aulas remotamente. Mas, sem uma casa para
morar, não faz ideia de como vai ser o futuro. “Graças a Deus que no
momento estou de recesso, mas as aulas retornam em agosto e eu não sei como vai
ser. Só sei que preciso estudar”, diz.
Seu curso e semestre também
não serão divulgados, para evitar a identificação da vítima. Hoje, a família
está abrigada numa casa que foi alugada por policiais militares. É que, após a
expulsão, a família foi bater na delegacia procurando uma providência. Acompanhada
dos policiais, na sexta-feira, 16, eles puderam retornar à casa e pegaram
alguns itens.
“Conseguimos recuperar uma das
camas. A outra não cabe aqui. Trouxemos dois colchões de solteiro também,
a geladeira, um dos sofás, lençóis, roupas e panelas. Quando estivemos lá
na sexta, estava tudo intacto. Então, fechamos toda a casa com cadeado, mas
depois não voltamos para conferir se o que ficou foi roubado. Temos medo até de
passar por aquela região”, conta a estudante.
Imóvel alugado por policiais
terá que ser devolvido
O atual local onde a família
vive nem se compara com a casa que eles tinham em Paripe. “Era uma casa
grande. Tinha quintal, varanda, três quartos, uma sala, dois banheiros, cozinha
e espaço para lavanderia. A de agora só tem um quarto bem pequeno, uma sala
estreita, a cozinha e o banheiro. O aluguel para um mês já tá pago pelos
policiais. Mas a dona do imóvel quer que a gente saia o mais rápido possível,
pois ela também tem medo de sofrer represálias, que eles descubram onde a gente
está”, diz.
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Na casa provisória da família, ainda não tem armário para guardar as roupas
(Foto: arquivo pessoal) |
Um dos eletrodomésticos que a
família não conseguiu trazer para a casa provisória foi o fogão. Por causa
disso e da situação de vulnerabilidade, Luana diz que eles quase passaram fome
no final de semana. “Nós ficamos três dias sem almoçar, pois não tinha dinheiro
para comprar almoço na rua. Fomos comendo bolacha que tinha na cesta
básica e algumas frutas”, descreve.
Sensibilizados com essa
situação, colegas do Ifba compartilharam a situação da jovem nas
redes sociais e fizeram uma vaquinha na internet para arrecadar R$ 15 mil,
dinheiro que seria suficiente para a família comprar uma nova casa. Até o
fechamento da reportagem, apenas R$ 683 foram doados (veja como ajudar no final
do texto). “Alguns colegas e professores já contribuíram. Eles entraram em
contato, perguntaram como estava e deram orientação. Já conseguimos um fogão,
graças a Deus”, comemora.
Ainda que a nova casa seja o
objetivo da família, a mãe de Luana não conseguiu superar a tristeza por ter
que deixar para trás a outra residência, local onde viveu por 41 anos.
“É uma casa deixada de herança
pela minha mãe. Tem muito tempo que moro naquele local, que sempre foi um pouco
perigoso, mas ninguém mexia com ninguém. Essa violência toda é recente.
Agora ninguém consegue vender ou alugar mais casa naquela região”,
relata.
Vendedora ambulante e catadora
de recicláveis, a mãe também fica preocupada em como a situação financeira da
família vai ser ainda mais prejudicada e em como isso pode atrapalhar os
estudos da filha. “Eu estou desorientadíssima, não durmo direito, fico chorando
e pensando nela. Nunca passei por isso. Nunca tive que enfrentar algo tão
difícil. Estou triste de uma forma que nem sei explicar. Não desejo que ninguém
passe por isso que estou passando”, conta.
Estudante deve
receber bolsa emergencial
Com o objetivo de garantir a
permanência da aluna no Ifba, a instituição
avalia conceder bolsa emergencial de alta vulnerabilidade com o valor
de 50% do salário mínimo que é R$ 1,1 mil. Ou seja, a estudante deve passar a
receber R$ 550 da instituição enquanto sua família estiver passando por essa
situação financeira. Antes, a aluna já era beneficiária do auxílio
estudantil emergencial, no valor de R$ 200.
“A discente foi encaminhada
para o acolhimento da equipe de psicologia e pedagogia da unidade acadêmica,
além de ter sido orientada a procurar a Defensoria Pública e a Corregedoria da
Polícia”, disse o Ifba, em nota. A estudante confirmou que recebeu o
contato de uma assistente social do Ifba que a
está auxiliando.
Ainda segundo a instituição
federal, o campus Salvador possui cerca de 5,6 mil estudantes, dos quais 2 mil
recebem, atualmente, bolsas e auxílios do Programa de Assistência e Apoio aos
Estudantes (PAAE) e de programas de acompanhamento pedagógico, de assistência à
saúde, de incentivo à educação física e lazer, dentre outros.
“Atualmente, o Instituto
oferta o Auxílio Estudantil Emergencial e de Inclusão Digital para minimizar os
impactos causados pela pandemia da Covid-19. Além disso, todos os alunos
do referido campus recebem orientação pedagógica e atendimento psicológico sob
demanda”, diz a nota.
A Policia Militar da Bahia
também foi procurada, mas não retornou até o fechamento desta reportagem.
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