As cenas em que Alice
pronuncia termos como 'oftalmologista' e 'proparoxítona' já foram vistas
dezenas de milhões de vezes. A BBC News Brasil foi ao encontro dela e de seus
pais em Londres, onde vivem, e conta como é o dia-a-dia da família e o segredo
por trás da pequena prodígio.
Oftalmologista. Tiranossauro
Rex. Proparoxítona. Propositalmente. Alice acabou de completar 2 anos, mas
pronuncia tão bem essas palavras enormes que viralizou nas redes sociais.
O primeiro vídeo em que ela
aparece e que começou a ser muito compartilhado na internet foi em fevereiro
deste ano. "E aí foi numa sequência, tudo muito rápido", conta a mãe,
Morgana Secco.
Como costuma ocorrer com
outras crianças, vídeos começaram a ser gravados desde que Alice nasceu e são
exibidos para amigos e familiares por meio de redes sociais e aplicativos de
mensagens.
O processo de aquisição da
linguagem de Alice ganhou força por volta dos 8 meses de idade, quando tentava
falar a palavra "batata", balbuciando "tatáta". Com 1 ano e
1 mês, ela passou a tentar repetir todas as palavras que ouvia em casa e a
falar frases com diversas palavras.
"Foi nessa hora que a
gente percebeu que tinha uma facilidade com isso e que ela gostava, era algo
precoce em relação a outras crianças", conta Morgana.
Especialistas apontam que, em
geral, as crianças começam a balbuciar entre 3 e 6 meses de idade, falam as
primeiras palavras entre 10 e 12 meses e por volta de 1 ano e meio constroem as
primeiras frases, com duas ou três palavras. Até os 3 anos, a criança vive uma
explosão vocabular, passando a construir frases completas.
Um dos pilares desse
desenvolvimento da fala é a quantidade de palavras a que a criança é exposta em
casa.
Nos anos 1990, os
pesquisadores americanos Betty Hart e Todd Risley foram para casas de famílias
de diferentes grupos socioeconômicos e passaram uma hora por mês, ao longo de
dois anos, fazendo gravações.
Analisando os dados, eles
descobriram que as crianças das famílias mais pobres ouviam, por hora, um terço
da quantidade de palavras em comparação às crianças das classes mais altas.
Segundo a projeção deles, aos
4 anos de idade, haveria uma diferença de 30 milhões de palavras entre o que as
crianças de origem pobre e as de origem rica foram expostas.
Vídeos e redes sociais
Nascida em Londres, Alice
completou 2 anos em meados de 2021 e ainda não frequenta a creche. Os vídeos em
que pronuncia palavras difíceis e outras nem tanto começaram como brincadeiras.
Ela tomou gosto e, em uma das vezes, a mãe decidiu filmar.
"Como eu já tinha brincado
com ela antes, ela lembrou e pediu para falar de novo. Essas palavras que ela
falou no desafio, a maioria delas, ela não sabe o significado. A gente explica
quando faz parte de um contexto, mas tem umas que eu nem sei o que
significam", diz a mãe.
Apesar da dificuldade de
compreensão inerente à idade, os pais contam que costumam explicar para a filha
os motivos por trás de pedidos ou atividades do dia-a-dia, por exemplo, Em um
dos vídeos, a mãe pergunta a ela por que se deve comer brócolis. "Pro corpo
ficar forte. Faz muito bem pra saúde", responde Alice, enquanto come o
vegetal.
Essas explicações, segundo sua
mãe, tendem a ajudar a filha decidir sobre fazer ou não algo, como é o próprio
caso do brócolis. Na ocasião do vídeo, ela não queria mais comê-lo, mas depois
de ouvir a explicação sobre a importância do alimento para a saúde, decidiu
retomar as garfadas.
Morgana mantém um canal no
YouTube que atualmente tem 51 mil inscritos, um perfil no Instagram que tem 1,5
milhão de seguidores e outro no TikTok com 2,4 milhões.
Neles, compartilha vídeos da
filha, momentos do dia a dia e dicas de como estimular o desenvolvimento da
fala da criança, a exemplo de explicar cada coisa para a criança mesmo que ela
"pareça não entender", cantar músicas juntos e ler livros.
O Ministério da Educação
brasileiro tem um portal com dicas para auxiliar nesse processo de aquisição da
linguagem.
O futuro de uma criança começa
a ser desenhado no ambiente familiar, principalmente ao longo da primeira
infância. Por isso, seguindo os rumos apontados pela Política Nacional de
Alfabetização (PNA), o Ministério da Educação lançou o programa Conta pra Mim,
que tem como objetivo a ampla promoção da literacia familiar.
Pandemia
Por outro lado, ao longo da
pandemia de covid-19, muitas crianças passaram a ter novos obstáculos no
desenvolvimento da fala. Há diversos elementos envolvidos nesse contexto,
segundo especialistas, mas um deles foi o isolamento social e o maior uso de
equipamentos eletrônicos.
"Eu acho que talvez a
pandemia tenha prejudicado as outras famílias em que os pais precisavam
trabalhar e acabavam não conseguindo dar atenção para as crianças. Daí as
crianças acabam ficando muito tempo na frente da televisão ou de celulares. E é
comprovado: tem pesquisas que mostram que o excesso de aparelhos eletrônicos
podem prejudicar o desenvolvimento da fala", afirma Morgana.
No caso de Alice, "ela
não vê nada de televisão e nem usa nada de celular, ela nem sabe que isso
existe".
E o que dizer sobre os vídeos
que a mãe de Alice grava? Isso não seria poderia vir a ser uma superexposição
da criança à tecnologia e às redes sociais? Morgana afirma tomar "muito
cuidado" com tudo que compartilha da filha.
"Porque às vezes as
pessoas têm a sensação de que eu estou compartilhando tudo que ela faz e que
estou o dia todo filmando ela. Mas o que eu compartilho ali são dois, três
minutos do nosso dia que eu seleciono com muito cuidado."
O mais visto dos 19 vídeos
publicados no canal no YouTube, Alice "Lendo" Livro Que Mundo
Maravilhoso, tem 240 mil visualizações. No Instagram, o vídeo com Alice pronunciando
palavras difíceis recebeu 1,6 milhão de curtidas e é o mais popular entre os
mais de mil vídeos e fotos. No TikTok, esse mesmo vídeo foi visto mais de 36
milhões de vezes.
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