Inflação vem
devorando poder de compra em ritmo acelerado e consumidor vê a renda derreter
Está tudo
caro. Enquanto diversos fatores fazem o preço dos produtos subir em
meio a uma crise econômica e sanitária, a sensação que os consumidores têm é de
que o dinheiro vale cada vez menos.
É impossível ir
ao supermercado com R$ 100 hoje e voltar com a mesma fartura que se tinha há
dez ou vinte anos. Apesar de frustrante, o fenômeno é esperado e tem a ver com
uma personagem vista como vilã: a inflação.
Modulada pela
oferta e pela procura, a inflação leva em conta fatores como o câmbio, a
produção agrícola e mesmo o preço de um insumo no mercado internacional.
INFOGRÁFICO:
O QUE SE CONSEGUE COMPRAR COM R$ 100 HOJE E ANTES
É por causa da
inflação que o carrinho do supermercado vai ficando mais vazio ao longo dos
anos. Em 2001, R$ 100 conseguiam comprar todos os itens da cesta básica nas
quantidades estabelecidas como ideais para uma pessoa em um mês na metodologia
do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Vinte anos
depois, a fartura diminuiu. O preço do pão quase quintuplicou, com o quilo
passado de R$ 2,79 para R$ 13,81. A embalagem de óleo, que custava R$ 1,35,
hoje está em R$ 9,36.
Os mesmos R$
100 compram bem menos da metade e a carne teve de sair da cesta para a conta
fechar, no levantamento realizado pelo Diário do Nordeste. O quilo da proteína
saltou de R$ 5,71 em 2001 para R$ 40,79 neste ano.
- Em 2011, com R$ 100, era possível
comprar: 3l de leite, 2kg de feijão, 2,5kg de arroz, 2kg de farinha, 2kg
de tomate, 3kg de pão, 0,3 kg de café, 3 dúzias de banana, 1kg de açúcar,
0,9 litro de óleo, 0,75 kg de manteiga e 2kg de carne.
- Em 2021, com R$ 100, é possível
comprar: 1l de leite, 1kg de feijão, 1kg de arroz, 1kg de farinha, 0,5kg
de tomate, 0,9 kg de pão, 0,3 kg de café, 1 dúzia de banana, 1kg de
açúcar, 0,9 litro de óleo, 0,75 kg de manteiga e nada de carne.
PESO NO
PRATO
A alta
inflacionária do momento é sentida sobretudo no supermercado, já
que os alimentos estão sendo os protagonistas dos maiores aumentos de
preços.
“O que está
acontecendo é a dona de casa fazendo das tripas coração e usando bem a
criatividade para conseguir fazer as compras e que dê tudo certo no final do
mês”, desabafa a consultora de vendas e dona de casa Neuma Pompeu, de 54
anos.
Ela conta
que o aumento nos preços tem forçado a família a abrir mão de alguns
alimentos no cotidiano, buscando por substituições. Os aplicativos de celular
de supermercados se mostraram aliados para encontrar o preço mais baixo e os
dias de promoção.
André Braz
explica que, quanto mais pobre for a família, maiores serão os impactos da
inflação.
“O salário
mínimo é indexado pelo INPC. Ele é estimado através de uma cesta que contempla
as principais despesas da família. A gente sabe que famílias muito vulneráveis
têm como desafio os preços dos alimentos, não existe outro consumo além do de
comida. Os vilões da inflação têm sido os alimentos”, atesta.
AUMENTO NA
CESTA BÁSICA
De acordo com o
supervisor do Dieese Ceará, Reginaldo Aguiar, a cesta básica de Fortaleza
tem crescido em um ritmo superior ao do INPC, que reajusta o salário
mínimo.
“Se pegar do
período de 2001 para cá, a cesta básica de Fortaleza aumentou 4,866 vezes,
passou de 92,33 para 546,1. Nesse mesmo tempo, a inflação medida pelo INPC
aumentou 2,58 vezes. A gente observa que as despesas com alimentação estão se
elevando bem mais que a inflação média, isso é dramático para quem ganha
menos”, pontua.
O poder de
compra dos cearenses diminuiu ao longo dos últimos dez anos. Considerando
os dados do Dieese para os seis primeiros meses do ano, um salário mínimo
compra 2,1 cestas básicas. Em 2010, o número era 2,8.
Reginaldo
destaca o peso da carne nos resultados. O item é o mais caro da cesta analisada
pelo Dieese e tem tendência de alta desde 2019, chegando ao valor de
R$ 195,30 para 4,5 kg segundo dados de junho.
Outro item que
chamou atenção foi o óleo. “Soja é uma commodity, tem uma variação de
preço internacional. Três fenômenos que aconteciam em momentos diferentes aconteceram
ao mesmo tempo: variação do câmbio, aumento da demanda e aumento do preço da
soja. Isso faz com que o preço se eleve muito”, detalha.
“A expectativa
é que alimentos continuem aumentando ou continuem se mantendo em um preço muito
elevado. Mesmo que a inflação não aumente tanto, o custo de vida está muito
alto e a renda das pessoas não está acompanhando”, percebe.
INFLAÇÃO E O
ANDAMENTO DA ECONOMIA
O coordenador
do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV, André Braz, esclarece que a
inflação é um fenômeno
normal em economias aquecidas. Segundo ele, a existência de
alguma inflação é, inclusive, um bom sinal.
A tendência
normalmente é de alta, tanto que o salário mínimo tem um reajuste
anual para a manutenção do poder de compra da população. Diante da certeza
de que a inflação virá, o objetivo do Banco Central é manter o índice
dentro da meta.
Para 2021,
o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu a meta de inflação em
3,75%, com margem de 1.5 p.p. para mais ou para menos. O último
boletim Focus, divulgado pelo Banco Central no último dia 20, contudo, prevê o
índice em 7,11% ao final do ano.
É com base na
meta de inflação que são calculados os reajustes do salário mínimo. E é por
isso que não dá para pensar em preços iguais aos que eram praticados no
passado.
“A inflação é
um fenômeno que orienta a formação dos preços. (Voltar os preços) significaria
uma queda brusca da inflação o que significa que teria algum problema na economia.
Se você fala que quer ter preços compatíveis há dez anos, tudo teria que
recuar, inclusive os salários”, destaca.
Conforme
André, o problema não é a inflação subir; é os salários não acompanharem.
“O problema é a desigualdade, ver uma parte da população comendo e outra não”,
resume.
ÉPOCAS DE
HIPERINFLAÇÃO
Quem
viveu nas décadas de 1980 e 1990 provavelmente olha para a
inflação com medo. O período de hiperinflação chegou ao pico em março de
1990, quando a variação chegou a 80% no mês.
Naquela época,
era comum ir ao supermercado em um dia e encontrar preços drasticamente maiores
do que o do dia anterior. Para André Braz, apesar de a inflação atual
estar acima da meta, a situação é bem diferente de algumas décadas atrás.
Nossa economia
é outra, muito mais sólida e desenvolvida, capaz de evitar um descontrole.
Temos uma economia muito mais organizada, uma autoridade monetária comprometida
com as metas de inflação. Naquele passado a gente não tinha nada
disso. Naquela época a gente tinha uma inércia inflacionária muito grande. A
política monetária se definia em mudar o nome da moeda e cortar zeros
André Braz
Coordenador do
IPC do FGV IBRE
Ele explica que
existem dois tipos de inflação: a por demanda, que acontece quando todo
mundo está com dinheiro a mais e quer gastar com várias coisas, e
a por custos, que tem a ver com o encarecimento de custos na
atividade produtiva.
Segundo o
economista, a alta inflacionária deste momento é ocasionada pelo aumento nos
custos, sobretudo em razão da alta do dólar e do preço dos
energéticos, ditada pela seca e pelas bandeiras tarifárias.
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