Análises de pesquisadores da USP mostram que o vírus
provoca uma série de lesões que reduzem a produção de espermatozoides
Covid-19 pode causar alterações hormonais e inflamação nos testículos, segundo estudoStefan Spassov/Unsplash
Diante de uma nova doença, pesquisadores em todo o mundo se
desdobram para entender todos os seus possíveis impactos para o organismo
humano. Em relação à Covid-19, ainda são muitas as lacunas no conhecimento dos
mecanismos utilizados pelo vírus SARS-CoV-2 após a infecção.
Embora seja uma doença de transmissão respiratória, que
afeta principalmente órgãos como o pulmão, a Covid-19 também pode causar
alterações hormonais e inflamação nos testículos. É o que revela um estudo
conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e publicado no
periódico científico Andrology.
Os pesquisadores identificaram que o novo coronavírus é
capaz de invadir todos os tipos de células dos testículos, causando lesões que
podem prejudicar a função hormonal e a fertilidade masculina.
Para chegar ao resultado, os especialistas realizaram a
autópsia dos tecidos testiculares de 11 pacientes, com idade entre 32 e 88
anos, que morreram devido a complicações da Covid-19. O estudo é coordenado
pelos professores Paulo Saldiva e Marisa Dolhnikoff, da Faculdade de Medicina
da USP.
“Vimos por microscopia eletrônica que o coronavírus invadiu
todas as células do testículo. O vírus está presente nas células que produzem
espermatozoides, chamadas Sertoli, nas células que produzem testosterona,
chamadas de Leydig, nos vasos sanguíneos e no arcabouço que dá suporte ao
testículo”, explica o pesquisador e médico andrologista Jorge Hallak, professor
da Faculdade de Medicina e coordenador do Grupo de Estudos em Saúde do Homem do
Instituto de Estudos Avançados da USP.
As análises mostraram uma série de lesões, possivelmente
associadas às alterações inflamatórias, que reduzem a produção de
espermatozoides e hormônios. A queda na atividade pode estar relacionada a
lesões e formação de trombose, que reduzem a oxigenação dos tecidos de
estruturas onde os espermatozoides são produzidos.
Impactos hormonais e de fertilidade
Outro estudo realizado pela Faculdade de Medicina da USP
mostrou que homens que tiveram a Covid-19 podem apresentar alterações em
resultados de exames hormonais e de fertilidade por meses após a recuperação.
Os resultados também foram publicados na revista Andrology.
Um dos testes que revela detalhes da condição e qualidade
dos espermatozoides é o espermograma. As análises mostraram que os
espermatozoides dos pacientes com a Covid-19 apresentaram capacidade reduzida
de movimentação e fertilização do óvulo. O índice chamado de motilidade
espermática, considerado normal acima de 50%, caiu para uma faixa entre 8% e
12%, permanecendo nesse patamar cerca de um ano após a infecção.
Os pesquisadores também verificaram que o novo coronavírus
é capaz de infectar os testículos, o que pode impactar a capacidade de produção
de espermatozoides e hormônios. De acordo com o pesquisador Jorge Hallak, os
resultados não permitem afirmar que os homens avaliados estão inférteis. No
entanto, a redução na qualidade do esperma pode ser um fator que dificulte a
reprodução.
O especialista estima que a Covid-19 poderá causar um
aumento na infertilidade masculina. “A minha impressão como clínico e
andrologista é que a Covid-19 vai se somar a outras causas de infertilidade
masculina, como a varicocele, que é varize no escroto, o uso abusivo de álcool,
de drogas, de anabolizante esteroide e medicamentos antidepressivos, que são
grande causa de alteração da função testicular”, afirma Hallak.
Para entender os impactos da doença na saúde do homem a
longo prazo, o estudo ainda está em andamento com a avaliação contínua de 26
pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da USP e no Instituto Androscience
de Ciência e Inovação em Andrologia.
A partir de exames de ultrassom, os pesquisadores
identificaram que mais da metade dos pacientes apresentaram quadros de
inflamação no epidídimo, que é a estrutura dos testículos que armazena os
espermatozoides e onde eles ganham a capacidade de locomoção. “Já identificamos
que pode acontecer alterações dos espermatozoides devido ao coronavírus”, diz
Hallack.
O pesquisador da USP orienta aos homens que tiveram
Covid-19 e desejam ter filhos a passar por atendimento médico para avaliação
das condições do esperma. “Quem teve coronavírus há pouco tempo, há três ou
seis meses, não deve procurar técnicas de reprodução assistida na fase aguda
pós-Covid. O uso de reposição hormonal com testosterona pós-coronavírus também
deve ser evitado. Quando você dá testosterona externa, o corpo para de produzir
naturalmente”, explica.
Redução hormonal
Em condições normais, o nível de testosterona no organismo
masculino é de 300 a 500 nanogramas por decilitro de sangue (ng/dL). Os
pesquisadores verificaram que parte dos homens avaliados apresentou uma redução
significativa do hormônio, chegando a variar entre 70 e 80 ng/dL.
Segundo o pesquisador Jorge Hallack, uma das hipóteses para
a diminuição hormonal é a redução das células de Leydig, que produzem a
testosterona.
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