Comerciante
que frequenta igreja acha que situação ocorreu porque "o padre começou a
descobrir coisas erradas"
A renúncia
repentina do ex-pároco da Paróquia Sant'Ana de Catu gerou revolta nos fiéis e
na população do município que fica a cerca de 90km de Salvador. Os fiéis alegam
que o padre Fernando de Almeida Silva foi punido de maneira desproporcional por
permitir que fiéis leigos (aqueles que não são padres, bispos ou o próprio
papa) fizessem a oração eucarística. A atitude é considerada uma falha grave
pelos dogmas católicos.
O caso
aconteceu numa missa celebrada no dia 22 de agosto de 2021, que foi transmitida
pelas redes sociais da igreja, medida que se tornou de praxe após o início da
pandemia e que foi mantida por muitas igrejas, como a de Catu. Segundo apurado
pela reportagem, houve uma denúncia da atitude tomada pelo padre, que
chegou até os bispos da região e, também, para o administrador diocesano de
Alagoinhas, atualmente sem bispo.
A diocese
entrou em contato com o padre e o aconselhou a renunciar porque, de acordo com
as fontes ouvidas pel a reportagem, manter o sacerdote na paróquia com o
processo em andamento poderia acarretar numa possível exclusão do exercício do
sacerdócio. Ou seja, ele deixaria de "ser padre".
A
justificativa não agradou uma boa parte dos fiéis da paróquia, que alegam a
montagem de um complô para prejudicar o padre. O comerciante Augusto Gomes,
conhecido como Guga, classifica o afastamento como um absurdo e falta de
humanidade da Igreja Católica.
"Todo o
mundo sabe que a Igreja é para perdoar, né? Ele não roubou, não matou, muito
pelo contrário. O padre chegou em Catu e revolucionou a Igreja. Não é que o
padre anterior fosse ruim, mas já era um padre idoso, fechado, apesar de ser
meu amigo e muito gente boa. O povo quer uma missa alegre, que todo o mundo
cante. É por isso que as igrejas evangélicas crescem e a católica cai. Esse tratamento
arcaico não vinga", afirmou.
Segundo o
fiel, Fernando é um padre jovem e entusiasta e sua gestão ajudou a trazer
muitas crianças e adolescentes para dentro da Paróquia de Catu. Augusto afirma
que há uma "panela" dentro da Igreja que não gostou de medidas
tomadas pelo novo padre, como parar de alugar equipamentos de som ou
contratação de banda para tocar nas missas.
"O
padre começou a descobrir umas coisas erradas. Flor que custava R$150, ele
comprava por R$75, os ofertórios eram fechados a duas pessoas e ele abriu
para mais gente e começou uma ciumeira com ele. O som da igreja era todo
alugado, fizemos uma campanha, levantamos R$38 mil e compramos tudo para a
igreja, todos os instrumentos. Músicos foram procurar a igreja para tocar e ele
falou que não precisava mais dos serviços, abriu para tocarem e cantar sem
receber nada", disse Augusto.
A fala de
Augusto foi reiterada por outra fiel, Edlea Lago, que participa do movimento
batizado como #SomosTodosPadreFernando e que pede que a Igreja Católica reveja
a recomendação de renúncia imposta ao pároco. De acordo com o grupo, ele foi
obrigado a renunciar sem explicação, direito de defesa e deixou a cidade com
ordem de despejo sem revisão do Conselho Paroquial.
O grupo
enviou um ofício à Dom Giambattista Diquattro, Núncio Apostólico do Brasil, ao
Cardeal Dom Sérgio da Rocha, Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do
Brasil e a Diocese de Alagoinhas que atende a paróquia de Catu, uma carta de
apoio ao Padre Fernando, solicitando um julgamento justo e seu retorno ao
município.
"Padre
Fernando que chegou em Catu no dia 10 de janeiro, encontrou uma paróquia
totalmente sem a participação da comunidade. Ele democratizou o acesso as
pastorais, envolvendo todas as comunidades nas atividades da igreja. Organizou
as coordenações de serviços (financeiro e administrativo), deu total
transparência financeira da paróquia à comunidade, prestando contas na missa a
cada final de mês. Sua ação evangélica intensa e cativante, atraiu muitos que
estavam afastados e trouxe outros tantos novos fiéis", disse o grupo em
nota.
Também fiel,
Edison Gomes afirmou que estava afastado da paróquia antes da chegada do Padre
Fernando, preferindo frequentar uma capela em Terra Nova, mas a obra do pároco
o fez mudar de ideia. "Agora, prefiro me afastar de novo. A Igreja prega o
perdão e vai fazer isso com alguém que pediu desculpas e não tomou nenhuma
atitude por mal. Ele queria homenagear os leigos, aproximar as pessoas da
Igreja. Houve o erro segundo os ritos e dogmas, mas que mal ele fez para ser
retirado daqui?", perguntou.
Procurada, a
Diocese de Alagoinhas, responsável pelas decisões da paróquia, não se
manifestou até o fechamento desta reportagem.
Filósofo e
autor do livro "Ser HUmano, obra prima das mãos de Deus", o padre
Elenildo Pereira afirma que existem dois sacerdócios: o comum e o ministerial.
O primeiro refere-se a todos os batizados. O segundo, aos ministros ordenados,
caso dos bispos, padres e diáconos, ambos são o mesmo sacerdócio, porém,
diferentes no grau.
O padre
explica que Jesus Cristo instituiu o sacerdócio para dar continuidade à
construção de seu Reino Sagrado e a função de padre foi instituída na
quinta-feira da Paixão, com o objetivo de ser o continuador daquilo que Jesus
fez e realizou. Somente os discípulos de Jesus receberam os poderes necessários
para continuar esse legado.
Ou seja, é
como se Cristo desse, aos ministros ordenados, os seus poderes. Após a
ordenação, essas pessoas se tornam um outro Cristo na terra.
Carreata
Mesmo com as justificativas da Igreja, a população local não está muito
disposta a ceder e fará uma carreata na próxima quinta-feira (23), às 17h. Os
manifestantes ficarão concentrados na porta da Igreja Nossa Senhora Sant'Ana
pedindo a volta do pároco às atividades no município.
Uma fiel,
que preferiu não se identificar, afirmou que os quase nove meses de
atividades do padre foram revolucionários e, portanto, ele merece toda a
mobilização possível para seu retorno.