Apesar
dos pais terem feito até a quarta série, Nilcinádia Alves dos Anjos conta que
eles sempre a incentivaram a estudar. Família mora na zona rural de Rio Pardo
de Minas, no interior de MG.
Com o desejo
de homenagear os pais em um dos momentos mais felizes da vida, Nilcinádia Alves
dos Anjos fez as fotos do álbum de formatura e participou da cerimônia de
coleção de grau em Medicina segurando uma enxada.
A médica,
que estudou em escolas públicas, é filha de Nilson dos Anjos Filho e Nergina
Alves Gomes dos Anjos, agricultores do interior de Minas Gerais.
“Eu gosto
muito da minha história, valorizo tudo que passei e todo o apoio que recebi.
Sou muito grata aos meus pais, carrego uma gratidão enorme no coração e não
queria que isso ficasse só pra mim, por isso pensei na enxada, algo que
representa o trabalho deles", fala a recém-formada.
Nilcinádia com os pais, Nilson e Nergina — Foto: Vision formaturas/Reprodução
Ao som da
música “No dia em que eu saí de casa", de Zezé di Carmargo e Luciano,
Nilson e Nergina viram a filha se tornando oficialmente a primeira médica da
família, que mora na zona rural de Rio Pardo de Minas.
“Quando eu
ouvi aquela música foi uma emoção muito grande, o coração batia forte, parecia
que ia sair do peito. Ela tem uma história muito bonita e eu sinto muito
orgulho", fala o pai.
Nilson
cultiva mandioca e sobrevive da venda da goma. Dessa forma, ele e a esposa
sustentaram os filhos Nilcinádia e Nilciclébio. Apesar do pouco estudo, ele fez
até a terceira série, nunca mediu esforços para que os filhos pudessem estudar.
“A
educação vem em primeiro lugar, quem não tem uma base, uma estrutura, um
começo, vai ter uma vida mais difícil”, destaca.
"Minha
mãe conta que quando eu era bem pequenininha ela foi me levar em uma consulta e
o médico adorou meu nome, falou que combinava com doutora, que eu seria médica.
Ela ficou toda emocionada com essa fala e isso ficou no meu coração. Além
disso, meu pai, apesar de ter um letramento básico, sabe aferir pressão e eu
cresci vendo todas as pessoas vindo aqui na nossa casa para que ele fizesse
isso. Meu pai tem essa vocação de cuidar, ele transmite segurança, paz. Acho
que meu desejo em ser médica veio dessas duas situações."
Nilcinádia com o irmão Nilciclébio na propriedade da família — Foto: Arquivo pessoal
Trajetória
escolar
A trajetória
de Nilcinádia até a faculdade não foi fácil, mas o apoio e os sacrifícios dos
pais foram fundamentais para que ela pudesse realizar o sonho de se tornar
médica. Durante a infância e parte da adolescência, ela estudou na roça.
“A escola
ficava a alguns quilômetros da minha casa e eu ia a pé, de bicicleta ou meu pai
em levava", recorda.
Já com 13
anos, no ensino médio, ela pediu aos pais que a deixassem ir para o Instituto
Federal do Norte de Minas Gerais, em Salinas. O irmão estudou nesse mesmo
local.
“Quando eu
terminei, tinha 16 anos e não tentei medicina porque sabia que seria difícil e não
me sentia preparada. Resolvi tentar medicina veterinária, no próprio instituto,
e passei. Fiz um ano de curso e, apesar de gostar, eu tinha certeza que queria
medicina.”
Nilcinádia
decidiu então que era o momento de buscar pela realização do sonho.
“Falei com
minha família que queria trancar a faculdade e ir para um pré-vestibular. A
aceitação foi difícil, principalmente pelas pessoas de fora, porque meus pais
me apoiaram e falaram: se é o que você quer, vamos tentar, vamos correr atrás.”
Nilson se
lembra que antes de saber que a filha queria largar o curso de medicina
veterinária, ela o questionou e perguntou se ele poderia lhe dar R$ 1 por dia.
“Ela me
falou: pai, você me dá R$ 1 por dia? Ela insistiu e disse que queria um sim ou
um não. Depois, explicou que como a gente conseguia pagar o aluguel dela em
Salinas, queria ir embora para Montes Claros [onde estudou medicina], mas
precisava desse R$ 1, porque no dia que a gente tivesse dificuldade com a cesta
básica dela, ela ia para o restaurante popular e comeria por R$ 1, assim ela
fez por muitas vezes.”
"Eles
passaram por dificuldades e evitam que eu soubesse para que eu não desanimasse.
Passei por problemas emocionais, transtorno de ansiedade e transtorno de
pânico, e eles sabiam que se chegasse até a mim a informação das dificuldades
que eles passavam, talvez eu piorasse. Eles simplesmente me amaram, apoiaram e
estiveram ao meu lado."
Nilson com a filha durante as fotos da formatura — Foto: Arquivo pessoal
Aprovação
em medicina
Com o apoio
da família, Nilcinádia se mudou para Montes Claros. Por um ano e meio ela se
preparou para prestar o vestibular.
“Eu só
estudava, era uma dedicação exclusiva, com 10, 12 horas de estudos por dia. Não
saía de casa para nada”, lembra.
Na época, a
Universidade Estadual de Montes Claros, única instituição pública da região com
o curso, oferecia oito vagas por cotas para medicina. Com 19 anos, Nilcinádia
conseguiu a aprovação e ficou em segundo lugar.
“Quando
eu passei, tirei um peso das minhas costas. Sentia uma responsabilidade muito
grande e sabia que precisava passar, até porque se eu quisesse ser médica tinha
que estudar em uma instituição pública, meus pais não tinham condições de arcar
com uma faculdade particular. O resultado me trouxe uma paz enorme.”
Agora,
formada, Nilcinádia está prestes a se mudar para Santa Catarina, onde irá atuar
em uma unidade básica de saúde e também em plantões. Por enquanto, ela ainda
não decidiu em qual área irá se especializar, mas reconhece que tem afinidade
com psiquiatria e cirurgia.
"A
gente às vezes tem sonhos que parecem impossíveis, coisa de outro mundo e que
só acontece na TV, mas se lutarmos, buscarmos e corrermos atrás tudo se torna
possível. Eu contei com o apoio da minha família e com a sorte, mas tive
colegas que não tiveram isso e também conseguiram. O meu conselho é se
esforcem, porque o que parece ser impossível se torna possível com
dedicação."
Ela fala que
o exemplo dos pais, que trabalharam exaustivamente para que ela pudesse
realizar o sonho de se tornar médica, continuará guiando todos os seus sonhos
ao longo da vida.
"Meus
pais sempre me ensinaram a acolher as pessoas, a transmitir amor, a agir com
humanidade e a enxergar os outros com o olhar de misericórdia. Esses princípios
continuarão a guiar minha carreira como médica, meu futuro e todas as escolhas
que eu fizer."
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