Investigação
é um exercício intelectual, mas há casos que também exigem força bruta. O
agente Walter Mota precisou golpear a parede a picaretadas para o reboco ceder
e os tijolos racharem.
O pequeno
buraco revelou um monte de areia, que deslizava em direção aos pés do policial
civil. O cheiro repugnante era mau presságio. "Ainda não tinha corpo, mas
tinha cheiro."
Sugeria que
as buscas por Joice Maria da Glória Rodrigues, 25, acabariam da pior forma
possível. Quando o buraco atingiu o tamanho de um prato, havia escorrido tanta
areia que o espaço aberto permitiu ao investigador distinguir a cabeça e o
braço de uma pessoa.
Mota
interrompeu os trabalhos logo na sequência. Com receio de danificar a
integridade do corpo, deixou a picareta de lado. Coube aos bombeiros terminar o
serviço. O desaparecimento de uma mulher em São Vicente, no litoral paulista,
ganhava, assim, contornos sombrios: assassinato seguido de ocultação de cadáver
dentro de uma parede.
O crime
virou assunto nos jornais e programas de TV estilo "espreme que sai
sangue". Vários elementos serviam de matéria-prima para o sensacionalismo.
Joice foi encontrada nua, com a camiseta preta usada no estrangulamento
enroscada no pescoço. Um saco com calcinhas foi achado no segundo andar da
obra. Um dos assassinos dormiu na obra onde o corpo de Joice foi ocultado.
Um elemento
que passou despercebido é que o crime aconteceu na obra de um espaço para
eventos. Caso a polícia não descobrisse o corpo, debutantes e casais fariam a
festa sobre um cadáver.
Joice
conhecia um dos assassinos
O homicídio
que alimentou manchetes sensacionalistas aconteceu em 27 de setembro, última
segunda-feira daquele mês. Joice saiu de casa para visitar o avô. No caminho,
parou na obra na rua Senador Lúcio Bittencourt para falar com Edmilson
Veríssimo dos Santos, 56. Ela deixou avisado que voltaria no começo da noite. O
recado era uma senha.
Os dois
moravam no mesmo bairro e mantinham relações sexuais esporádicas havia seis
anos. A informação foi revelada por Edmilson e confirmada pela ex-mulher dele
durante seus depoimentos, declarou o delegado do caso, Thiago Nemi Bonametti,
da 3ª Delegacia de Homicídio do Deic (Delegacia Estadual de Investigações
Criminais) de Santos.
Ele
acrescentou que Joice cumpriu o combinado e retornou por volta das 19h. Levou
refrigerante para o vizinho, que repartiu com três pedreiros que trabalhavam na
construção da piscina do espaço de festas. O delegado contou que, em
determinado momento, Edmilson perguntou se os demais demorariam para ir embora.
Chefe dos
pedreiros da piscina, Jonathas Soares, 36, notou que alguma coisa estava para
acontecer. Ele saiu de carro por volta das 20h, deixou os dois ajudantes em
casa e retornou à obra, flagrando o casal fazendo sexo em um sofá colocado no
fundo do salão do primeiro andar.
No
depoimento, Edmilson declarou que Jonathas "pediu para participar".
Como sentiu que Joice gostou da ideia, subiu para o mezanino para que ela e
Jonathas tivessem privacidade.
Morte e
ocultação de cadáver
Não houve
desavença até as 21h03, hora em que Joice ligou para o marido, dizendo que
estava voltando e pedindo que ele a esperasse no ponto de ônibus habitual. Mas
algo aconteceu na sequência. De acordo com Edmilson, houve uma briga e a mulher
gritava "aí não, aí não".
Ao descer as
escadas, viu Joice deitada de bruços e Jonathas sobre ela reclamando:
"Esta p... não quer fazer o que eu quero". Edmilson afirmou ter visto
um revólver no canto do sofá e o começo do estrangulamento. Diante da ordem
para que ajudasse, auxiliou na execução da vizinha.
O delegado
declarou que Edmilson relatou ter recebido ordens para se livrar do corpo.
"Se vira, cara", teria dito Jonathas. Como naquele dia o vizinho da
vítima tinha feito o encanamento do banheiro, que ficava embaixo da escada,
reabriu a parede e depositou o corpo de Joice. A areia foi colocada para abafar
o cheiro.
Na
sequência, Jonathas dirigiu até sua casa. Edmilson saiu para comprar cigarro e
voltou para a obra. Ele recebia uns trocos a mais para dormir no local e evitar
que ferramentas fossem furtadas. Dormiu a cerca de 10 metros da parede onde o
corpo estava escondido. Passou a noite no mesmo sofá em que ajudou a matar
Joice.
Polícia
desconfiou
O marido de
Joice esperou no ponto como combinado. Como ela não apareceu, refez o caminho
até a casa do avô. Sem sucesso. A mulher nunca havia desaparecido e a história
estava tão mal contada que, ao longo da semana, o Deic, elite da Polícia Civil,
foi acionada. Na sexta-feira, dia 1º de outubro, os agentes foram até o último
lugar em que Joice foi vista.
Chefe da
equipe de investigação, Fernando Coelho desconfiou que ocorrera um assassinato
na obra. Nenhum morador daquela rua viu Joice saindo do local, por isso a
suspeita. Os policiais analisaram o solo em busca de buracos recém-cavados e não
acharam nada. Mas a desconfiança permaneceu. Imagens de câmeras nas
proximidades não mostravam Joice deixando a obra.
Os
investigadores voltaram ao local na segunda-feira, 4 de outubro. Mais uma vez
conversaram com o proprietário do espaço de festas, perguntando por alterações
não programadas no solo ou na obra. A prensa surtiu efeito às 8 horas da manhã
seguinte.
Nesse
horário, o dono do terreno procurou a delegacia de São Vicente para avisar que
notou diferença na parede do banheiro embaixo da escada. Acrescentou ter feito
um furo com uma picareta e viu areia num local que devia estar vazio. O
investigador Walter Mota foi avisado e voou do prédio do Deic para a obra.
O buraco que
o proprietário tinha feito era pequeno como um punho fechado. O policial civil
tratou de continuar o que estava começado. Com medo de Edmilson fugir, o
delegado Bonametti foi à casa do pedreiro. Ele confessou. Antes mesmo de o
corpo ser removido, o assassino contou que matara por estrangulamento, usando
uma camiseta preta.
Sobre o
pacote com calcinhas pretas, verdes e vermelhas, encontradas no segundo andar,
Edmilson negou que fossem de Joice. Alegou que gostava de transar usando
lingerie. Afirmação duvidosa, mas que se mostrou verdadeira. O marido da mulher
não reconheceu as peças.
A última
revelação dava conta de que Jonathas era coautor do crime. O delegado
determinou que dez policiais civis ficassem de campana na obra até o suspeito
aparecer, o que aconteceu por volta das 17h. Os dois estão presos
preventivamente e foram indiciados por ocultação de cadáver e feminicídio qualificado
com meio cruel.
Durante os
depoimentos, Edmilson confessou ter matado e colocado Joice dentro da parede.
Jonathas nega qualquer envolvimento com o crime. O inquérito foi entregue à 1ª
Vara Criminal de São Vicente na última quinta-feira (14) e nenhum deles
constituiu advogado junto ao Deic ou em delegacias de São Vicente, todas
visitadas pelo TAB. O fórum de São Vicente se negou a encaminhar
informações sobre o caso.