Situação no
Brasil é agravada quando o paciente demora para buscar atendimento
O Novembro Azul surgiu em 2003 em Melbourne, na Austrália, a partir da iniciativa de dois amigos. O período é dedicado à conscientização sobre a importância do autocuidado entre homens
Quando
entrou no consultório do urologista pela primeira vez o garçom Rodrigo* tinha 49
anos e estava desconfortável. O incômodo não era apenas no órgão genital. Falar
sobre o assunto era um problema e por causa dessa vergonha ele quase foi parar
na mesa de cirurgia. Entre 2019 e 2020, houve 6.174 diagnósticos de câncer de
pênis no Brasil e 1.092 pacientes tiveram o órgão amputado.
“Eu não
tinha o hábito de ir ao médico para fazer exames regulares. Primeiro, porque
não tenho plano de saúde, e segundo, porque nunca dei muita importância para
isso. Procurei o médico porque estava com alguns sintomas. Era uma DST, e o
médico disse que poderia ter evoluído para um câncer se eu não tivesse buscado
ajuda”, contou.
Ele sente
vergonha do episódio e por isso pediu para não ser identificado, mas os
especialistas afirmam que a resistência dos homens em procurar atendimento e o
hábito de negligenciar a saúde ainda é um problema em diversas camadas sociais.
Nesta segunda-feira (1º) começa o Novembro Azul, período em que as autoridades,
órgãos e instituições alertam para o perigo desse tipo de comportamento.
Segundo o
presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-BA) e professor da
Universidade Federal da Bahia (Ufba), Lucas Batista, o câncer de pênis é menos
frequente que outros tipos de enfermidade, mas costuma ser mais agressivo. A
falta de higiene e o vírus HPV (papilomavírus humano), Doença Sexualmente
Transmissível, são os principais fatores que podem causar esse problema.
“É o tipo de
câncer mais frequente em pacientes com baixas condições socioeconômicas, que
não têm acesso a atendimento médico e não tem o hábito de expor a glande para
lavar o pênis. Pacientes com fimose, por exemplo, que tem dificuldade para
expor a glande, muitas vezes, só descobre depois dos 40 anos, quando vai ao
urologista”, disse.
A situação
foi agravada pela pandemia. O especialista contou que os consultórios
registraram queda de cerca de 70% no número de pacientes na Bahia. A SBU
informou que entre 2019 e 2020, houve 6 mil diagnósticos de câncer de pênis no
Brasil e 1 mil pacientes foram amputados. O tratamento pode exigir a remoção de
parte do membro ou até a retirada total.
Casos não
tratados podem resultar em morte. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) afirmou
que 458 homens morreram por câncer de pênis no Brasil em 2019 e que as regiões
Norte e Nordeste são as mais afetadas. O oncologista da Clínica AMO e
especialista em tumores do aparelho urinário, Augusto Mota, disse que o
autoexame é fundamental.
“O paciente
precisa ficar atento se surgirem feridas ou alguma outra anormalidade no pênis.
Qualquer ferimento que não cicatrize em duas ou três semana precisa ser
observado por um especialista. Ele não deve esperar. O câncer não surge de uma
hora para outra, quando chega a esse estágio é porque a situação já vinha sendo
negligenciada”, afirmou.
Apesar
disso, por ser um tipo de tumor mais raro, segundo o Inca, ele representa 2% de
todos os tipos de câncer que atingem o homem. A incidência é maior em pacientes
a partir dos 50 anos, embora possa atingir também os mais jovens. A higiene
deve ser feita com água e sabão, puxando a pele e lavando todo o membro.
Próstata
O câncer de pênis preocupa, mas o de próstata ainda é o que mais acomete homens
em todo o país. Segundo dados do Inca, ele corresponde a 29,2% dos tumores
incidentes no sexo masculino e matou quase 16 mil pessoas no ano passado. Em
2021, serão 65 mil novos casos, sendo 6 mil na Bahia e 1 mil em Salvador. É uma
estimativa já que muitos pacientes só procuram o especialista quando a doença
já está em estágio avançado.
O motorista
por aplicativo Daniel Nunes, 45, contou que ir ao médico se tornou um hábito
recentemente. “Eu casei e minha esposa é atenta a essas coisas. Ela que marca
minhas consultas. A gente tem uma filha de dois anos, então, acho que passei a
me cuidar mais por causa delas. Meu pai e meus tios, por exemplo, não
costumavam ir ao médico”, contou.
Esse
comportamento é bastante comum. O oncologista Augusto Mota tem quase 30 anos de
consultório e contou que homens são mais relapsos com os cuidados médicos que
as mulheres, mas que isso está mudando.
“O paciente
que vai até o consultório faz os exames e o tratamento. Não há resistência.
Ainda existe um preconceito com o exame de toque, mas quando ele entende a
importância, faz o exame. A resistência que existe é em procurar o médico. Ele
fica protelando por conta de trabalho e dando outras desculpas”, disse.
O câncer de
próstata é uma doença silenciosa que quando manifesta sintomas, como dor ao
urinar ou sangramento, geralmente está em estágio mais avançado. Por isso, os
especialistas afirmam que não se deve esperar. A recomendação é começar a ir ao
urologista a partir dos 45 anos. Quem tem histórico de câncer na família, mesmo
aqueles não diretamente relacionados com a próstata, deve redobrar os cuidados.
Homens
negros são mais propensos a desenvolverem essa doença. “O tratamento não
necessariamente exige cirurgia. Existe um procedimento chamado de Vigilância
Ativa que pode ser aplicado em alguns casos. São situações em que o paciente é
tratado com medicação, mas que exige periodicidade, exames a cada três ou
quatro meses”, diz Mota.
Mesmo em
casos em que a única solução é a cirurgia a medicina avançou e os resultados
têm sido mais positivos. O presidente da Sociedade Brasileira de Urologia,
Lucas Batista, lembra que existe três tipos de procedimentos.
“O paciente
tem medo de ficar impotente, mas a medicina evoluiu muito nesse quesito. A taxa
de impotência é menor que no passado. A cirurgia robótica, por exemplo, tem
tido bons resultados. Ela já está presente na Bahia, mas ainda não está
disponível na rede SUS. Outra solução pode ser a cirurgia aberta ou
radioterapia”, afirmou.
Os
especialistas disseram que não existe um tratamento precoce contra o câncer de
próstata, mas que manter uma dieta saudável e fazer exercícios é importante. A
obesidade, apesar de não desenvolver a doença, torna os efeitos dela mais
agressivos. Atualmente, existe cerca de 300 urologistas na Bahia e a rede
pública oferece consultas gratuitas.
Rede municipal oferece atendimento gratuito
A Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) afirmou que a rede municipal
oferta consultas especializadas de urologia. Para ter acesso, é preciso ir até
uma unidade básica de saúde e marcar, de segunda a sexta-feira, exceto
feriados, das 8h às 17h. É necessário apresentar um documento oficial de
identidade com foto, cartão SUS vinculado à Salvador e requisição médica com
prescrição da consulta.
Procurada, a
Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) não se manifestou sobre a rede de
atendimentos de urologia disponível no estado.
Em todo
Brasil, a procura por exames de rotina para rastreamento do câncer de próstata
diminuiu no primeiro ano da pandemia. Segundo a Sociedade Brasileira de
Urologia (SBU), a coleta de biópsia da próstata teve redução de 44% e os exame
Antígeno Prostático Específico (PSA) de 20%. Já as internações de pacientes
caíram 16% no país e 15% na Bahia.
Em nota, o
Instituto Nacional do Câncer disse que no Brasil o câncer de próstata é o
segundo mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não-melanoma).
Na Bahia, a estimativa para 2021 é uma taxa de 85,51 casos para cada 100 mil
homens, e cerca de 75% dos casos ocorrem a partir dos 65 anos. Nos últimos
cinco anos a mortalidade desse tipo de doença cresceu 10% no Brasil e 14% na
Bahia, foram 1.367 mortes em 2020.
“O aumento
observado nas taxas de incidência no Brasil pode ser parcialmente justificado
pela evolução dos métodos diagnósticos (exames), pela melhoria na qualidade dos
sistemas de informação do país e pelo aumento na expectativa de vida”, diz a
nota.
A partir
desta segunda-feira o Farol da Barra, o Elevador Lacerda, os hospitais
Municipal de Salvador (HMS) e Aristides Maltez, e as fontes luminosas das
praças da Sé e do Dois de Julho (Campo Grande) serão iluminados com luz azul
para lembrar o mês de prevenção, diagnóstico e tratamento contra o câncer de
próstata e outras doenças que acometem os homens. A ação seguirá até o dia 22
de novembro.
Confira mitos e verdades sobre o câncer de próstata:
-A doença
sempre apresenta sintomas (falso) – Dor ao urinar e sangramentos podem estar
relacionados ao câncer de próstata, principalmente quando há metástase, mas não
é uma regra.
-Exame de PSA aumentado é sinal de câncer de próstata (falso) - A alteração pode
estar relacionada a outros fatores, por isso, o acompanhamento por um
profissional urologista é importante.
-Homens negros são mais propensos a terem a doença (verdadeiro) – Esse grupo
tem 60% mais de chances e os cuidados devem ser redobrados a partir dos 50
anos.
-Quem tem histórico de câncer na família está mais vulnerável (verdadeiro) – A
hereditariedade aumenta o risco. Um parente de primeiro grau com a doença
duplica a chance, e dois familiares aumenta o risco em cinco vezes.
Tipos de câncer mais comum entre os homens:
Próstata (65,8 mil novos casos por ano);
Cólon e Reto (20,5 mil)
Traqueia, Brônquio e Pulmão (17,7 mil)
Estômago (13,3 mil)
Cavidade Oral (11,2 mil)
Esôfago (8,6 mil)
Bexiga (7,5 mil)
Laringe (6,4 mil)
Leucemias (5,9 mil)
Sistema Nervoso Central (5,8 mil)
Fonte: Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Câncer de
pênis:
Causa: falta
de higiene e infecção pelo HPV;
Sintomas: não há sintomas, apenas a presença de esmegma (sebo) entre a glande e
o restante do corpo do pênis, por baixo da pele;
Tratamento: remoção parcial ou amputação total;
Câncer de
próstata:
Causa: mais
comum em pessoas acima de 50 anos, com maior propensão entre negros e quem tem
casos similares na família;
Sintomas: sangramento, dor ou dificuldade de urinar podem ser sintomas, mas não
é regra;
Tratamento: radioterapia, tratamento hormonal ou cirurgia;