Proposta
é principal aposta do governo para bancar o Auxílio Brasil, mas é criticada por
‘contornar’ teto de gastos. Placar foi mais folgado para o governo que no
primeiro turno.
Por 323
votos a 172 e uma abstenção, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta
terça-feira (9), em segundo turno, a proposta de emenda à Constituição (PEC)
dos Precatórios.
Todos os
destaques — sugestões pontuais de mudança ou retirada de trechos do texto
principal — de segundo turno foram rejeitados e a matéria segue agora para o
Senado.
Com uma
quantidade maior de deputados na sessão (496 contra 456 no primeiro turno), a
votação do segundo turno teve um placar mais folgado para o governo em
comparação com a aprovação do texto-base em primeiro turno, na última
quinta-feira (4). Na ocasião, a proposta recebeu apenas quatro votos a mais do
que os 308 necessários para aprovação de propostas de emenda à Constituição
(veja mais abaixo).
A PEC é a
principal aposta do governo para viabilizar o programa social Auxílio Brasil —
anunciado pelo governo para suceder o Bolsa Família.
Em linhas
gerais, a proposta adia o pagamento de precatórios (dívidas do governo já
reconhecidas pela Justiça) e altera o cálculo do teto de gastos. As duas
mudanças abrem um espaço orçamentário de cerca de R$ 90 bilhões para o governo
gastar em 2022, ano eleitoral — o que é visto como especialistas como uma forma
de “contornar” o teto de gastos.
Votação
do primeiro turno
Na votação
do primeiro turno, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
realizou duas manobras para garantir a aprovação do texto — permitiu que
deputados em missão oficial votassem à distância e realizou uma mudança no
relatório em plenário, sem que as alterações tivessem passado pela comissão
especial da PEC.
Antes de
entrarem na votação do segundo turno, os deputados analisaram nesta
terça-feira (9) oito destaques do primeiro turno, destes, sete foram
rejeitados.
Os
parlamentares aprovaram apenas a derrubada de um dispositivo que
permitiria o descumprimento da "regra de ouro" por meio de
autorização na Lei Orçamentaria Anual (LOA).
A
"regra de ouro" está prevista na Constituição e tem o objetivo de
evitar o descontrole das contas públicas. Ela prevê que o governo não pode
contrair dívida para pagar despesas correntes, como salários de servidores e benefícios
previdenciários, além de outros gastos da máquina pública.
Atualmente,
o governo precisa de uma autorização do Congresso para descumprir a "regra
de ouro". O dispositivo rejeitado nesta terça pela Câmara liberava o
Executivo do cumprimento da regra por meio de autorização na Lei Orçamentaria
Anual (LOA), o que facilitava o processo.
O
dispositivo era considerado um “jabuti” por especialistas — isto é, matéria
estranha ao texto principal.
Proposta
A
estimativa do governo é que a PEC abra um espaço no Orçamento de 2022 de R$
91,6 bilhões, sendo:
- R$ 44,6 bilhões decorrentes do
limite a ser estipulado para o pagamento das dívidas judiciais do governo
federal (precatórios);
- R$ 47 bilhões gerados pela
mudança no fator de correção do teto de gastos, incluída na mesma PEC.
Segundo o
Ministério da Economia, o dinheiro será usado para:
- Auxílio Brasil, que deve tomar
cerca de R$ 50 bilhões dessa folga orçamentária;
- ajuste dos benefícios vinculados
ao salário-mínimo;
- elevação de outras despesas
obrigatórias;
- despesas de vacinação contra a
Covid;
- vinculações do teto aos demais
poderes e subtetos.
Na avaliação
de técnicos do Congresso e de deputados da oposição, o espaço aberto pela PEC
também poderia encorpar recursos para parlamentares no próximo ano, como o
pagamento de emendas de relator, criticadas pela falta de transparência e de
paridade entre os congressistas, e para o fundo eleitoral.
Até agora,
porém, esses recursos estão suspensos por decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), que formou maioria nesta terça-feira (9) para interromper o
chamado “orçamento secreto” no Congresso.
A divisão
exata do espaço liberado pela proposta no teto de gastos só será definida na
votação do Orçamento de 2022.
Teto de
gastos
O relatório
do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) na PEC altera a regra de correção do
teto de gastos, regra pela qual, de um ano para outro, as despesas do governo
não podem aumentar mais que a variação da inflação no período.
Atualmente,
a fórmula para corrigir o teto de gastos considera a inflação medida pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apurado entre
julho de um ano e junho do ano seguinte.
A escolha
desse período se justifica porque é o dado disponível nos meses de agosto,
quando o governo precisa enviar ao Congresso o projeto de Orçamento do ano
seguinte.
Com a
mudança proposta pela PEC, o IPCA passa a ser o índice acumulado entre
janeiro e dezembro.
A regra
proposta, segundo os técnicos do Congresso, é “totalmente casuística”— ou seja,
foi pensada apenas para permitir gastos extras no próximo ano.
De 2023 em
diante, não há qualquer garantia de que o cálculo de janeiro a dezembro seja
mais vantajoso que o modelo atual. Ou seja, a mudança no período de apuração
pode provocar um aperto nos orçamentos federais dos anos seguintes.
Essa mudança
no cálculo também afeta o pagamento dos precatórios, já que a PEC limita a alta
dessas despesas pelo mesmo índice. Pelo texto, o limite proposto é o montante
pago em precatórios em 2016, ano da aprovação do teto de gastos, corrigido pela
inflação.
Vacinação
Caso seja
aprovada ainda este ano, a PEC já recalcula o teto de gastos de 2021 e tem
potencial para ampliar o espaço dentro do teto de gastos no Orçamento deste ano
em R$ 15 bilhões.
De acordo
com técnicos do Congresso, o espaço aberto neste ano seria superior a R$ 30
bilhões. Porém, o relatório limita esse reajuste a R$ 15 bilhões.
O valor
seria suficiente para pagar despesas com a vacinação contra a Covid e uma
ampliação no Auxílio Brasil ainda este ano — os dois gastos chegariam a cerca
de R$ 12 bilhões.
O próprio
relatório prevê que esse saldo deve ser usado exclusivamente para despesas da
vacinação contra Covid ou "relacionadas a ações emergenciais e temporárias
de caráter socioeconômico" – descrição em que se encaixa o Auxílio Brasil.
Na avaliação
de técnicos, esse dispositivo pode resolver uma lacuna sobre recursos para a
vacinação no ano seguinte.
Como o
governo encaminhou o projeto do Orçamento de 2022 sem previsão orçamentária
para os imunizantes, a medida seria uma forma de garantir os valores ainda em
2021.