Tarifas
são pressionadas pelo custo das medidas emergenciais para evitar racionamento,
por preços dos combustíveis, alta do dólar e inflação. Aneel busca saídas para
amenizar impacto.
Mesmo com
a melhora do nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas e com o
menor acionamento das termelétricas, as contas de luz devem se manter com
valores elevados nos próximos anos, projetam especialistas consultados pelo g1.
Somente as
medidas emergenciais adotadas para evitar um racionamento de energia neste ano
e para socorrer o setor elétrico durante a pandemia deixaram uma conta
de, ao menos, R$ 69 bilhões a serem pagos pelos consumidores nos próximos cinco
anos, distribuídos da seguinte maneira:
- Conta-Covid: empréstimo feito em 2020
para socorrer o setor elétrico dos efeitos da pandemia. Cerca de 60
distribuidoras aderiram ao financiamento, que totalizou R$
14,8 bilhões. O valor está sendo pago pelos consumidores, através de
um encargo embutido na conta de luz. As parcelas serão cobradas
mensalmente até dezembro de 2025. A taxa de juros total da operação foi
3,79% + Certificado de Depósito Interbancário (CDI, taxa próxima à Selic);
- Conta Escassez Hídrica: novo empréstimo, a ser
realizado no início de 2022, para bancar os custos extras para garantir o
fornecimento de energia neste ano, quando o país precisou importar energia
da Argentina e do Uruguai e acionar todo o parque térmico
disponível. O empréstimo deve ficar em torno de R$ 15 bilhões,
valor do déficit que deve ser deixado pela crise energética. Valor será
pago também pelos consumidores ao longo de cinco anos, com juros; e
- Leilão emergencial simplificado: o governo realizou um
leilão simplificado para compra emergencial de energia de reserva, com
valor total de contratação de R$ 39 bilhões. A energia será
entregue de 1º de maio do ano que vem até 31 de dezembro de 2025 e paga
pelos consumidores. O leilão foi envolto de polêmica, pois o preço médio
foi de R$ 1.563,61 por megawatt hora (MWh), valor considerado elevado por
especialistas.
Além dos
custos deixados pela pandemia e pela crise energética, há fatores adicionais de
pressão sobre a tarifa, especialmente em 2022:
- alta do preço dos
combustíveis utilizados pelas usinas termelétricas e nucleares. As tarifas de
Angra 1 e 2, por exemplo, subiram 40% de 2021 para 2022, devido à alta do
combustível nuclear;
- disparada dos índices de inflação, utilizados para reajuste dos
contratos do setor, em especial do Índice Geral de Preços do Mercado
(IGP-M). O IGP-M acumulado de novembro de 2020 a outubro de 2021 ficou em
21,72%, enquanto o IPCA (inflação oficial do país) acumulado no mesmo
período foi de 10,67%;
- alta do dólar, usado como referência para
tarifa da energia produzida pela usina de Itaipu Binacional; e
- alta dos subsídios a serem pagos
pelos consumidores de energia através da Conta de Desenvolvimento Energético
(CDE), exceto os de baixa renda. A Aneel propõe que os consumidores
paguem R$ 28,791 bilhões, através de encargos incluídos na conta de luz,
para bancar os subsídios concedidos pelo governo no setor de energia. Se
confirmado, o valor terá alta de 47%, ao passar de R$ 19,6 bilhões neste
ano para R$ 28,8 bilhões em 2022.
Medidas
para amenizar
A Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) avalia medidas para reduzir o impacto
tarifário em 2022. A área técnica da agência vê a necessidade de um reajuste
médio de 21%, levando em conta o custo deixado pela crise hídrica e nenhuma
medida de mitigação.
Segundo
a Aneel, além da Conta Escassez Hídrica – que deve reduzir o impacto
tarifário em 2022, mas deixar uma conta com juros a ser paga nos próximos anos
–, pelo menos outras três medidas estão no radar para reduzir a alta na conta
de luz:
- antecipação para 2022 do aporte
de recursos da capitalização da Eletrobras para reduzir encargos
pagos pelos consumidores. Antecipação seria de R$ 5 bilhões, porém o valor
depende da concretização da privatização, que pode não acontecer no ano
que vem;
- redução do serviço da dívida
Itaipu, economia estimada em U$ 600 mi em 2022;
- uso de créditos tributários dos
impostos federais PIS/Cofins decorrentes de ações judiciais transitadas em
julgado. Valor estimado de R$ 7,7 bilhões.
A agência
não informou em quanto essas medidas devem ajudar a reduzir o impacto
tarifário.
Especialistas
avaliam
Maurício
Tolmasquim, professor do Programa de Planejamento Energético da UFRJ e
ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética, diz que, apesar do alívio
momentâneo para as contas de luz, os empréstimos feitos pelo setor acabam, na
verdade, empurrando o problema para frente.
"Claro
que sobre cada uma dessas dívidas incide juros, e você só está empurrando o
problema para mais adiante. Isso deixa um problema para o próximo governo que
vier, porque tem uma série de efeitos dessas dívidas. É uma espécie de pedalada
elétrica", diz Tolmasquim.
O professor
também afirma que o leilão emergencial foi precipitado, porque contratou
energia por um preço muito elevado.
"Foi
uma contratação muito cara, foram contratadas térmicas, a maior parte
funcionando o tempo todo, com um valor de tarifa de mais de R$ 1,5 mil por MWh.
Hoje, os leilões de eólica e solar estão na casa de R$ 100 e R$ 150. As
térmicas tradicionais [custam] menos de R$ 400", compara.
"É
claro que térmicas têm vantagens, podem ser operadas quando necessárias, mas se
o objetivo é encher os reservatórios, você pode gerar energia com fontes mais
baratas e renováveis", completa.
De acordo
com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apesar de o preço médio de
contratação do leilão emergencial ter sido de R$ 1.563,61 por MWh, houve
deságio – isto é, o preço a ser pago pelo governo será inferior ao valor de
mercado da energia.
Segundo a
agência, o leilão resultou em economia de R$ 474 milhões para os
consumidores e estão previstos R$ 5,2 bilhões em investimentos.
Para Adriano
Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o Brasil continua
muito refém do clima.
"O
Brasil continua muito refém do clima na matriz elétrica, com quase 65% da
energia gerada sendo por água. A gente teve um crescimento muito grande da
geração eólica, mas que depende de vento."
O
especialista avalia que parte da conta deixada pela crise energética poderia
ser menor se o governo tivesse ligado antes as usinas termelétricas mais
baratas, que cobram em torno de R$ 400 por MWh.
"Você
lá atrás poderia ter ligado térmicas de R$ 350, R$ 400 para encher os
reservatórios, o que teria ajudado para que a crise não fosse tão profunda e
assustadora em 2021, quando teve que ligar térmicas de R$ 2 mil”, explica.
O Ministério
de Minas e Energia (MME) afirma que desde outubro de 2020 o país vem ligando
térmicas a fim de preservar águas nos reservatórios, além de importar energia
da Argentina e do Paraguai.
Sobre as
medidas de mitigação em estudo pela Aneel, Tolmasquim lembra que algumas já
foram adotadas em 2020 e que não será possível contar com isso para sempre.
"São medidas pontuais e incertas", afirmou.
Pires
acredita que, se o país corrigir as suas deficiências no setor elétrico, a
partir de 2026 será possível ter mais segurança energética e preços menores.