Em vídeo exclusivo obtido pela GloboNews, ele afirma que
introduziu dedos nas vaginas das vítimas 'para ver lubrificação'. Abib Maldaun
Neto está preso há mais de um ano em São Paulo e responderá em regime fechado
após decisão da Justiça.
O médico nutrólogo Abib Maldaun Neto, condenado a 18 anos e
seis meses de prisão em regime fechado por abuso sexual, admitiu em depoimento
à Justiça de São Paulo que estimulou o clitóris de pacientes durante exames
clínicos em seu consultório na capital paulista.
O médico nutrólogo Abib Maldaun Neto, condenado a 18 anos e
seis meses de prisão em regime fechado por abuso sexual, admitiu em depoimento
à Justiça de São Paulo que estimulou o clitóris de pacientes durante exames
clínicos em seu consultório na capital paulista.
Ele classificou o procedimento como "de rotina"
para verificar efeitos colaterais pelo uso de hormônios.
Após um ano e meio de processo, a juíza Ana Cláudia dos
Santos Sillas fixou a sentença de 18 anos e seis meses de prisão em regime
fechado por violação sexual mediante fraude cometida contra seis ex-pacientes e
uma ex-funcionária entre 1997 e 2020. Em um dos casos, o crime foi praticado 15
vezes, segundo a decisão. A defesa do médico disse que irá recorrer da decisão.
Relato das pacientes
A maior parte das mulheres só falou sobre o assunto após
assistirem a uma reportagem feita pela GloboNews e o Fantástico sobre
as denúncias.
As pacientes contaram que procuraram o tratamento na clínica
localizada no bairro dos Jardins, área nobre de São Paulo, indicadas por
familiares, amigos ou colegas de trabalho.
As consultas eram longas, segundo os relatos, e frequentemente
o médico perguntava sobre a vida sexual delas. Em alguns casos, o exame
que incluía o toque na vagina foi feito após o nutrólogo ser informado de que
elas estavam com candidíase ou que teriam feito uma cauterização.
No depoimento, com duração de cerca de 1 hora e meia, Maldaun
Neto revela que era procurado para tratamentos que prevenissem o envelhecimento
celular com o uso de antioxidantes e estimulasse o emagrecimento com
medicamentos que promoviam "ativação metabólica maior".
Em alguns casos, segundo o médico, os efeitos colaterais
exigiam que introduzisse os dedos na vagina de algumas pacientes "para ver
se tinha lubrificação" e avaliar "ereção clitoriana
indesejável". Em outros, para avaliar reclamações de candidíase das
pacientes.
Veja alguns trechos abaixo:
"O que acontece é que em alguns pacientes, algumas
pacientes... a medicina não é uma ciência exata, obviamente, como eu estava
dizendo, então há efeitos colaterais, e o uso do hormônio fazia com que as
pacientes tivessem uma ereção clitoriana indesejável, que chegava machucar
quando elas usavam uma calça jeans, uma calça um pouco mais apertada, e assim
como, por exemplo, um homem, quando eu repunha a testosterona. A próstata, ela
crescia, então há problemas urinários advinham disso. Então, na verdade, o que
acontece é que os exames que eu pratiquei naquele momento, que foram muito
poucos e pontuais, foram em pacientes que tiveram queixas de efeitos colaterais
do meu tratamento", afirmou o médico.
Em outro momento do depoimento, ao ser questionado pela juíza
por qual motivo o médico nutrólogo faria um exame ginecológico nas consultas,
ele volta a citar a reposição hormonal e queixas sobre candidíase como razões
para tocar o clitóris e a vagina das pacientes mulheres e admite que também fez
exames de toque em pacientes homens, restritos à especialidade de urologia.
"Como eu reponho hormônios e substâncias estimulantes,
algumas delas tiveram efeitos colaterais. E a principal queixa era uma ereção
clitoriana constante, que chegou a duplicar o tamanho do clitóris, machucando o
zíper da calça ou na própria calça ou impedindo a usar calça comprida, enfim.
Exame esse, concordo com a senhora, desagradável? Desagradável! Mas assim como
no homem também fiz toque retal muitas vezes para ver se a próstata estava
crescida ou não devido, à ação da testosterona", disse Abib Maldaun Neto
em depoimento.
As queixas de efeitos colaterais não foram relatadas por
nenhuma das vítimas durante processo. E o procedimento não está previsto
na especialidade de nutrologia, segundo o secretário-geral da Associação
Brasileira de Nutrologia (ABRAN), José Ernesto dos Santos.
"Isso é especialidade de ginecologia. Nessa situação, o
que nós sugerimos que seja encaminhado para o ginecologista obstetra. Se ela
(pacienta) estiver tomando hormônio, aí passa a ser um exame que é realizado
pelo ginecologista. Ao menos que seja um ginecologista que tem especialidade em
nutrologia. Porque existe também. Existem vários ginecologistas que fazem
cursos e obtém título na especialidade de nutrologia. Agora é o consultório de
um ginecologista. Porque, por exemplo, no consultório de um nutrólogo, o divã
nem tem condições que permite o exame ginecológico. A mesa de exame
ginecológico é uma mesa especial", disse.
Em relação ao exame de toque feito em pacientes homens, a
explicação da ABRAN é semelhante. "O ideal encaminhar para um
proctologista, que tem experiência, ou para o médico tem experiência para toque
retal, para fazer um diagnóstico de alterações de próstata, observar as
alterações que surgiram numa biópsia, exames laboratoriais, afirmou o
secretário-geral da Associação Brasileira de Nutrologia, José Ernesto dos
Santos.
Em outro trecho, a juíza pergunta se o médico Abib Maldaun
Neto informava as pacientes sobre o que se tratava exatamente o exame:
- Juíza:
Então, previamente, o senhor informava que o senhor ia fazer um exame
ginecológico e explicava o motivo pelo qual estaria fazendo esse exame?
- Abib:
Exatamente, doutora, pelos medicamentos que elas estavam tomando.
- Juíza:
Em algum desses exames, alguma paciente, qualquer paciente, já que o
senhor não se recorda de todas elas, o senhor manipulou o clitóris, pediu
pra deixar manipular pra ver se ia ter lubrificação?
- Abib:
É assim, doutora, pra ver o clitóris, realmente é preciso colocar a mão no
clitóris. Eu cheguei a colocar, e cheguei a introduzir, em algumas
pacientes, os dedos pra ver se tinha lubrificação no próprio clitóris,
isso não é usual.
- Juíza:
O senhor colocou a mão no clitóris pra ver o tamanho, é isso? Pra perceber
o tamanho.
- Abib:
Exatamente! E se estava realmente tão turgido quanto elas relatavam que
estava.
- Juíza:
E a introdução do dedo era pra ver a...
- Abib:
Se havia lubrificação ou não.
Abib Maldaun Neto nega, em diversas vezes no depoimento, que
teve curiosidades ou prazeres sexuais nos exames. E que sempre teve
autorização das pacientes.
"Jamais, em tempo algum, doutora, eu fiz esse exame com
lascívia, com interesse sexual na paciente. (...) Era um exame de 30 segundos.
(...) Sempre teve anuência, doutora, sempre teve porque nunca foi nada
visando... desculpa o português chulo... sacanagem com ninguém, eram pacientes
que eu sempre tratei como relação médico-paciente, era pro bem estar delas, ou
eu trocava totalmente o hormônio, eu tirava totalmente o hormônio, diminuía a
dose do hormônio, mas eu precisava ter um parâmetro".
Por diversas vezes, o médico também reiterou que sempre
esteve acompanhado de enfermeiras. Essa versão é negada por todas as
vítimas e testemunhas de acusação ouvidas no processo.
Segundo elas, no momento em que o médico pediu para que
tirassem a roupa ou baixassem a calça e ficassem sem calcinha, não havia nenhum
outro funcionário na sala.
Médico nutrólogo Abib Maldaun Neto, acusado por ex-pacientes de abusos sexuais, foi flagrado indo ao banco — Foto: Divulgação
Segunda condenação
Abib Maldaun Neto já havia sido condenado pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo por violação sexual mediante fraude em regime semi-aberto, mas respondia
em liberdade. Em julho de 2018, a decisão em relação ao abuso de uma paciente
em 2014 foi dada em primeira instância. A defesa do médico recorreu e a
condenação em segunda instância ocorreu em 30 de julho de 2020.
Esse é o segundo processo ao qual o médico é condenado por
violação sexual mediante fraude. Ele já havia sido condenado em segunda
instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) pelo caso de uma
ex-paciente. Segundo a vítima, Abib abusou sexualmente dela introduzindo o dedo
na vagina durante um exame que chamou de "clínico".
Em julho de 2018, a decisão em relação ao abuso da paciente
em 2014 foi dada em primeira instância. A defesa do médico recorreu e a
condenação em segunda instância ocorreu em 30 de julho de 2020, em regime
semi-aberto. Mesmo após a sentença, ele continuou atendendo em seu consultório
porque não perdeu a licença profissional.
Após uma reportagem da GloboNews e do Fantástico, 23 mulheres
procuraram o Ministério Público de São Paulo para denunciarem o médico por
situações semelhantes. A Promotoria abriu uma nova investigação, que resultou
em um processo com a denúncia de mais nove mulheres - entre ex-pacientes e uma
ex-funcionária. O MP acusou o médico pelo crime de violação sexual mediante
fraude e sustentava que as circunstâncias dos abusos eram
"idênticas": a palavra da vítima e as provas documentais.
O TJ-SP entendeu que, das nove, duas mulheres não denunciaram
o médico no prazo previsto em lei. Quase 40 pessoas foram ouvidas, entre elas
23 testemunhas de defesa e um psiquiatra que atendeu uma das pacientes. No dia
19 de janeiro de 2022, Abib Maldaun Neto foi condenado a 18 anos e seis meses
de prisão em regime fechado por violação sexual mediante fraude praticado contra
sete vítimas. Uma delas, segundo a Justiça, sofreu 15 abusos, por isso a pena
foi aumentada. Ele não poderá responder em liberdade.
Para a juíza Ana Cláudia dos Santos Sillas, o médico induziu
as vítimas - por meio de fraude - a tirarem suas roupas e deixarem que ele as
tocasse e que "a única distinção perceptível é justamente a qualificação
das vítimas e as datas dos fatos". Ainda segundo a decisão, "toda a
dinâmica criminosa foi incansavelmente reproduzida pelo réu para satisfazer a
sua lascívia.
Ainda segundo a juíza: "Com relação à primeira tese
defensiva, verifica-se que as provas colhidas demonstram cabalmente que as nove
vítimas mencionadas na denúncia acreditavam que estavam nas mãos de um médico
honesto e também que os exames físicos realizados por ele faziam parte de todo
o tratamento. Obviamente as vítimas se sentiram constrangidas com tamanha
invasão em suas partes íntimas, mas o cenário de confiança criado entre as
partes tornava o consentimento viciado, eis que as ofendidas narraram que o
médico fazia indagações sobre a atividade sexual, induzindo-as em erro para a
prática do ato libidinoso".
Além da condenação criminal, a Justiça de São Paulo arbitrou
uma indenização por danos morais de R$ 100 mil reais para cada vítima dele.
O Ministério Público deve recorrer em relação a duas vítimas.
Para a Promotoria, as penas arbitradas deveriam ser mais altas.
O advogado Marcelo Oliveira, que representa o médico Abib
Maldaun Neto, disse que respeita a decisão da Justiça de São Paulo, mas
discorda tanto do mérito quanto do prazo em que as vítimas teriam para
representar contra o réu. A defesa diz que ainda não foi notificada
oficialmente da decisão, mas irá recorrer nas instâncias superiores.
Licença profissional
Em abril deste ano, o Conselho Regional de Medicina do Estado
de São Paulo (Cremesp) cassou de forma definitiva o registro do médico
nutrólogo Abib Maldaun Neto. A decisão ainda precisa ser referendada pelo
Conselho Federal do Medicina (CFM). Até o momento, o CFM mantém a classificação
do registro dele como "interdição cautela-total".