Famílias que
divergem sobre a imunização de crianças devem conversar sobre o tema
O que fazer
quando pais e mães divergem sobre a aplicação da vacina contra a Covid-19 nos
filhos?
Segundo
autoridades médicas, com o avanço da ômicron é imprescindível que as crianças
sejam rapidamente imunizadas.
O imunizante
utilizado na população entre 5 e 11 anos é o da Pfizer, autorizado pela Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 16 de dezembro de 2021.
A lei
garante à criança e ao adolescente o direito à saúde e à vacina.
O artigo 227
da Constituição diz que "é dever da família, da sociedade e do estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Segundo
Iberê de Castro Dias, juiz titular da Vara da Infância e Juventude de
Guarulhos, na Grande São Paulo, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)
não dá margem para esse tipo de discordância quando põe como obrigatória a
vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. E
isso vale também para a Covid-19.
O magistrado
explica que é ilegítima a recusa à vacinação dos filhos por questões
filosóficas ou religiosas.
"Não
tem debate. O que pode existir é alguma razão clínica comprovada, onde a
vacinação não seria recomendada por causa de algum problema de saúde na
criança. Em termos genéricos, pais e mães não podem dizer que a religião não
permite a vacinação ou alegarem que são veganos, por exemplo", afirma
Dias.
Em dezembro
de 2020, pais veganos foram parar na Justiça após pleitearem o direito de não
vacinar os filhos por considerarem o procedimento invasivo. Eles recorreram da
decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que determinou a vacinação. No STF
(Supremo Tribunal Federal), perderam por unanimidade.
"Pais
que não vacinarem seus filhos, nos casos recomendados pelas autoridades
sanitárias, inclusive contra a Covid-19, poderão ser penalizados com multa que
varia de 3 a 20 salários mínimos (o dobro na reincidência)", ressalta
Dias.
Ainda
estarão sujeitos à aplicação de uma ou mais medidas previstas no artigo 129 do
ECA, entre as quais a perda da guarda e do pátrio poder familiar.
Para Dias,
havendo discordância entre os pais, a solução será levar o caso ao Judiciário.
Assim, caberá ao juiz a análise do motivo da recusa da vacinação por uma das
partes e posterior decisão.
A advogada
Carmem Lilian Calvo Bosquê, especialista em direito de família, concorda e
acrescenta que tudo isso vale tanto para casais ainda juntos quanto para pais
divorciados.
"Na
atual conjuntura do direito de família há uma regra nos divórcios, que é a
guarda compartilhada. Não é só compartilhar as despesas. Todas as decisões
sobre educação, lazer, saúde da criança devem ser tomadas em conjunto entre os
genitores", afirma ela.
Se a falta
de consenso for parar na Justiça, a tendência é que a resolução seja rápida, de
acordo com a advogada. "Você entra com um pedido de liminar, pede para o
juiz anteceder os efeitos da tutela principal e ele decide mediante uma tutela
de urgência. Dependendo da Vara, a decisão sairá em 24 horas, 48 horas ou em
questão de dias, isto se ele entender que o caso se enquadre numa medida de
urgência", explica Carmem.
A advogada
orienta que, antes de apelar aos tribunais, há a possibilidade de mediar o
conflito no escritório de advocacia ou numa câmara de arbitragem, por meio de
audiência extrajudicial.
Gabriel
Oselka, pediatra e presidente da comissão de ética da SBIM (Sociedade
Brasileira de Imunizações), vai além. Ele recomenda a solução baseada no
diálogo, mediado ou não pelo pediatra ou médico de família. Sem o consenso,
prepondera o interesse da criança.
É o caminho
escolhido pelo gerente administrativo Vinicius Santana Gonzalis, 33, e sua
esposa, 31. Eles são pais de um menino de seis anos e de uma menina de dois.
Em relação
à vacinação de adultos sempre houve a concordância. Com as crianças,
quando o tema bateu na porta da casa da família, percebeu-se uma discordância.
"Entendo
que deve ser feita a vacinação, porque não sou um especialista da área de
saúde", diz Vinicius. "As pessoas que ouço e confio, que se manifestaram
a respeito desse assunto, têm esse mesmo parecer. Em contrapartida, a minha
esposa não entende da mesma forma. Ela acha que não existem estudos suficientes
para colocarmos isso em prática, que as crianças respondem de outras formas às
vacinas."
Outro motivo
envolve o filho mais velho. O garoto tem reações adversas fortes quando recebe
alguma vacina, o que é motivo de preocupação do casal.
Provisoriamente,
o casal vai postergar a decisão sobre vacinar ou não as crianças. Eles optaram
por ouvir a opinião da pediatra dos filhos. A ideia é tomar uma "decisão
com mais dados, embasamento e informação".
Em dezembro,
ao aprovar o uso do imunizante da Pfizer para a faixa de 5 a 11 anos, a Anvisa
informou que a empresa apresentou resultados de estudos realizados com cerca de
4.000 crianças. Os trabalhos indicaram uma eficácia de 90% da vacina nesse
público.
"O
perfil de segurança da vacina, quando comparado com o do placebo, é muito positivo.
Quando a gente observa qualquer reação [adversa], não tem uma diferença
importante entre placebo e vacina. E não há relato de nenhum evento adverso
sério, de preocupação, não há um relato de casos graves ou mortalidade por
conta da vacinação comparado com o placebo", afirmou, à época, o
gerente-geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes.
No fim do
ano passado, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em
inglês), dos EUA, divulgou informações sobre dois estudos. Um deles concluiu
serem raros problemas graves em crianças de 5 a 11 anos imunizadas com o
produto da Pfizer. Outro verificou que crianças internadas com quadro grave da
doença não haviam sido totalmente vacinadas.
No Brasil,
do começo da pandemia, em 2020, até 6 de dezembro de 2021, houve 301 mortes de
crianças entre 5 e 11 anos por Covid-19, segundo o Sistema de Vigilância
Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).
A advogada
Carmem Bosquê lembra que o governo federal, os estados e municípios podem
restringir direitos aos não vacinados. "Justamente aí fica a dúvida de
alguns pais com relação a vacinar ou não, uma vez que a decisão, em tese,
caberia a família. É compreensível a dúvida por ser uma vacina de caráter
emergencial e com algumas questões relacionadas a efeitos adversos",
ressalta.
"Se a
vacina é necessária, vai beneficiar a criança e a comunidade, por também
contribuir para a imunidade coletiva. Se a vacina é considerada segura e
eficaz, como ela é, não há justificativa para deixar de vacinar a criança. Num
caso extremo, poderia até ser considerado maus-tratos", afirma Oselka.
"A
vacina foi estudada num número razoável de crianças, a eficácia foi semelhante
à encontrada em adultos e os eventos adversos menores do que se encontrou em
adolescentes. Os Estados Unidos, vários países da Europa, por exemplo, estão
vacinando as crianças por estarem convencidos da sua eficácia. É obrigação
nossa vacinar e um direito da criança receber a vacina", reforça o
pediatra.