Por que a
lista de possíveis causas de um nariz entupido ou congestionado é tão grande? É
recomendado tentar desobstruí-lo com descongestionantes e lavagens com soro ou
fazer isso mais atrapalha que ajuda? E afinal, por que o nariz reage desse
jeito?
Fumaça de
cigarro, poeira, mudança do tempo, frio, rinite, sinusite, poluição, umidade,
ar seco, pólen, forte odor, gravidez, gripe, resfriado, covid-19… Por que a
lista de possíveis causas de um nariz entupido ou congestionado é tão grande? É
recomendado tentar desobstruí-lo com descongestionantes e lavagens com soro ou
fazer isso mais atrapalha que ajuda? E afinal, por que o nariz reage desse
jeito?
Primeiro é
preciso entender o complexo papel do nariz no sistema respiratório humano. Ele
principalmente filtra, umedece e aquece (com o calor de vasos sanguíneos) o ar
inspirado para que chegue da melhor forma aos pulmões, de onde o oxigênio será
distribuído para o resto do corpo por meio do sangue.
O
otorrinolaringologista Renato Roithmann, diretor-presidente da Associação
Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, explica em
entrevista à BBC News Brasil que o nariz é responsável por equilibrar o ar que
inspiramos para a temperatura corporal. "É o nosso termostato (dispositivo
que regula a temperatura). O nariz aquece o ar e produz muco para nos
defender." E não é pouco: a mucosa nasal costuma produzir quase 1,5 litro
por dia de secreção para manter as vias aéreas úmidas e ajudar a barrar e
descartar partículas ou micro-organismos filtrados também por pêlos nasais.
"Quando
olhamos a mucosa (a pele que reveste o nariz) no microscópio, parece um tapete,
porque é cheia de pelinhos, que são os cílios. Eles ficam batendo para
transportar essa secreção. Parecem algas no fundo do mar quando os vemos
varrendo em direção à garganta", afirma a otorrinolaringologista Renata
Lopes Mori, da clínica Otorrino Experts.
Mas nem
sempre o nariz passa ileso ao desempenhar essas funções, e é aí que ele pode
acabar entupido ou congestionado com tanto muco que às vezes ele escorre
(coriza). Mori explica as diferenças sutis entre essas duas reações, que podem
acontecer ao mesmo tempo no caso de doenças como gripe, resfriado ou covid-19.
No caso do
nariz entupido (ou obstruído), conta Mori, isso ocorre pelo inchaço da mucosa,
principalmente em uma estrutura na região inferior do nariz chamada concha
nasal. "Ela é um epitélio que aumenta e diminui. Mas quando ele inflama,
pode aumentar muito e acabar entupindo o nariz."
A congestão, explica ela, se dá quando o batimento dos cílios diminui e a secreção se acumula e se condensa no nariz. Tomada por esse muco, a mucosa nasal fica inflamada, com vasos sanguíneos inchados.
Em geral,
esse excesso de muco é produzido pelo corpo como uma reação imunológica
posterior à invasão bem-sucedida daqueles micro-organismos que conseguiram
ultrapassar a barreira nasal e causar doenças nos pulmões, por exemplo. Um dos
papéis dessa secreção nesse caso é combater novos invasores. Estima-se que pelo
menos metade das pessoas resfriadas tenham o nariz escorrendo como um dos
sintomas. Por outro lado, o excesso de muco correndo na direção oposta, ou
seja, a garganta, pode causar inflamações e tosse.
Além disso,
estima-se que 2 em cada 100 infecções virais nessa região resultem numa
infecção bacteriana porque o muco e outros fluidos acumulados criam um lugar
propício para a proliferação de bactérias.
E aí surgem
as dúvidas: é recomendado usar remédios ou fazer lavagens com soro fisiológico
para lidar com nariz obstruído/congestionado, ou é melhor deixar que a situação
"volte ao normal" no nariz naturalmente depois de o sistema
imunológico derrotar os invasores em outras partes do corpo?
Descongestionantes
nasais: benefícios e riscos
Como
mostrado acima, a congestão nasal pode ocorrer em resfriados ou alergias, por
exemplo, em que a secreção sai sem que se perceba. Mas há momentos em que o
corpo não consegue eliminar todo esse muco nasal e muitas pessoas recorrem aos
descongestionantes vendidos em farmácias.
Há dois
tipos principais deles: os que são administrados diretamente no nariz e os que
são administrados pela boca (em forma de xarope ou comprimido). Em geral, esses
medicamentos têm um papel de contraírem os vasos sanguíneos do nariz
(vasoconstrição), melhorando o incômodo da congestão e ajudando a respirar
melhor.
Mas essa
melhora não é natural, já que foi obtida pelo produto farmacêutico, então o
alívio (benefício para algumas pessoas) é temporário. Um tempo depois, os vasos
sanguíneos do nariz voltam a dilatar e a congestão volta. A partir daí, há um
vaivém de contrair e descontrair os vasos do nariz que para algumas pessoas é
sinônimo de alívio.
Apesar dos
benefícios envolvidos, há também diversos riscos, principalmente para crianças,
grávidas, lactantes e idosos.
"Os
orais só são liberados em crianças a partir dos 4 anos de idade. Alguns seguem
o critério de que só pode usar a partir de 6 anos, mas dependendo das
formulações só podem ser usados a partir de 12 anos. Além disso, é proibido o
uso de descongestionantes orais em grávidas e lactantes. Os de uso tópico, em
forma de gota, eventualmente se pode usar. O problema é que eles funcionam tão
bem que a pessoa tem a tendência de começar a usar excessivamente porque na
gestação normalmente o nariz fica mais congestionado, e aí pode entrar a
questão da dependência", afirma Roithmann, da Associação Brasileira de
Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
Segundo o
otorrinolaringologista, gestantes e lactantes devem conversar com seus médicos
sobre o uso desse tipo de medicamento, mas, "de maneira geral, não se usa
descongestionantes nem tópicos (aplicado no local), nem sistêmicos
(medicamentos orais) em gestantes e lactantes."
Há duas
saídas possíveis para grávidas e lactantes, sugere Roithmann. Uma é a lavagem
nasal (leia mais abaixo) e a outra é o uso de medicamentos anti-inflamatórios
de uso tópico, que também podem ser usados de forma segura na rinite da
gestação e durante o período de lactação. Mas é importante ressaltar que eles
não são descongestionantes.
E por que há
toda essa preocupação em torno do uso de descongestionantes nasais?
Roithmann
explica que esse tipo de medicamento é absorvido pela circulação sanguínea e
pode gerar alterações na frequência cardíaca e de pressão, sem falar de
alterações no sistema nervoso central.
Por isso,
devem ficar atentos pacientes com condições cardíacas, como isquemia cardíaca,
hipertensão, alterações hormonais como hipertireoidismo, diabetes, glaucoma e
uso de outros medicamentos, como alguns tipos de antidepressivos.
"Se
você pinga essa medicação, ele descongestiona essas estruturas internas do
nariz e você em 2 minutos está respirando melhor. Mas qual é o problema disso?
Passado um tempo tem um fenômeno chamado efeito rebote", explica o
especialista. "Se usar mais do que três a cinco dias, continuamente, o organismo
começa a precisar do congestionante para funcionar. E começa a pedir que a
pessoa use cada vez mais. Isso gera uma situação que tem até um nome e é uma
doença, que se chama 'rinite da gota', 'rinite medicamentosa', e que é difícil
de tratar, exigindo em alguns casos intervenção cirúrgica do nariz para
resolver."
Há um
projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados em que torna obrigatória a
apresentação e a retenção de uma receita médica para a compra de medicamentos
para desobstrução nasal que contenham corticoides e vasoconstritores.
O autor da
proposta, o deputado federal Dr. Zacharias Calil (DEM-GO), cita no texto dados
da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, que
aponta que "os descongestionantes nasais são os medicamentos mais
procurados na automedicação, em torno de 7% das vendas" e que "de 25%
a 50% dos usuários dessas substâncias poderá desenvolver rinite
medicamentosa".
O projeto,
que cita outros efeitos colaterais possíveis (como malformações cardíacas
fetais no primeiro trimestre de gravidez e redução da espessura da mucosa
nasal), aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara.
"Uma
coisa importante para as mães e pais entenderem: a gente tem tanto receio do
uso de descongestionante em criança porque a dose que ajuda, ou seja, a dose
que descongestiona, é muito próxima da dose que gera efeitos colaterais. Então,
é muito comum intoxicação por descongestionante, inclusive visitas à emergência
pelos efeitos do excesso de descongestionante", afirma Roithmann.
Segundo ele, "a tendência hoje da maior parte dos tratamentos, tanto de rinite crônica, quanto de sinusite crônica, é através de lavagens nasais".
Lavagem
nasal: benefícios e riscos
Esse tipo de
tratamento, que basicamente lava as narinas com soro fisiológico, vem sendo
considerado por especialistas como um das saídas mais efetivas para o cuidado e
tratamento de doenças que afetam o nariz. Além de ajudar a prevenir crises de
sinusite ou rinite, por exemplo, ao melhorar em alguns casos a circulação
sanguínea e a eficiência da mucosa nasal.
Pacientes
com rinite alérgica, congestão nasal e excesso de secreção costumam usar essa
técnica com frequência, principalmente porque eventuais efeitos adversos
envolvem riscos bem menores: a irritação no nariz e a remoção indevida de
defesas nasais.
E quais são
os principais benefícios? Mori explica que a lavagem nasal ajuda a eliminar
substâncias inflamatórias (reduzindo os sintomas de congestão ou obstrução) e
também auxilia na remoção mecânica da secreção acumulada, evitando que o local
vire um meio de cultura para bactéria e "evoluindo de uma gripe ou resfriado
para uma sinusite aguda bacteriana."
A lavagem
nasal pode ser feita em pessoas de todas as idades, mas a quantidade varia a
depender da faixa etária. Crianças mais novas podem precisar do auxílio de
adultos para realizar o procedimento. Em geral, podem ser usados seringas (sem
agulhas) ou dispositivos específicos para isso (vendidos em farmácias ou lojas
de artigos médico-hospitalares).
Há dois
tipos de lavagem nasal: baixo volume (até 50ml em cada narina) e alto volume
(mais do que 100ml por lavagem).
A primeira
costuma ser usada em pacientes sem muita secreção e congestão nasal. A segunda,
de alto volume, é indicada "nos casos em que a mucosa está inflamada, como
nos episódios de gripes, resfriados e principalmente nos casos de sinusites
agudas e crônicas", explica Mori. O objetivo da maior quantidade de soro é
conseguir remover essa secreção e substâncias inflamatórias.
A lavagem
pode ser feita tanto com o soro vendido em garrafas em farmácia quanto com soro
feito em casa. Mas a composição aqui não é igual à do soro caseiro usado para
combater a desidratação (com água, sal e açúcar). Mori sugere uma receita
baseada em sachês americanos vendidos para lavagem nasal: 250ml de água
filtrada/fervida, 1 colher de café rasa de sal de cozinha e 1/4 de colher de
café de bicarbonato de sódio (que ajuda a diminuir a viscosidade da secreção).
Esse líquido, que não deve ser usado para inalação, pode ser armazenado na
geladeira por até 24h.
E como se
faz essa lavagem nasal com soro?
Recomenda-se
que isso seja feito com a pessoa em pé ou sentada, com uso de seringa (sem
agulha), garrafinha vendida em farmácia para esse fim ou dispositivos
conhecidos como Lota.
Segundo
Mori, o importante nessa técnica é o volume de soro, e não a força ou a pressão
aplicada, que em excesso podem transformar a solução em problema. "Muita
força pode fazer com que o soro vá parar no ouvido, que se comunica com o nariz
pela tuba auditiva. Com o soro se encaminhando para lá, pode gerar muitos
desconfortos, como a sensação de ouvido tampado e pior, pode até causar
otite."
A pressão em
excesso também pode machucar o septo nasal e provocar sangramento. Por fim, se
não houver força ou pressão demais, mas lavagem em excesso, o nariz pode acabar
irritado. "A estrutura interna do nariz e sua defesa contra infecções
dependem de algumas substâncias presentes nesse muco nasal. Então, a remoção
excessiva delas pode ser prejudicial", afirma Roithmann. Segundo ele, a
quantidade ideal numa criança, por exemplo, é duas vezes ao dia: quando acorda
e antes de dormir.
Roithmann
afirma ainda que essa técnica pode ser usada em bebês, que costumam ter
congestão nasal e excesso de muco dentro do nariz, "o que não é sinônimo
de doença". Nessa faixa etária, são usados tanto a lavagem nasal quanto
dispositivos de sucção que retiram um pouco desse muco excessivo, já que bebês
ainda não sabem expelir por conta própria essa secreção.
No caso dos
bebês, o especialista recomenda também que, no caso de congestão nasal, deve-se
amamentá-los na posição sentada, que ajuda a desinchar as estruturas nasais,
explica Roithmann .
A posição
também deve ser observada na hora de dormir em adultos e crianças com nariz
congestionado. Recomenda-se que o travesseiro fique em posição mais elevada
para ajudar a respiração e diminuir o desconforto.
Roithmann
ressalta, por fim, que deve-se buscar a avaliação de médicos especializados
caso esse problema respiratório seja frequente, persistente ou esteja afetando
a rotina.