Cerca de 500 brasileiros estão se mobilizando em grupos de
WhatsApp, Telegram e em redes sociais para se alistar à Legião Internacional de
Defesa do Território, criada pelo governo ucraniano em meio ao conflito com as
tropas russas. Mesmo sem apoio do governo brasileiro, os voluntários buscam
levantar recursos para apoiar o exército ucraniano. Mais de cem pessoas
formalizaram contato junto à Embaixada da Ucrânia no Brasil.
Os custos são de até R$ 7 mil por pessoa, entre passagens
aéreas e documentação. Segundo eles, um grupo de cerca de 15 brasileiros já
está na zona de conflito. O UOL teve acesso aos vídeos compartilhados pelos
integrantes do grupo e entrevistou voluntários, que dizem estar dispostos a
morrer na guerra ao lado dos militares da Ucrânia.
Adalton Silva, ex-militar do Exército, fez apelo ao governo brasileiro para pedir apoio ao grupo que pretende se alistar para a guerra na Ucrânia
Em uma das imagens registradas por um voluntário brasileiro
na fronteira com a Polônia nesta sexta-feira (4), é possível ver os
acampamentos de militares ucranianos, protegidos por um arame farpado. Um outro
brasileiro encaminhou vídeo também na fronteira. "Aí, Silva. Acabei de
chegar. Tô aguardando os outros chegar aqui, Silva, pra gente ir junto",
diz, ao mostrar imagens de uma área residencial.
Silva é o nome de guerra de Adalton Silva, 33, proprietário
de uma empresa de segurança privada no interior do Rio de Janeiro, atirador
esportivo e ex-militar. Com três anos de experiência no batalhão de infantaria
das Forças Armadas brasileiras, ele diz participar de sete grupos no WhatsApp
—cinco deles como administrador.
Antes de aprovar o ingresso, o candidato é submetido a um
questionário elaborado pelo próprio Silva para apurar se ele tem conhecimento
necessário para integrar o "pelotão" -assim refere-se a um grupo
selecionado de cerca de cem voluntários. Em seguida, o interessado é
cadastrado, com nome, RG, endereço, telefone e função.
Segundo Silva, 80% do grupo é formado por ex-militares
—muitos deles atiradores de elite, afirma. O restante é composto por tradutores
com fluência nos idiomas ucraniano ou inglês, médicos e enfermeiros.
Temos uma equipe bem estruturada disposta a ajudar. São
pessoas para as quais eu posso falar: 'cubra a minha retaguarda', 'acerte um
alvo a 300 metros de distância'. É gente da minha inteira confiança e
subordinada a mim. Não queremos levar ninguém para morrer, ainda que estejamos
dispostos a dar a vida pela guerra. Nosso 'pelotão' quer ir e voltar da Ucrânia
sem baixas. Sou da área militar e vou para a linha de frente"Adalton Silva, ex-militar.
Silva agora tenta obter transporte para o grupo chegar à
Polônia, na fronteira com a Ucrânia, onde estão sendo feitos os alistamentos
para integrar a Legião Internacional de Defesa do Território. Ele inclusive
gravou um vídeo com pedido de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Eu quero pedir ajuda do governo federal para embarcar à
Ucrânia e ajudar os irmãos ucranianos. Só queremos ajudar aos
necessitados", disse na mensagem. "A nossa ideia é oferecer ajuda
humanitária. Nossos irmãos ucranianos estão sendo massacrados. O presidente
poderia nos ajudar com transporte. O governo brasileiro não está ajudando em
nada", complementou.
Voluntário bancará voo para a fronteira
Ex-militar Bruno Evans pretende bancar viagem para a Ucrânia com recursos próprios
Natural de São Paulo, o empreendedor Bruno Soares Souza
Evans, de 27 anos, já tem até data prevista para deixar o Brasil em direção à
Polônia, onde acontece o alistamento dos voluntários.
Em um grupo com outros quatro brasileiros, ele pretende
embarcar em um avião no dia 16 deste mês com recursos próprios. Segundo Bruno,
os gastos são de até R$ 7 mil com passagens aéreas e gastos com documentação.
Ele só tomou a decisão de bancar as despesas com recursos
próprios após dizer ter entrado em contato com o Ministério de Relações Exteriores
(Itamaraty), a Embaixada ucraniana no Brasil e até com a entidade consular do
Brasil na Ucrânia. Como resposta, ouviu que não receberia nenhum tipo de
auxílio.
Com dois anos de experiência na Escola Preparatória de
Cadetes do Exército, onde atuou como armeiro, Bruno disse que chegou a tentar
vaga na Legião Estrangeira francesa. Três dos outros quatro integrantes do seu
grupo, segundo ele, também são ex-militares.
Estou disposto a morrer na guerra, se necessário. Quem vai
para a Ucrânia, tem que saber dos riscos. Não sei se vou sair da guerra vivo ou
se vou ficar com sequelas. Mas minha ideia é ficar na Ucrânia e não voltar mais
ao Brasil" Bruno
Evans, ex-militar e voluntário
"Tentei ser PM e fiz concurso para oficial do Exército,
mas não obtive sucesso. Quando começou a guerra e surgiu essa ideia [de
alistamento de voluntários], eu acabei me candidatando. Não tenho o que deixar
para trás, não tenho nada a perder e sempre tive vontade de viver no círculo
militar", complementou.
Segurança do Papa Francisco e ações em favelas do Rio
Ex-militar, Carlos Cândido trabalha em uma empresa de segurança privada no Rio de Janeiro
Morador do Rio de Janeiro, Carlos Cândido, 28, diz querer atuar
ao lado das forças ucranianas no conflito para ajudar a combater as tropas
russas. "Tem muita gente falando que essa guerra não é nossa. Mas ela
ainda pode nos atingir. E é muita covardia o que estão fazendo por lá",
avalia o voluntário.
Profissional da área de segurança privada, Cândido serviu
entre 2012 e 2015 no batalhão de infantaria do Exército. Nesse período, disse
ter participado da operação de segurança do Papa Francisco na visita ao Rio em
2013 e em operações nas favelas cariocas.
No Rio de Janeiro, a gente arrisca a vida todo o dia. Já
participei de confrontos armados e estou disposto a ir ao combate para ajudar o
povo ucraniano. Tem muito brasileiro disposto a arriscar a própria vida para
encarar a batalha"Carlos Cândido, ex-militar do Exército
Cândido disse ainda ter recebido informações nos grupos de
brasileiros que já se alistaram. "A informação que recebemos é que os
voluntários estão sendo muito bem recebidos na Ucrânia, onde recebem apoio
bélico e logístico", diz.
Rússia monitora ações no Brasil, diz especialista
Apesar da experiência em combate, um policial militar que
atuou no meio da mata em Goiás nas buscas por Lázaro Barbosa Sousa disse
ao UOL que não se candidataria porque o estilo de batalha é
muito diferente daquele vivido por profissionais de segurança pública em
Brasília.
Um profissional da indústria bélica internacional e com
experiência em atividades de inteligência acompanha os movimentos de
brasileiros se candidatando para ir à Ucrânia à distância. Ele assegurou à
reportagem que o serviço de inteligência da Rússia monitora essas ações e
outras de voluntários na América Latina.
'Apoio integral garantido'
Na manhã de 3 de março, as Forças Armadas da Ucrânia
publicaram um comunicado em rede social confirmando que os interessados em
lutar pelo país deveriam procurar as embaixadas. Segundo o documento das Forças
Armadas, as despesas da viagem devem ser bancadas pelos voluntários. Mas o
comunicado também diz: "Apoio integral garantido".
O interessado deve portar documentos como passaporte,
uniformes e equipamento de trabalho militar. Os vistos são desnecessários. O
candidato deve preencher um formulário. Se aceito, deverá arcar com os custos
da viagem até a Ucrânia.
"Os representantes das embaixadas ucranianas e o comando
das forças de Defesa Territorial vão providenciar ajuda na rota", diz o
comunicado. Ao chegar no ponto combinado, é necessário assinar um contrato.