Auxílio-acidente poderá ser cancelado após revisão; peritos
criticam benefício por atestado
Segurados que recebem auxílio-acidente poderão ter o
benefício revisado e cancelado no pente fino do INSS. A novidade faz parte da
MP (Medida Provisória) 1.113, publicada em edição extra nesta quarta-feira (20).
A MP também abre caminho para a retomada da concessão de
auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) sem perícia médica
do INSS –o benefício é liberado após o trabalhador apresentar atestado ou laudo
médico. Esse modelo, que já foi utilizado em 2020 e 2021 por causa das
restrições de atendimento durante a pandemia, depende ainda de detalhes que
deverão ser apresentados pelo MTP (Ministério do Trabalho e Previdência).
Para ser convertida em lei, a MP precisa ser aprovada em 120
dias na Câmara e no Senado, onde pode sofrer alterações. O texto final ainda
precisará ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
REVISÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE NO PENTE FINO
O auxílio-acidente é devido ao segurado que sofre acidente e
apresenta sequelas definitivas que diminuem sua capacidade de trabalho, o que
também pode ocorrer devido a doenças do trabalho. O benefício funciona como uma
espécie de indenização, pois não impede a pessoa de continuar trabalhando —ao
contrário da aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria
por invalidez). É o caso, por exemplo, de trabalhadores que, após o
afastamento, não podem mais atuar na mesma função, mas ainda têm condições de
trabalhar em outra área da empresa.
O advogado previdenciário Rômulo Saraiva, colunista da Folha,
afirma que o auxílio-acidente costumava ter um caráter permanente e seu
pagamento era interrompido apenas com a morte ou a aposentadoria do beneficiário.
Com a nova MP, esse tipo de auxílio poderá ser revisado no
Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade,
conhecido como pente fino do INSS.
Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de
Direito Previdenciário), afirma que, provavelmente, todos os segurados que
recebem auxílio-acidente serão chamados para passar por perícia, com o objetivo
de analisar se o trabalhador continua com a incapacidade parcial que motivou o
benefício.
O texto publicado nesta quarta também altera a lei do pente
fino, para acrescentar que a análise de indício de irregularidade pode ser
feita durante a concessão, em fase de recurso ou na revisão do benefício do
INSS.
O segurado poderá recorrer do resultado da avaliação em 30
dias. O recurso deverá ser apresentado à Secretaria de Previdência do
Ministério do Trabalho e Previdência e será julgado por integrantes da carreira
de perito médico federal.
Segundo Francisco Alves, vice-presidente da ANMP (Associação
Nacional dos Médicos Peritos), o pente fino não está sendo feito pelo INSS.
Alves diz que a categoria, que está em greve há 22 dias, é contra a
realização de revisão de benefícios "nesse momento que o país está
vivendo".
Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, a MP inclui o
auxílio-acidente dentre os benefícios que podem passar por revisão periódica,
por meio de exame médico da perícia. O órgão diz que um ato deve estabelecer os
critérios e as datas para a convocação.
AUXÍLIO-DOENÇA PODE VOLTAR A SER CONCEDIDO SEM PERÍCIA
Em 2020 e 2021, por causa da pandemia, o INSS adotou a
chamada perícia documental para a concessão do benefício por incapacidade
temporária (auxílio-doença). Em alguns casos, o segurado poderia receber o
benefício sem passar por perícia médica presencial, após o envio de atestados,
exames e laudos médicos. O benefício liberado era uma antecipação, no valor do
salário mínimo. Posteriormente, se comprovado que o trabalhador tinha direito a
um valor maior, o segurado receberia a diferença.
Na opinião de Bramante, a experiência de análise documental
durante a pandemia foi positiva. "Funcionou muito bem. Em caso de dúvida,
o segurado podia passar pela perícia presencial depois", diz.
A MP 1.113 traz essa possibilidade novamente, mas deixa os detalhes
em aberto. A regulamentação deverá acontecer por meio de ato do ministro do
Trabalho e Previdência, cargo ocupado hoje por José Carlos Oliveira.
O presidente da ANMP considera que a medida é uma tentativa
de precarização da atividade pericial, porque coloca servidores administrativos
para analisar documentos médicos.
"Durante a pandemia, com as agências fechadas, foi uma
medida de exceção para impedir grave prejuízo ao cidadão, e havia limite de
prazo de 30 dias. Agora não há mais essa justificativa, não existe mais agência
fechada", diz o médico perito.
Francisco Alves afirma também que a perícia documental aumenta
o risco de fraudes e expõe o segurado à quebra de sigilo médico, visto que os
servidores administrativos não respondem aos conselhos de medicina.
"Se o governo acredita que irá diminuir a fila com isso,
ao contrário, vai criar uma demanda maior de pessoas que agora acham que
conseguem um benefício sem precisar passar pelo perito", afirma Alves.