O vídeo das 17h16 de 10 de abril mostra um policial militar
de folga atirando 11 vezes contra um suspeito de assalto em uma moto na avenida
Salim Farah Maluf, na zona leste de São Paulo. "Pega, pô!", grita o
responsável pelo registro. Nas imagens seguintes, o suspeito é filmado já morto
no asfalto, enquanto o responsável por outra gravação diz: "E aí, ladrão?
Vai roubar, né?".
Imagens da reação a assaltos têm viralizado nas
redes sociais. Especialistas ouvidos pelo UOL, porém, criticam
a divulgação desse tipo de conteúdo por banalizar a morte e por incentivar que
indivíduos tentem fazer justiça por conta própria.
O registro da morte do suspeito na zona leste da capital
paulista foi compartilhado por uma página que reproduz notícias de Osasco
(Grande São Paulo) com mais de 83 mil seguidores.
Foram quase 3.000 visualizações e 440 curtidas até esta
semana, com comentários de aprovação. "Parabéns ao policial", disse
uma internauta. "CPF cancelado com sucesso", respondeu outra.
Em outro caso, o deputado federal bolsonarista Junio Amaral
(PL-MG) postou um vídeo em seu perfil com 111 mil seguidores no Instagram do
atropelamento de um assaltante em fuga após roubar o celular de uma mulher.
"Foi nada, todo mundo sabe que kombi não tem freio", escreveu na
legenda, em tom de deboche.
"Só vale se tiver morrido", respondeu um dos
internautas. "Pena de morte urgentemente. Chega de bandidagem",
postou outro.
O parlamentar, um policial militar reformado de Minas Gerais,
é o mesmo que publicou um vídeo no começo do mês em que carregava uma arma
com cartucho enquanto afirmava estar pronto para receber o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) em sua casa.
Em nota enviada, o deputado diz que "compartilhar tais
vídeos é, além de trazer conforto ao cidadão decente que é vítima da
impunidade, um bom modo de desestimular potenciais criminosos que esquecem que
a vida do crime tem consequências graves."
Em outro vídeo que circula em redes sociais, do dia 16 de
abril em local não identificado, um homem desce de uma moto e anuncia assalto
ao condutor de um veículo estacionado. A vítima abre a porta e atira no
assaltante, que aparece em outra imagem caindo da garupa da moto de um comparsa
em fuga.
Outro vídeo de atropelamento após um homem de bicicleta
roubar o celular de uma mulher na calçada mostra o assaltante caindo em fuga e
sendo espancado a chutes por ao menos quatro pessoas.
Em imagens compartilhadas em grupos de WhatsApp, uma moto
fecha a passagem de um veículo, obrigando-o a parar. O assaltante então desce
da garupa, anuncia o assalto, é baleado pelo motorista e cai. "Vagabundo
tem que se f (...) mesmo", comentou um dos membros.
'Pessoas instigadas a assumir riscos', diz criminalista
O criminalista Yuri Sahione diz que só há crime na
divulgação desse tipo de vídeo se houver incitação à violência.
Contudo, ele entende que essa possibilidade só poderá ser
considerada em caso de discurso explícito, encorajando a população a reagir com
violência a uma eventual tentativa de assalto fora dos limites do que pode ser
admitido como legítima defesa.
"Aqueles que agem em evidente excesso podem ser punidos.
Mas o maior problema é que as pessoas que assistem a esses vídeos estão sendo
instigadas a assumir riscos desnecessários e a reagir, mesmo sem treinamento
adequado. Isso acaba deixando a população ainda mais vulnerável", analisa.
Ouvidor alerta para cuidado com inocentes
O caso relatado no começo do texto, envolvendo um policial de
folga, está sendo investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de
Proteção à Pessoa), segundo informou a SSP (Secretaria de Segurança Pública de
São Paulo).
Também há apurações sendo conduzidas pela Ouvidoria da
Polícia de São Paulo sobre eventuais excessos. O policial
militar Esequiel dos Santos, que matou o suspeito, foi afastado das
ruas em meio à investigação. A reportagem não localizou a defesa dele.
"Não é sempre que o policial deve agir nesses casos. É
preciso seguir os parâmetros de proteção das pessoas ao redor", adverte o
ouvidor Eliseu Soares Lopes, alertando para o risco de morte de inocentes.
Foi o que ocorreu com a estudante Ingrid Reis Santos, 21,
que morreu na noite de 11 de abril ao ser atingida por um tiro no peito
disparado por um policial militar ao reagir a uma tentativa de assalto quando
estava de folga no centro de São Paulo. Um vídeo deste caso também circula nas
redes sociais. O DHPP também investiga este caso.
"Não percebi ameaça à vida dos policiais ou das pessoas
no entorno. Por isso, achei as duas ações [dos policias] desproporcionais. Mas
é preciso analisar outros elementos para chegar a uma conclusão", diz
Lopes.
Ele também criticou a viralização de vídeos com a morte de
assaltantes. "Não devemos banalizar a vida, seja ela de quem for. Se
alguém cometeu um crime, tem que ser julgado e conduzido para a delegacia, como
prevê a lei".
'Matar não pode ser a resposta'
Embora reconheça a fragilidade da legislação brasileira para
manter presos suspeitos de envolvimento em roubos e furtos, Rafael Alcadipani,
professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, questiona reações a tiro quando não há ameaça à vida.
As pessoas estão com medo e começam a ficar revoltadas,
porque o sistema penal favorece que ocorram esses crimes de forma repetida. Mas
matar o outro não pode ser a resposta para os problemas de legislação do
Brasil. Isso só deve ocorrer em legítima defesa. Não existe pena de morte ou
direito de execução"Rafael Alcadipani, da FGV e do Fórum de Segurança Pública
Alcadipani contesta a aprovação por parte da sociedade em
vídeos em que assaltantes são baleados ou atacados.
"É natural que as pessoas tenham uma visão contra aquele
que está cometendo crime. Mas precisamos decidir se fazemos parte de uma
sociedade de justiça ou de justiçamento. A lógica é que o assaltante morto não
é humano, e isso não é um caso isolado".