Câmara conclui aprovação de PEC que dribla lei e permite ao governo criar pacote social pré-eleitoral

Proposta autoriza decretação de 'estado de emergência' no país para contornar legislação e criar benefícios a menos de três meses da eleição em que Bolsonaro tentará segundo mandato.

O plenário da Câmara dos Deputados concluiu na noite desta quarta-feira (13) a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que contorna a legislação a fim de permitir ao governo conceder uma série de benefícios sociais às vésperas da eleição presidencial.

O texto foi aprovado por 469 votos a 17 em segundo turno e por 393 votos a 14 em primeiro turno. Todos os destaques (propostas de mudança do texto) foram rejeitados. Com a conclusão da análise em segundo turno, a PEC será promulgada pelo Congresso Nacional.

A proposta atende principalmente ao interesse eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, que em todas as pesquisas de intenção de voto está atrás do opositor Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Entre outros pontos, a PEC aumenta o valor do Auxílio Brasil, amplia o Vale-Gás e cria um "voucher" para os caminhoneiros (leia em detalhes mais abaixo). De acordo com o texto, todos os benefícios acabam em dezembro, segundo mês após a eleição. Com a aprovação nesta quarta, o governo prevê começar a pagar os benefícios em 9 de agosto.

Embora contrários ao artifício que autoriza o governo a decretar "estado de emergência" no país a fim de criar e pagar os benefícios a menos de três meses da eleição — o que em condições normais, a legislação proíbe — deputados de oposição contribuíram para a aprovação com votos favoráveis. Eles argumentam que é necessário dar assistência à parcela mais pobre da população, atingida pela crise econômica que fez o Brasil voltar ao Mapa da Fome das Nações Unidas.

Apelidada de “PEC Kamikaze” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes — quando o governo ainda não cogitava patrocinar a medida, considerada então um "suicídio" em razão do desequilíbrio nas contas públicas —, a proposta prevê um gasto adicional de R$ 41,2 bilhões não previsto no Orçamento federal. Nesta terça-feira (12), porém, o ministro afirmou que a PEC não causa impacto fiscal neste ano.

Na Câmara, a matéria tramitou em um rito atípico, conduzido pelo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). Com o objetivo de acelerar a tramitação, a proposta foi unificada a outra já em andamento, foram realizadas sessões extraordinárias de modo a acelerar prazos – com direito até a uma sessão de um minuto de duração – e nenhuma mudança foi feita no texto aprovado pelo Senado – se isso acontecesse, a proposta teria de voltar para apreciação dos senadores.

Para garantir que o texto fosse logo à promulgação pelo Congresso, todos os destaques (propostas de alteração à proposta) foram rejeitados. Nos dois turnos de votação, foram derrubados destaques que tinham o objetivo de retirar da PEC a decretação do estado de emergência.

Além disso, nesta quarta-feira, Lira mudou as regras de votação a fim de permitir que parlamentares registrassem presença remotamente. A votação à distância, por meio virtual, até então permitida somente às segundas e sextas, foi autorizada. A medida foi chamada de “casuísmo” pela oposição.

O presidente da Câmara respondeu que o procedimento foi necessário em razão de um problema “grave”. Na véspera, uma falha do sistema interrompeu a votação. Lira levantou suspeitas sobre o episódio e insinuou que as falhas poderiam ter ocorrido por causa de uma sabotagem, mas a provedora de internet da Câmara informou que houve um rompimento na fibra ótica. Lira acionou a Polícia Federal, que abriu uma investigação preliminar sobre o caso.

O que prevê a PEC?

A PEC estabelece estado de emergência em 2022, em razão da "elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes".

Com isso, abre caminho para uma série de benefícios. Veja abaixo:

  • Auxílio Brasil: ampliação de R$ 400 para R$ 600 mensais e previsão e cadastro de 1,6 milhão de novas famílias no programa (custo estimado: R$ 26 bilhões);
  • Caminhoneiros autônomos: criação de um "voucher" de R$ 1 mil (custo estimado: R$ 5,4 bilhões);
  • Auxílio-Gás: ampliação de R$ 53 para o valor de um botijão a cada dois meses — o preço médio atual do botijão de 13 quilos, segundo a ANP, é de R$ 112,60 (custo estimado: R$ 1,05 bilhão);
  • Transporte gratuito de idosos: compensação aos estados para atender a gratuidade, já prevista em lei, do transporte público de idosos (custo estimado: R$ 2,5 bilhões);
  • Taxistas: benefícios para taxistas devidamente registrados até 31 de maio de 2022 (custo estimado: R$ 2 bilhões);
  • Alimenta Brasil: repasse de R$ 500 milhões ao programa Alimenta Brasil, que prevê a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares e distribuição a famílias em insegurança alimentar, entre outras destinações;
  • Etanol: Repasse de até R$ 3,8 bilhões, por meio de créditos tributários, para a manutenção da competitividade do etanol sobre a gasolina.

Incentivo aos biocombustíveis

A PEC foi incorporada a outra, conhecida como PEC dos Biocombustíveis, também já aprovada no Senado e que tramitava há mais tempo na Câmara.

Com isso, o relatório do deputado Danilo Forte (União-CE) também incorpora na Constituição um dispositivo que garante uma diferença tributária entre combustíveis fósseis, como a gasolina, e os biocombustíveis, como o etanol.

A incorporação foi mais uma manobra de Lira para acelerar o pagamento dos benefícios, fazendo com que a PEC 'Kamikaze' não precisasse passar, por exemplo, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, responsável por examinar a constitucionalidade de todas as matérias a serem votados pelo plenário. Essa manobra abreviou o tempo de tramitação da proposta.

‘PEC do vale-tudo’ x PEC social

No plenário, o partido Novo orientou o voto contra a proposta. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) classificou o texto como a “PEC do vale-tudo”.

“Esta Casa das leis está barbarizando e passando por cima de muitas leis e de muitas regras. Um outro nome que representa bem essa PEC para mim é ‘PEC da vergonha’ porque todo mundo sabe que está errado, todo mundo vê que está errado, mas fica todo mundo numa apatia moral. Vocês justificam um monte de barbaridades que estão sendo feitas aqui, usando como desculpa os mais pobres”, afirmou a parlamentar.

Parlamentares da oposição declararam voto favorável ao texto, mas criticaram o governo Bolsonaro por avaliarem que a medida tem intenções “eleitoreiras”.

“O Brasil deu a Bolsonaro a oportunidade de governar durante quatro anos, e o que ele fez, além de trazer intranquilidade para a sociedade? O que ele fez, além de ameaçar a democracia? O que ele fez, além de gerar insegurança e de elevar os preços? Agora vem ele com uma PEC que é a ‘PEC Boca de Urna’ para tentar mudar o resultado da eleição”, afirmou Renildo Calheiros (PCdoB-PE).

Hildo Rocha (MDB-MA) defendeu a aprovação da PEC, destacando que a medida aumentará o poder de compra da população que recebe o Auxílio Brasil e, como consequência, melhorará a economia dos municípios.

“Se a economia está aquecida, a oferta de emprego aumenta, o comércio melhora, a indústria produz mais porque o comércio está vendendo. E essas famílias, sem dúvida nenhuma, vão poder, além de ter uma garantia, uma segurança da alimentação, também vão poder comprar material de construção para melhorar a sua moradia, vão poder comprar novos vestuários, novas roupas, calçados, comprar eletrodomésticos, enfim, movimentará bastante a nossa economia”, disse o emedebista.

Capitão Alberto Neto (PL-AM) disse que a pressa na votação se justifica porque há famílias passando fome. “Nós estamos votando hoje mais comida no prato de quem está mais necessitado. Porque, numa crise, a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. E é o nosso dever, como Estado, ajudar os mais carentes”, afirmou o governista.

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