Cientistas descreveram nova espécie de vírus a partir de infecções registradas entre 2018 e 2021; patógeno faz parte de gênero de vírus altamente letais.
Casos de infecção pelo novo vírus foram detectados em pacientes que chegavam com febre a hospitais na China — Foto: GETTY IMAGES/BBC |
Um novo vírus do gênero Henipavírus, grupo conhecido por já
ter causado surtos de infecções altamente letais em humanos, foi revelado por
cientistas na última quinta-feira (4/8). De acordo com a equipe de
pesquisadores, o vírus denominado Langya henipavirus (LayV) causou infecções em
ao menos 35 pessoas na China entre 2018 e 2021.
Os 35 casos foram detectados e analisados ao longo desses
anos, mas só foram descritos agora na revista científica The New England
Journal of Medicine. Destes, 26 casos foram analisados em detalhes — revelando
que 100% dos pacientes tiveram febre e, em alguns casos, outros sintomas, como
fadiga (54%), tosse (50%), dor de cabeça (35%), vômito (35%). Foram registradas
ainda algumas anormalidades no funcionamento do fígado (em 35% dos pacientes) e
rins (8%). Não há informações sobre eventuais mortes.
De acordo com os pesquisadores, não há sinais de transmissão
do LayV no contato de pessoa para pessoa. Provavelmente, a origem da infecção é animal —
os cientistas dizem que há indícios de que o musaranho seja um reservatório
natural do Langya, mas isso ainda precisa ser confirmado com mais estudos. Os
especialistas asseguram que a detecção do novo vírus está longe de
significar uma nova pandemia.
Mas a descoberta de um vírus do gênero Henipavírus preocupa
porque outros patógenos desse grupo já causaram surtos e infecções graves na
Ásia e na Oceania, principalmente "primos" do LayV chamados Hendra
henipavirus (HeV) e Nipah henipavirus (NiV). A infecção pelo Hendra
henipavirus (HeV) é rara, mas a taxa de mortalidade chega a 57%, segundo o
Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Já nos surtos do Nipah
henipavirus (NiV) de que se tem notícia entre 1998 e 2018, a taxa de
mortalidade variou de 40 a 70% das infecções. Ambos causam problemas
respiratórios e neurológicos.
É difícil comparar esses dados com a mortalidade do
coronavírus causador da atual pandemia, devido a metodologias distintas e às
diferenças dos números por país e por período. Entretanto, é possível dizer que
a letalidade dos vírus Hendra e Nipah se mostrou significativamente maior nos
surtos que ocorreram do que o coronavírus, na atual pandemia.
O virologista Jansen de Araujo, professor e pesquisador do
Laboratório de Pesquisa em Vírus Emergentes da Universidade de São Paulo (USP),
destaca que, por enquanto, a detecção do vírus Langya está longe de ser
prenúncio de pandemia.
"O que foi observado não caracteriza um hot spot (algo
como um "foco de transmissões") como foi com o coronavírus — em que o
vírus foi achado e logo começou a se espalhar em toda a região muito
rápido", diz Araujo, lembrando que os pesquisadores que identificaram o
Langya henipavirus monitoraram casos durante um longo período.
"O novo vírus também não mostrou uma transmissão
eficiente de pessoa para pessoa muito rápido. Mas como um vírus patogênico (que
causa doença), é preciso ficar atento e monitorar sim novos casos."
Doutor em microbiologia pela USP, Araujo aponta também que a
alta letalidade dos vírus Hendra e Nipah pode ter sido um freio para sua
transmissibilidade.
"Os vírus que são muito letais, como o ebola, têm uma
disseminação pequena, porque ele acaba matando mais rápido as pessoas do que
transmitindo", explica. "Quando você tem um vírus que causa maior
gravidade, a chance de espalhamento é inversa."
Presença do vírus nunca foi confirmada no Brasil, diz
pesquisador
Araujo faz parte do projeto Rede Nacional de
Vigilância de Vírus em Animais Silvestres (Previr) e tem buscado, há
alguns anos, sinais dos Henipavírus em solo brasileiro. Em 2017, ele e colegas
publicaram um artigo com indícios de que morcegos encontrados no Brasil podem
ser reservatórios naturais do Nipah, mas isso não pôde ser confirmando com as
evidências coletadas. Segundo o pesquisador, nunca foi confirmado
também algum caso de infecção pelo Hendra ou Nipah em humanos no Brasil.
Na publicação do New England Journal of Medicine que revelou
o Langya henipavirus, todos os pacientes infectados eram residentes das
províncias de Shandong e Henan. Eles não tiveram contato próximo entre si e nem
um histórico de passagem pelos mesmos lugares. Os pesquisadores fizeram um
rastreamento dos contatos entre nove pacientes e seus parentes e tampouco
encontraram infecções que pudessem provar uma transmissão de pessoa para
pessoa.
Mais da metade dos infectados eram agricultores, o que é
relevante considerando que o vírus chegou às pessoas a partir de algum tipo de
contato com animais.
Os pesquisadores buscaram traços moleculares do Langya em
animais domésticos e silvestres, e os musaranhos foram os que mostraram maior
percentual de detecção do vírus. Por isso, os pesquisadores dizem que ele pode
ser o reservatório natural do patógeno, embora reconheçam que não cumpriram no
estudo os chamados postulados de Koch, em que a causalidade entre um patógeno e
a doença é provada.
Para Jansen de Araujo, seria desejável analisar
particularmente amostras de morcegos gigantes em busca do Langya, já que estes
são reservatórios conhecidos dos vírus Hendra e Nipah — o pesquisador explica
que animais considerados "reservatórios naturais" são
aqueles infectados com um vírus mas sem desenvolver uma doença. Já os
hospedeiros finais são infectados e adoecem, como acontece com cavalos e
humanos na infecção pelo Hendra.
Dos animais silvestres e domésticos analisados, musaranho foi o que revelou maior presença do vírus — Foto: GETTY IMAGES/BBC |
Os casos de Nipah de que se tem notícia ocorreram pelo
contato direto de pessoas com morcegos e porcos infectados; com a seiva ou o
suco de tamareiras infectadas por excrementos de morcegos; ou ainda no contato
de pessoa com pessoa.
A médica veterinária Michele Lunardi, doutora em virologia
animal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), publicou com colegas em
2021 um artigo de revisão de estudos sobre os Henipavírus. Segundo os autores,
"o HeV e o NiV são vírus altamente letais, com ressurgimento repetido e
ausência de quaisquer profilaxias ou terapias aprovadas para uso em
humanos". Particularmente o NiV tem "capacidade de causar uma
pandemia devastadora", diz o artigo.
Em entrevista à BBC News Brasil, Lunardi destaca que os
cientistas que identificaram o Langya henipavirus o fizeram a partir de um
monitoramento rotineiro de casos de febre na China — ação que ela aponta
como fundamental para prevenir a expansão desta e outras doenças virais.
"Os pacientes febris aparecem para ser atendidos em
hospitais selecionados na China e, quando relatam contato prévio com
animais, são coletadas amostras para análise metagenômica. São ferramentas
poderosas para identificar patógenos", explica a médica veterinária.
"Esse tipo de vigilância ativa com novas ferramentas de
sequenciamento (genético) são importantíssimas, pensando nesses agentes
infecciosos que são potencialmente zoonóticos — ou seja, que são transmitidos
de animais para os seres humanos. A gente sabe que eles têm um potencial grande
de se tornar no futuro novos agentes pandêmicos."
- Este texto foi publicado originalemente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62487568