Presidente fica horas em silêncio após votação e se recusa a
receber ministros
Aliados de Jair Bolsonaro (PL) dizem não haver clima para
contestação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no pleito deste
domingo (30), apesar de o atual presidente ter passado o mandato lançando
dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro e já ter ameaçado anteriormente
não reconhecer o resultado das eleições.
O ajudante de ordem do presidente, Mauro Cesar Cid, avisou à
noite a ministros do governo que tentaram falar com Bolsonaro que ele havia ido
dormir. Logo depois, às 22h06, as luzes do Palácio da Alvorada foram apagadas.
O chefe do Executivo evitou falar com aliados e não fez
nenhum pronunciamento público sobre a derrota.
Pouco depois de oficializada a vitória do petista, Bolsonaro
se reuniu com seu candidato a vice, o general da reserva Braga Netto.
Segundo assessores da Presidência, ele passou toda a tarde no
Alvorada com seu filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que é senador e foi um dos
coordenadores da campanha. O presidente não quis falar com ministros ao
telefone nem recebê-los.
Dezenas de apoiadores de Bolsonaro permaneceram concentrados
na área externa do Palácio da Alvorada após o anúncio da derrota do mandatário.
Eles esperaram uma manifestação de Bolsonaro, mas começaram a dispersar depois
de serem informados que não haveria discurso.
Mais cedo, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral),
Alexandre de Moraes, disse que Bolsonaro o atendeu com "extrema educação e
o agradeceu" quando ele disse que anunciaria o resultado. Moraes, como é
praxe, ligou para ambos os candidatos, tanto para Bolsonaro como para Lula.
O principal sinal de que não haveria apoio a contestações foi
o pronunciamento do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos primeiros
a reconhecer a vitória de Lula e a parabenizar o petista.
"A vontade da maioria manifestada nas urnas jamais
deverá ser contestada e seguiremos em frente na construção de um país soberano,
justo e com menos desigualdades", declarou o deputado, que é aliado de
Bolsonaro.
Lira disse ainda que, da mesma forma que reafirmou a lisura,
a estabilidade e a confirmação da vontade popular, não se pode "aceitar
revanchismos ou perseguições, seja de que lado for".
Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro,
seguiu para a residência oficial de Lira após o resultado das eleições, num
gesto de alinhamento à posição do parlamentar. Nogueira publicou nas redes
sociais uma foto abraçando Bolsonaro em que diz: "Para sempre ao seu lado,
capitão".
O procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado por
Bolsonaro e criticado por opositores por ter poupado o chefe do Executivo de
investigações, seguiu o mesmo tom de Lira.
Em nota divulgada no domingo, Aras parabenizou o petista pela
vitória no segundo turno nas eleições. De acordo com o comunicado, o PGR também
congratulou Bolsonaro "pela participação na disputa democrática".
Apesar de dizerem reservadamente não haver clima para
qualquer tentativa de reversão do resultado, aliados admitem que Bolsonaro é
imprevisível.
Aos poucos, alguns aliados foram conseguindo contato com o
mandatário.
O líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), telefonou para
Bolsonaro para se solidarizar. O presidente não indicou se daria declarações
públicas ou não no curto prazo. Auxiliares aguardam orientação sobre como
proceder.
Integrantes do seu primeiro escalão seguiram o silêncio do
mandatário. O primeiro a falar foi Fábio Faria, ministro das Comunicações.
"Você resgatou o nosso orgulho de ser brasileiro. Obrigado, Jair",
disse nas redes sociais.
Na eleição mais apertada desde a redemocratização, com pouco
mais de 2 milhões de votos de diferença, aliados acompanharam em clima de
tensão a apuração dos votos. Em alguns momentos, afirmavam ser possível a
virada.
Uma das principais decepções foi São Paulo. No estado, a
campanha esperava uma distância de cerca de 15 pontos. Ao final, Bolsonaro teve
pouco mais de dez pontos a mais de Lula, apesar de seu candidato Tarcísio de
Freitas (Republicanos) ter sido eleito governador.
Interlocutores do mandatário creditaram a perda da vantagem
ao episódio envolvendo a deputada aliada Carla Zambelli (PL-SP), que perseguiu,
no sábado (29), um homem com uma arma em punho na capital paulista.
Zambelli postou uma mensagem afirmando que será "a maior
oposição que Lula jamais imaginou ter." Foi um discurso semelhante ao do
ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), eleito senador pelo Paraná e que afirmou
que estará na oposição em 2023, "respeitando a vontade dos
paranaenses".
Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, afirmou em uma
rede social que o resultado da eleição "traz muitas reflexões e a
necessidade de buscar caminhos de pacificação de um país literalmente dividido
ao meio". Ele também pediu serenidade.
A senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) também foi
às redes sociais. Ele reconheceu a derrota do mandatário e disse que Bolsonaro
deixa "um legado e formou líderes que hoje são senadores, deputados e
governadores".
"Perdemos uma eleição, mas não perdemos o amor pelo
nosso país. Bolsonaro deixará a Presidência da República em janeiro de cabeça
erguida, com a certeza de dever cumprido e amado por milhões de
brasileiros", escreveu.
Na noite da última sexta-feira (28), após o debate com Lula
na TV Globo, Bolsonaro disse que aceitaria o resultado das eleições, mesmo que
ele não foi mais votado.
A apresentadora Renata Lo Prete, no Jornal da Globo,
perguntou: "Só para tirar a limpo, de uma vez por todas, candidato. Suas
palavras significam que o senhor respeitará o resultado, seja ele favorável ao
senhor ou adverso ao senhor?".
Bolsonaro então respondeu: "Não há a menor dúvida. Quem
tiver mais voto leva. É isso que é democracia".
Na segunda metade do mandato, o atual presidente adotou
retórica golpista contra sistema eleitoral e com ataques sem provas às urnas
eletrônicas.
No Brasil, nunca houve registro de fraude nas urnas
eletrônicas, em uso desde 1996.
Ao votar no dia 2 de outubro, no primeiro turno, Bolsonaro
não respondeu se aceitaria os resultados das eleições. "Com eleições
limpas, sem problema nenhum, que vença o melhor", disse, antes de votar.
No último dia 5, o presidente questionou a apuração dos votos
registrada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no primeiro turno das
eleições, em que acabou com 43,20% contra 48,43% do ex-presidente Lula.
Na ocasião, o mandatário comparou a apuração do dia 2 com a
das eleições de 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) se reelegeu
por uma pequena margem de votos. Bolsonaro afirma que o atual deputado Aécio
Neves (PSDB-MG) venceu o pleito, tese já rechaçada pelo próprio tucano.
Bolsonaro já afirmou em outras oportunidades que a alegada
fraude no pleito de 2014 está comprovada pelo fato de Aécio e Dilma terem
aparecido intercalados na liderança de votos recebidos por mais de 200 minutos.
Na teoria propagada pelo presidente e que já foi desmentida pelo TSE, esse tipo
de padrão matemático não poderia ocorrer de forma espontânea.
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