Especialistas falam das dificuldades e dos perigos que as
'cunhadas' enfrentam, com punições que incluem ainda agressões e até mesmo a
morte
Esposas e namoradas de faccionados que não seguem as regras podem ter o cabelo raspado
“Desde que fui apresentada aos amigos dele, não posso falar
com ninguém na esquina que já se torna algo comentado." O desabafo, feito
à reportagem do R7 por uma mulher que preferiu não ser
identificada e que se relaciona há quatro anos com um integrante do PCC
(Primeiro Comando da Capital), reflete quanto elas ficam visadas. Qualquer
passo fora das regras estipuladas pela facção pode levá-las ao tribunal
do crime.
A prática de pôr pessoas no "banco dos réus" é
usada há décadas pela facção, mas o tribunal do crime se expandiu. Hoje,
são julgados não apenas traficantes, mas também pessoas ligadas a eles ou que
moram em áreas dominadas e ousarem desrespeitar as normas do grupo, que
funcionam como uma espécie de lei nas favelas.
A juíza Ivana David, que vem fazendo pesquisas dentro dos
presídios de São Paulo há anos e foi a responsável por efetuar a primeira
prisão de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como o principal
chefe da facção criminosa, afirma que muitas mulheres se relacionam com os
membros do PCC "sem ter a mínima ideia do que pode acontecer".
Segundo a promotora, a facção ainda é machista, apesar de
perceber um aumento no número de mulheres que "trabalham" para a
organização. "Se um homem trair, não acontece nada; mas, se a mulher trair
ou eles acreditarem, por alguma razão, que isso tenha acontecido, ela é
julgada, além de poder sofrer agressão do próprio marido ou namorado."
A facção existe há quase 30 anos e, com o passar do tempo,
foi se organizando. Exemplo disso é o famoso tribunal do crime, como afirma
Pedro Ivo, delegado do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais).
A prática é realizada para manter "a ordem dentro da quebrada". Ambos
os especialistas classificam esse tipo de tribunal como "Justiça
paralela".
As "cunhadas", como são chamadas as mulheres de
membros do PCC, também podem ser julgadas nesses tribunais, de acordo com os
especialistas. A consequência pode ser ter o cabelo raspado, ser agredida e, em
alguns casos mais extremos, a morte.
Os especialistas afirmam ainda que é muito comum uma mulher
ser levada para julgamento e ter o cabelo raspado, principalmente se ela for
acusada de ser "talarica" — quando se envolve com um homem casado. Na
maioria das vezes, outras mulheres se juntam para fazer isso. "É uma forma
de fazer com que elas percam a feminilidade", afirma Ivana.
Pedro Ivo também ressalta o fato de que uma mulher que se
relaciona com um preso da facção e acaba se envolvendo com alguém de fora pode
morrer por isso. "O cara não está presente para ver, mas os colegas dele
estão. Elas são visadas a todo momento", conta.
Como os relacionamentos começam dentro da cadeia
Muitos homens que já estão em um relacionamento amoroso são
presos. Entretanto, há casos, como explica a promotora, de detentos que começam
a namorar mesmo privados de liberdade, sem poder ter contato com ninguém fora
da cadeia. A questão é: como isso ocorre?
Apesar de haver as famosas "saidinhas" durante
feriados e os presos terem a chance de ir para casa e ter contato com o mundo
externo, muitos relacionamentos começam dentro da cadeia, durante as visitas.
"Atualmente, em dia de visita, se um preso olhar para a
irmã de outro detento e achá-la 'arrumadinha', ele pode pedir a mulher de
presente para o cara, dependendo da posição dele, se tiver um poder maior
dentro do presídio", afirma Ivana, que relata a hierarquia existente nas
cadeias.
A juíza, que tem mais de 32 anos de carreira, conta ainda que
antes isso não existia. "Eu cheguei a ir a presídio num dia em que tinha
aquela fila enorme de mulheres para a visita. Se um preso olhasse para a
esposa, mãe, irmã de outro detento, depois da visita ele era assassinado",
ressalta.
Ivana conta que conversou com homens que conseguiram casar
mesmo há 10, 15 anos no presídio, porque pediram para a mulher de outro detento
trazer uma amiga durante as visitas.
As dificuldades e os perigos de se relacionar com um
faccionado
A jovem que se envolveu com um membro da facção e foi
entrevistada pela reportagem diz que, apesar dos carinhos e dos momentos bons
que vive com o namorado, não aconselha nenhuma mulher a se relacionar com um
integrante do PCC. "Se chamam, ele precisa parar tudo o que estiver
fazendo e sair. Quando comecei a estar mais presente, vi cenas que tiraram meu
sono, me assustaram”, relata.
Segundo a mulher, ela pensou em terminar várias vezes,
principalmente por causa de situações em que o namorado ficava agressivo, mas
está "envolvida demais". "Eu sei que ele faz de tudo por mim,
tenta me dar o melhor, principalmente depois que decidimos morar juntos, mas só
Deus sabe o que passa na minha mente quando ele sai, o que pode acontecer, de
ele ser morto ou preso", conclui.
Além das dificuldades que as "cunhadas" enfrentam,
muitas delas acabam entrando para o crime "sem querer", como explica
a promotora. Segundo ela, se o marido de uma mulher estiver preso e ele pedir
um favor, ela precisa fazer, como se fosse uma obrigação, o que traz risco de
morte para ambos.
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