Polícia não fala na ligação entre casos, mas uma lista com
nomes de novas vítimas faz suspender apostas
O primeiro foi Itamar. Logo depois, Jaciane. Em seguida,
Joilson, Isabela, Willian e os gêmeos Ruan e Rubens. O casal Rodrigo e Hynara
foi o mais recente. Todos eles vendiam rifas e foram assassinados no período de
cinco meses em Salvador e Região Metropolitana. Apesar de a polícia não dar
detalhes das investigações, as circunstâncias das 9 mortes fizeram outros
“rifeiros” pararem com os sorteios. A situação ficou ainda mais tensa com a
existência de uma suposta lista com nomes de pessoas que trabalham na mesma
atividade marcadas para morrer.
A maioria das mortes em Salvador aconteceu em bairros
próximos (Lobato, São Caetano, Pirajá, Campinas de Pirajá e Águas Claras) e
registrada entre os meses de junho e julho. Já o caso mais atual ocorreu no
último dia 11, em Barra do Jacuípe, em Camaçari, tendo como vítimas Rodrigo da
Silva Santos, de 33 anos, o DG Rifas, e a mulher, Hynara Santa Rosa da Silva,
39, a Naroka. O casal era dono de uma empresa de rifas, que começou a funcionar
há dois anos – eles eram influenciadores digitais e juntos somavam mais de 190
mil seguidores.
Seus nomes estariam na tal lista, comentada em conversas de
grupos de aplicativo e citada por outros “rifeiros” (leia abaixo). O que se
sabe de fato é que as vítimas tinham uma vida luxuosa resultante de diversos
sorteios com prêmios que variavam de R$ 6 mil a R$ 50 mil para quem tivesse
comprado o número premiado.
Assim como o jogo do bicho, as rifas são loterias não
autorizadas, ou seja, são consideradas “jogos de azar” e equivalem a
contravenções penais. Elas sempre existiram, mas não eram tão comuns como hoje,
a ponto de concorrerem acirradamente com a máfia das bancas de apostas,
ofertando carros de luxo e até quantias em dinheiro, como R$ 20 mil, com
investimentos de ínfimos, que variam entre R$ 0,50 e R$ 1.
A “profissionalização” da venda de rifas veio com a pandemia,
quando muitas pessoas perderam sua fonte de renda. Então, vendê-las virou o
“ganha-pão” de muita gente e logo alguns “rifeiros” se destacaram, vendo nas
redes sociais a possibilidade de lucrar mais e, assim, ganhando o status também
de influenciadores digitais. Eles transmitem os sorteios semanais em seus
perfis, ao mesmo tempo que expõem uma vida luxuosa, incluindo viagens
internacionais e fotos com artistas.
O casal DG Rifas e Naroka foi assassinado a tiros em Barra do Jacuípe (Foto: Reprodução)
Segundo uma fonte do Departamento de Homicídios e Proteção à
Pessoa (DHPP), que faz parte da equipe que apura as mortes, a popularização das
rifas teria mexido com as bancas de apostas. “Já era esperado, porque houve uma
redução significativa no lucro do jogo do bicho. Imagine só: ele (jogo do
bicho) era soberano e, de repente, surge uma concorrência, que rapidamente se
estabelecer nas comunidades. Os ‘rifeiros’ viraram celebridades e muita gente
começa a comprar e também a vender rifas porque quer ter a mesma vida luxuosa
ostentada pelos influenciadores. Isso tudo é uma ameaça para o jogo do bicho,
por isso que estamos apurando se a morte do casal tem a ver com a disputa entre
os jogos de azar”, declarou o policial.
A reportagem procurou o delegado Celso Bezerra, titular da
delegacia de Monte Gordo, responsável pela investigação das mortes de DG Rifas
e Hynara. Foi perguntado se está descartada a relação da morte do casal com os
outros assassinatos e se algumas das execuções teriam partido do jogo do bicho.
Porém, Bezerra disse que as informações do caso seriam repassadas pela
assessoria de comunicação da Polícia Civil.
“Todos os crimes relacionados estão com Inquérito Policial em
andamento, algum deles, já com indicativo autoria, porém detalhes não podem ser
divulgados neste momento para não interferir no curso da investigação”, informa
a nota, sem comentar a suposta lista com nomes de prováveis vítimas.
Lista
Apesar de a PC ignorar o questionamento sobre a suposta lista, alguns
influenciadores que ficaram conhecidos por vender rifas cancelaram sorteios de
valores altos, com foi o caso do JR Premiações, com quase 60 mil seguidores no
Instagram. Ele suspendeu o sorteio de meio milhão de reais, através de uma
postagem em seu perfil.
No vídeo, ele comenta a morte de DG Rifas e Naroka e menciona
também a tal lista. “Na minha caminhada nunca cancelei uma rifa e essa
irei cancelar por motivo de estresse. De antemão, obrigado a vocês que estãoo
me mandando mensagens preocupados comigo. Infelizmente estamos vivendo em um
mundo cão. O que aconteceu lá com os colegas só Deus sabe .... Passando aqui só
para dar uma satisfação a vocês, porque o meu direct está travando. Meu nome
está girando numa lista que tem aí. Lista qualquer um pode fazer e mandar
circular e foto qualquer pode tirar e escrever o que quer. E sobre a rifa de R$
500 mil vou cancelar, vou tirar um tempinho pra mim (sic)”, disse ele.
Quem também anunciou a suspensão dos sorteios foi Jhonatha
Soares. “Venho aqui avisar, que aquelas rifas baratinhas que a gente faz de
centavos, um real, tô acabando com essas rifas, porque a demanda é muita gente,
é isso e aquilo, entendeu? (sic)”, disse ele, em seu perfil do
Instagram, com 101 mil seguidores.
A reportagem procurou os dois influenciadores através dos
seus perfis no Instagram, mas eles não responderam.
Após morte de casal, outros "rifeiros" famosos cancelam sorteios e alegam estresse (Foto: Reprodução)
O medo também atingiu aqueles vendedores não tão famosos
assim. “Eu não tenho outra forma de garantir a comida dos meus filhos. Estou há
dois anos desempregada. Depois do que aconteceu, só passo rifa para as pessoas
conhecidas e vizinhos. A gente não sabe o que realmente está acontecendo”,
disse uma mulher, que preferiu não revelar o nome.
Ela é moradora de Pernambués, onde as rifas são tão
procuradas quanto o jogo bicho. “Aqui já houve um problema sério, logo no
início da pandemia, porque uma moça da banca usava o ponto para também vender
rifa e quase se deu mal. Saiu daqui porque estavam atrás dela”, contou sem dar
mais detalhes.
Mortes
As mortes de DG Rifas e Naroka ainda é um mistério, pois pouco se sabe o autor
ou autores dos disparos que vitimaram o casal, muito menos a causa da morte.
Pessoas próximas ao casal afirmaram que, apesar dos agentes da 59ª CIPM, que
atua na região do Canto do Rio Jacuípe - onde o caso foi morto - terem recebido
denúncia da ocorrência por volta das 18h30 do dia 11 deste mês, os suspeitos
estavam observando os dois ao longo de todo o dia. A informação que se
tem é que os dois receberam tiros na cabeça e no peito, morrendo no
local.
O primeiro “rifeiro” assassinado que se tem notícia foi
Itamar, o Guiga Rifas. Ele morreu no 22 de junho, na região do subúrbio. Em
seguida, a “rifeira” Jaiane Costa dos Santos, 22, encontrada no bairro de Águas
Claras no dia 6 de junho – ela estava desaparecida há um mês. O corpo estava em
estado avançado de decomposição e o reconhecimento inicial só foi possível por
causa da tatuagem em uma das pernas dizendo “Deus tem a força e eu tenho a
fé”.
No dia 15 de julho, a polícia encontrou o corpo da também
“rifeira” Isabela do Espírito Santo, 23, no bairro de Pirajá. Ela estava
desaparecida desde o dia 20 de junho. No dia em que foi vista pela última vez,
ela foi vista com um homem. Em seguida, foram assassinados os gêmeos Ruan
e Rubens Santos, de 23 anos no bairro do Lobato, no dia 25 de julho. Os
“rifeiros” foram sequestrados quando realizavam uma festa paredão. Os irmãos
moravam no Alto do Cabrito.
O corpo da rifeira Jaiane foi encontrado em estado de decomposição em Águas Claras (Foto: Reprodução)
Joilson Pires Damasceno Falcão, 23, foi assassinado no bairro
de Campinas de Pirajá, no dia 26. Na ação, outras duas pessoas também foram
baleadas, entre elas o irmão de Joilson, e uma mulher que passava pelo local. E
no mesmo dia, uma mulher trans, que também vendia rifas, foi brutalmente
assassinada com golpes de faca em São Caetano. O nome de registro da vítima é
Willian Santos, 32, que estava em um ponto de ônibus quando atacada.
Contravenção
Não há lei que ampare ou autorize a rifa e o jogo do bicho. Os sorteios
com o pagamento com dinheiro vivo são exclusivos de loterias públicas, pois são
possíveis de auditar. Os “jogos de azar” (isso incluiu também as máquinas de
caça-níqueis) não têm efeitos jurídicos válidos e por isso não geram obrigações
de pagamento. Além disso, não há um controle de sua comercialização, podendo
gerar lucros excessivos aos organizadores e, não sendo uma atividade não
registrada, não há pagamentos de impostos.
Em novembro deste ano, a Polícia Civil pôs fim em um esquema
uma rifa de veículos durante uma operação na cidade de Correntina, no
oeste da Bahia. Quatro mandados de busca e apreensão foram cumpridos na casa de
pessoas que são investigadas por suspeita de participação no esquema. Foram
apreendidos um veículo Toyota Hilux, um Golf, m Gol Volkswagem e um Fiat Palio,
todos utilizados em rifas ilegais.
Polícia desarticula esquema ilegal de rifas de veículos em Correntina (Foto: Polícia Civil/ Divulgação)
As investigações começaram em agosto, contou o delegado
Marcelo Calçado, de Correntina. “Recebemos a denúncia, inicialmente sobre o
cancelamento de rifas sem a devolução integral do pagamento pelas apostas. O
próximo passo é identificar a participação de suspeitos e as respectivas
responsabilizações dos mesmos”, explicou na ocasião.
A polícia apreendeu também celulares que eram usados nas rifas. Todos passarão por perícia. Agora, a investigação segue para identificar outros suspeitos.
“Rifeiros” assassinados em 2022:
22/06 – Itamar “Guiga Rifas” (Subúrbio)
06/07 – Jaiane Costa dos Santos, 22 anos (Águas Claras)
15/07 – Isabela do Espírito Santo, 23 anos (Pirajá)
25/07 – Ruan e Rubens Santos, 23 anos (Lobato)
26/07 – Joilson Pires Damasceno Falcão, 23 anos (Campinas de
Pirajá)
26/07 – Willian Santos, 32 anos (São Caetano)
11/12 – Rodrigo da Silva Santos, 33 anos, e Hynara Santa Rosa
da Silva, 39 (Barra de Jacuípe, Camaçari)