A greve dos servidores do Banco Central, que durou de abril a
julho deste ano, fez a agenda de inovações da autoridade monetária ser
reprogramada. Com isso, novas funcionalidades do Pix e testes pilotos do real
digital ficaram para 2023.
A partir de 2 de janeiro, entrarão também em vigor novas
regras do sistema de pagamentos instantâneos. Ainda estão na programação do
próximo ano melhorias na segurança do Pix.
O desenvolvimento do Pix Automático, que tem como pilar a
função de débito automático em conta, será prioridade do BC. A ideia é que o
recurso facilite o pagamento por meio do Pix de faturas periódicas, como contas
de luz e água, além de outros serviços -como mensalidades escolares, planos de
academia e assinaturas de plataformas de streaming.
Ao longo deste ano, o BC investiu em uma fase de diagnóstico
em conjunto com agentes econômicos. A partir disso, estabeleceu especificações
preliminares do desenho do Pix Automático, envolvendo três etapas: autorização,
agendamento e liquidação de pagamento, ou seja, quando a transação programada é
efetivamente realizada. As linhas gerais de etapas seguintes, como eventuais
cancelamentos, ainda estão em discussão.
Segundo Carlos Eduardo Brandt, chefe adjunto do departamento
de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC, o detalhamento
técnico para o efetivo desenvolvimento da função de débito automático do Pix
ainda não foi feito.
"A gente ainda não teve condição de ter segurança de
quando vai conseguir percorrer todo o processo para lançar um produto que seja
bem desenhado, maduro, que seja implementado por todos. Qualquer produto exige
implementações por parte do BC e de todos os participantes do Pix",
afirma.
Brandt ressalta que o amadurecimento de novos produtos não é
rápido e que "estar na agenda de trabalho de 2023 não significa lançamento
em 2023", mas que a equipe trabalhará intensamente para o desenvolvimento
do Pix Automático no próximo ano.
O BC também começa a vislumbrar a criação do Pix
internacional, ainda em uma etapa mais prospectiva. De acordo com o coordenador
do Fórum Pix, ainda há uma incerteza em relação ao modelo que será adotado,
dada a complexidade de adaptação da ferramenta para a realização de transações
em diversos países.
"É um produto que exige compatibilidade do ponto de
vista técnico, legal e regulatório com outras jurisdições, que exige uma
coordenação e uma compatibilidade de movimentos. Qualquer esforço que nós
façamos por aqui [no Brasil], a contraparte tem de fazer também do lado
internacional", diz.
Outro foco do BC em 2023 será o reforço da segurança do Pix
com o objetivo de coibir fraudes e uso de contas laranjas -abertas por
criminosos em nome de outras pessoas.
A autoridade monetária prevê um novo dispositivo para
sinalização de fraudes. Hoje, as contas sob suspeita de uso indevido recebem
uma marcação no sistema. Com a mudança, a identificação será aplicada sobre os
CPFs e CNPJs dos titulares dessas contas.
A base de dados gerida pelo BC funcionaria como um
"hub" de informações, de forma que as instituições financeiras tenham
mais subsídios para coibir transferências suspeitas para determinadas contas e
fortalecer seus mecanismos antifraudes.
No golpe do Pix, os infratores pulverizam o dinheiro das
vítimas rapidamente em diferentes contas, dificultando o bloqueio e a
recuperação dos valores.
Para tentar frear essa dispersão, consta na agenda de
trabalho da autarquia o aperfeiçoamento do mecanismo especial de devolução do
Pix, que tem como objetivo reaver valores desviados por fraude ou golpe. A
ideia da "versão 2.0" do instrumento é ampliar o bloqueio de recursos
a até cinco contas subsequentes ao destinatário inicial.
Segundo Brandt, ainda não há uma data prevista para o lançamento
das duas medidas. Mas o chefe adjunto do departamento de Competição do BC
antecipa que a marcação dos CPFs sob suspeita se tornará realidade antes da
atualização do mecanismo de devolução do Pix.
O que já está certo para 2023 é a alteração de algumas regras
do meio de pagamento. A partir de 2 de janeiro, as instituições financeiras não
serão mais obrigadas a impor um limite de valor por transação via Pix, mantendo
apenas a restrição por um determinado período de tempo -diurno ou noturno.
Está previsto também o aumento dos limites para a retirada de
dinheiro por meio das transações Pix Saque e Pix Troco. Durante o dia, o limite
de saque com Pix saltará de R$ 500 para R$ 3.000 e, no período noturno, subirá
de R$ 100 para R$ 1.000.
REAL DIGITAL TAMBÉM SOFRE ATRASO - Não foi apenas o calendário de
inovações do sistema de pagamentos instantâneos que foi impactado pela greve
dos servidores do BC. Também sofreu atraso o desenvolvimento do real digital,
que tem como objetivo ser a representação virtual da moeda brasileira.
O laboratório que estuda o desenvolvimento da moeda digital
emitida pelo BC teve início em setembro -seis meses após a previsão inicial.
Nele, diferentes casos de uso do real digital estão sendo estudados por nove
projetos selecionados.
O término da fase de laboratório está previsto para fevereiro
de 2023, quando a autoridade monetária irá selecionar os trabalhos mais maduros
para testes pilotos.
Em seu quarto mês de operação, o laboratório começa a trazer
respostas sobre o futuro desenho da moeda digital brasileira e da
infraestrutura necessária para seu funcionamento. Também já estão sendo
mapeados os obstáculos para que o real digital se torne realidade, como a
difícil equação entre privacidade e descentralização das finanças.
"Por mais que a gente esteja falando de real digital, a
gente está falando de vários reais digitais ao mesmo tempo e uma solução única
integrada para isso não é simples de se fazer", afirma Rodrigoh Henriques,
diretor de Inovação da Fenasbac (Federação Nacional de Associações dos
Servidores do Banco Central) e coordenador do laboratório.
A expectativa de Henriques é passar para a fase de testes
pilotos no fim do segundo trimestre do próximo ano e ter os primeiros reais
digitais emitidos em 2024.
Em um encontro com agentes do mercado dos criptoativos, em
novembro, Fábio Araújo, coordenador do projeto de desenvolvimento da moeda
digital do BC, reconheceu que o cronograma pode ser um pouco
"dilatado".
"Se estiver com tudo azeitado, provavelmente não vai
estar, no fim de 2024 ou início de 2025 [o real digital] seria lançado. É muito
desafiador esse cronograma. Se tudo der certo, isso acontecerá", afirmou
Araújo na ocasião.