Acesso ao fundo tem sido usado como garantia de empréstimo,
similar a um consignado
Site do FGTS Caixa Econômica Federal — Foto: Reprodução |
Os bancos foram pegos de surpresa com a declaração do
ministro do Trabalho, Luiz Marinho, de acabar com o saque-aniversário do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Criada em 2020, a antecipação desses
recursos cresceu muito nos últimos anos porque é uma linha segura para as
instituições financeiras — funciona quase como um empréstimo consignado, com
desconto em folha. Para os clientes, tem taxas de juros mais baixas que as de
outras modalidades e é muito usada para quitar dívidas mais caras.
Segundo informações da Caixa, desde a criação da linha, 12,6
milhões de trabalhadores contrataram operações de antecipação do
saque-aniversário que totalizam R$ 76,8 bilhões em concessões. O estoque ativo
atualmente é estimado por fontes do mercado em cerca de R$ 35 bilhões. Além do
banco estatal, algumas instituições de médio porte, que trabalham
tradicionalmente com consignado, são fortes nessa linha.
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma
que o presidente da entidade, Isaac Sidney, iniciou diálogo com o ministro do
Trabalho quando propôs um encontro técnico para apresentar os dados do uso do
saque-aniversário do FGTS como instrumento de garantia para concessão de
crédito consignado.
“O saque-aniversário, além de ser uma importante fonte de
renda para milhares de trabalhadores, também oferece a oportunidade de
reinserção no consumo para parte destes beneficiários que hoje se encontram com
restrições ao crédito. Esse mecanismo, portanto, é uma importante opção para os
tomadores de crédito, tem caráter voluntário, é seguro e apresenta taxas mais
acessíveis”, diz.
Segundo a Febraban, uma eventual extinção da modalidade tem
potencial para reduzir as opções que uma parcela dos trabalhadores brasileiros
tem para acesso a crédito, ficando assim sujeita a taxas mais elevadas. A
medida afetaria cerca de 70% dos tomadores usuários de linha, que estão
negativados e não têm acesso a outra fonte de crédito. A federação aponta que,
desde o início do programa, 70 instituições estão credenciadas a oferecer essa
linha.
O executivo de um banco de médio porte que trabalha com a
linha aponta que seu departamento jurídico ainda está analisando o que deve
acontecer, mas a lógica é que as operações já concedidas não sejam afetadas.
Ainda assim, lamenta que o produto possa ser retirado da prateleira.
“Muita gente usou para pagar dívida de cartão de crédito.
Trocaram uma de média de 12% de juros em uma linha por 1,80% na antecipação do
FGTS. E é um dinheiro que antes ficava parado lá”, conta. Segundo ele, o
tíquete médio é de R$ 800.
Outro banqueiro acredita que a fala de Marinho - feita em
entrevista a “O Globo” - é uma “bateção de cabeça” e que, no fim das contas, o
governo não deve de fato eliminar o saque do FGTS.
“A tese econômica do PT é que o crescimento vem do consumo, e
o consumo é estimulado pelo crédito. Não faz sentido acabar com isso. Muitas
pessoas não teriam acesso ao crédito sem essa antecipação”, argumenta,
ressaltando que a originação mensal da linha atualmente é de quase R$ 1,8
bilhão.
Criado pela lei 13.932/19, o saque-aniversário do FGTS
permite ao trabalhador realizar o saque de parte do saldo de sua conta do FGTS,
anualmente, no mês de seu nascimento. Ou seja, para acabar com essa
possibilidade, o governo do PT teria de alterar a lei. Segundo o Valor apurou,
a proposta de alteração pode ser enviada ao Congresso Nacional antes mesmo das
mudanças na lei trabalhista prometidas pelo ministro Marinho em sua posse. Ele
pretende se reunir antes com centrais sindicais e o conselho
curador do FGTS para então bater o martelo com Lula.
O caso do saque do FGTS é diferente do consignado no
Auxílio Brasil, que foi bastante criticado por entidades de defesa do
consumidor e adotado por pouquíssimos bancos, justamente por causa da
insegurança jurídica e do risco de imagem. O temor era o de que, em vez de
ajudar, o empréstimo pudesse atrapalhar a vida financeira da população mais
carente.
O saque do FGTS também não é isento de críticas. A
coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, defende o fim do saque-aniversário,
mas pondera que o fundo deveria ter remuneração maior para garantir o poder de
compra dos recursos e desincentivar que os trabalhadores retirem o dinheiro.
“O benefício está sendo penalizado porque tem correção anual
de 3%, antes era equivalente à poupança. Esse dinheiro realmente perde o poder
de compra. Com inflação média de 5% e sendo corrigido a 3%, se [o trabalhador]
mantiver até a data de demissão, quando for resgatar já perdeu valor, é um
ponto que precisa ser debatido também”, afirma.
Para a especialista, embora a antecipação desses recursos
seja mais barata que a média dos outros empréstimos, por volta de 20% ao ano, o
problema do superendividamento da população deve ser combatido com juros
efetivamente mais baixos, e não com linhas que têm benefícios sociais como garantia.
Embora muitos optem por antecipar os recursos para quitar dívidas mais caras,
Amorim pondera que a concessão na modalidade reduz a taxa média de juros de
forma artificial. “O mercado de crédito está se garantindo de bens que as
famílias possuem para tomar crédito menos caro, que tem risco mínimo para
instituições, poderia até ser mais barato”, diz.
O Valor procurou os grandes bancos para
falar sobre o tema, mas eles preferiram não se manifestar. O Bmg apontou,
que caso o saque aniversário do FGTS seja inviabilizado, a maior prejudicada
será a população na base da sociedade. “As taxas de juros praticadas para a
antecipação são as menores no mercado de crédito pessoal. Dessa maneira, a
exclusão dessa modalidade de crédito pode gerar maior endividamento,
principalmente, da população de baixa renda, causando consequências indesejadas
no mercado, como processos de cobrança e negativação”, afirmou em nota.