Expectativa é que cerca de 1,7 milhão desses beneficiários
esteja recebendo o benefício de forma irregular; governo também fará busca
ativa para incluir quem se enquadra nas regras mas está fora do programa
O governo vai chamar a partir de março cinco milhões de
pessoas que recebem o Bolsa Família para comparecer presencialmente nas
unidades dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) dos municípios
para a revisão do cadastro. Esse grupo é formado por famílias com apenas uma
pessoa, os chamados beneficiários unipessoais.
A expectativa é de que cerca de 1,7 milhão (35%) desses
beneficiários esteja recebendo o auxílio de R$ 600 fora das regras de acesso ao
programa social, por meio de indicativo errado de composição familiar – ou
seja, de forma irregular.
O grupo de unipessoais cresceu de forma explosiva nos últimos
anos, após o governo Bolsonaro mudar o desenho do programa e fixar um piso
inicial de R$ 400, valor que subiu mais tarde para R$ 600. O resultado foi um
movimento de divisão “artificial” das famílias e de distorção dos dados do
Cadastro Único (Cadúnico), que funciona como um portal de acesso da população
de baixa renda aos programas sociais.
De dezembro de 2019 até o final do ano passado, a taxa de
crescimento de famílias de uma pessoa subiu 224% entre beneficiários do
programa. Em ritmo muito menor, as famílias de duas pessoas ou mais cresceram
40% no mesmo período. O salto ocorreu a partir de outubro de 2021, justamente
após a decisão do ex-presidente Bolsonaro de fixar um piso para o benefício de
olho na sua reeleição.
Essa é a primeira ação do programa emergencial de revisão do
Cadastro Único, aprovado na semana passada no Conselho Nacional de Assistência
Social (Cnas) com pactuação feita com representantes dos Estados e municípios.
Nesta segunda-feira, 13, será assinado um acordo com a Defensoria Pública da
União sobre o plano de autorização cadastral.
A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo. Foto: Wilton
Busca ativa por quem direito
Em contrapartida, o plano de reestruturação do Cadastro Único
prevê uma ação de “busca ativa” de famílias que não estão no programa e têm
direito ao benefício. O governo vai fazer um aporte de R$ 199,5 milhões para os
municípios para o fortalecimento e treinamento do pessoal que trabalha nos CRAS
de todo o País para fazer esse trabalho.
“Vamos botar dentro do programa quem precisa e está fora”,
disse ao Estadão a secretária de Avaliação, Gestão da
Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia
Bartholo. Segundo ela, 51% dos cinco milhões de beneficiários unipessoais têm
entre 22 e 50 anos. A maioria é de homens.
Letícia explica que há um cuidado especial da equipe em
evitar uma criminalização dos beneficiários. Uma campanha de utilidade pública
será lançada até abril para esclarecer as pessoas. A campanha terá a função de
dizer o que é certo e o que é errado no acesso ao Bolsa Família. “E que, se
você está fazendo o certo, você não vai ser prejudicado”, diz a secretária, que
refuta o uso de “pente-fino” para a revisão: “Pente-fino é para tirar piolho”.
Tem direto ao benefício famílias com renda per capita de R$
210. A regra de saída do programa é renda per capita de R$ 525. Pelo plano, as
pessoas serão chamadas e avisadas da necessidade da revisão dos seus cadastros.
Haverá um cronograma. Todos terão que comparecer presencialmente. É por essa
razão que a ação de revisão vai durar até dezembro.
A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo. Foto: Wilton Junior
“Ninguém precisa correr na fila dos CRAS”, afirma Letícia,
que reforça que as pessoas que moram sozinhas “de fato” e se enquadram na regra
de acesso ao Bolsa Família têm direito ao benefício. Se os beneficiários não
comparecerem quando convocados, eles terão os benefícios bloqueados e, depois,
cancelados.
“O município, com o apoio financeiro, vai poder ter recursos
para fazer a averiguação (de cadastros) e as visitas que forem
necessárias”, afirma Elias de Sousa Oliveira, presidente do Colegiado Nacional
de Gestores Municipais da Assistência Social (Congemas). “Todas as mudanças
feitas no Cadastro Único no governo passado não passaram por qualquer tipo de diálogo
com os Estados e municípios.”
O aplicativo do Cadastro Único terá uma funcionalidade para
quem quiser sair do cadastro porque percebeu que errou. “É uma oportunidade de
entender que errou, sair; ao mesmo tempo em que se desenham outros programas de
atendimento”, diz a secretária. Entre esses programas, está o Minha Casa Minha
Vida, de construção de habitações.
A ouvidoria será retomada em abril e a central de atendimento
telefônica será fortalecida. O diagnóstico feito pela secretaria é de que somente
3% a 5% das ligações das pessoas eram atendidas. Como o beneficiário não é
atendido, ele acaba indo para as filas dos CRAS.
Na avaliação da secretária, as equipes que fazem o
cadastramento nos municípios perderam a capacidade de orientar as pessoas, porque
o governo anterior as “deixou no escuro, sem diálogo ou orientação”. O Cadastro
Único tem hoje 40 milhões de famílias, entre as quais 22 milhões estão no Bolsa
Família.
O crescimento de famílias unipessoais se deu em todo o
Brasil, mas a alta foi maior em cinco Estados: Acre, Rio de Janeiro, Amazonas,
Distrito Federal e Amapá.
O plano de ação do governo
Revisão de famílias unipessoais
De março a dezembro, o governo convocará os 5 milhões de
beneficiários unipessoais – que moram sozinhos – do Bolsa Família para uma
revisão cadastral. Isso porque esse tipo de cadastro cresceu 224% em três anos,
sobretudo a partir de outubro de 2021, com o novo desenho do Auxílio Brasil. As
pessoas serão convocadas a comparecer presencialmente de acordo com um
cronograma. Se for confirmado que de fato moram sozinhas, continuarão a receber
o benefício a que têm direito normalmente.
Saída voluntária
O aplicativo do Cadastro Único terá uma funcionalidade para
permitir que um beneficiário que não se enquadra nos critérios possa sair de
forma voluntária. Uma pessoa que alegou que mora sozinha, por exemplo, poderá
agendar o cadastramento na família com quem de fato mora. Letícia explica que
essa regularização abre portas para a participação em outros programas sociais,
como o Minha Casa Minha Vida.
Busca ativa por beneficiários
O governo fará uma busca ativa por pessoas que se enquadram
nos critérios do programa social mas hoje estão fora, incluindo protocolos para
grupos específicos da população, como pessoas em situação de rua, indígenas,
quilombolas e ribeirinhos.
Campanha
Até abril, o governo irá lançar uma campanha de utilidade
pública esclarecendo a população sobre regras do programa social e os critérios
de acesso.
Capacitação
Em março, o governo irá retomar os processos de capacitação,
interrompidos na última gestão. A meta é formar pelo menos 10 mil cadastradores
neste ano.
Ouvidoria
Em abril, a ouvidoria do Cadastro Único voltará a atender
ligações. Segundo a secretaria, somente 3% a 5% das ligações eram atendidas – o
que acabava por sobrecarregar as filas dos CRAS.
Revisão de famílias com irregularidades de renda
A CGU indicou 2,5 milhões de famílias beneficiárias com
indícios de irregularidades de renda fora dos critérios do programa. Esses
cadastros serão revisados e, confirmadas as irregularidades, os benefícios
serão cancelados.
Aporte de recursos
Será feito um aporte de R$ 199,5 milhões: R$ 170 milhões para
os municípios, conforme a necessidade de correção dos cadastros unipessoais; R$
10 milhões para municípios da Amazônia Legal; R$ 10 milhões para grandes áreas
rurais; e R$ 9,5 milhões para os Estados – ações de capacitação e apoio técnico
aos municípios.
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