Ministério Público de São Paulo investiga o caso. Valmir
Maurici Júnior, juiz de direito da 5ª Vara de Guarulhos (Grande São Paulo),
nega 'veementemente todas as acusações', diz defesa.
A mulher do juiz Valmir Maurici Júnior, da 5ª Vara Cível de
Guarulhos, na Grande São Paulo, acusa o marido de violência física, sexual
e psicológica. O g1 obteve vídeos que mostram as
agressões, ocorridas na casa em que os dois moravam, em Caraguatatuba, no
Litoral Norte de SP (veja trechos abaixo).
Em um dos vídeos, o juiz dá um tapa na cabeça da esposa; em outro, ele dá empurrões, chute e a xinga, e ela cai no chão; ambos foram gravados com um celular dela — segundo ela, em outubro de 2022. Em um terceiro vídeo, de abril de 2022, aparentemente gravado pelo próprio juiz, ele a submete a uma relação sexual — segundo ela, não consentida por não ter tido opção de escolha.
A vítima e Maurici Júnior se casaram em 2021. A mulher, de 30
anos, diz que saiu de casa em 23 de novembro; o casal está em processo de
separação. A violência começou depois dos seis primeiros meses de relação,
segundo a defesa dela.
Em janeiro, ela obteve medida protetiva na Justiça, com base
na lei Maria da Penha, que proíbe o juiz de se aproximar e de manter
contato com a mulher e com pais e familiares dela. Na mesma decisão,
Maurici Júnior, 42 anos, também foi obrigado a entregar a arma a que tem
direito por ser magistrado.
O Ministério Público de São Paulo abriu investigação sobre o
caso.
O g1 apurou que o MP trata "os
fatos noticiados" como "gravíssimos" e que o juiz
"demonstrou comportamento violento, manipulador, desviado, e que
potencialmente colocaria em risco" a integridade da vítima e dos seus parentes.
No mesmo parecer, o MP trata a mulher como "vítima" e o juiz, como
"investigado".
O procedimento está no Órgão Especial do Tribunal de Justiça
de São Paulo, órgão responsável por casos do tipo de acordo com a Lei Orgânica
da Magistratura.
A defesa do juiz nega "veementemente os fatos que
lhe são imputados ” (veja resposta na íntegra mais abaixo). O g1
procurou Maurici Júnior por meio de mensagem no celular, mas não obteve
resposta.
Valmir Maurici Júnior, juiz de direito acusado pela esposa de violência física, sexual e psicológica — Foto: Reprodução |
Relação
Em entrevista ao repórter Giovani Grizotti no
dia 27 de dezembro, a vítima conta que conheceu o juiz em outubro de 2020,
quando, segundo ela, ele vivia em Santa Catarina e ela, no interior de São
Paulo. Em dezembro de 2021 ela se mudou para Caraguatatuba, no litoral norte de
São Paulo, para morar com Maurici Júnior.
"Eu conheci ele quando ele me mandou uma mensagem pelas
redes sociais e me convidou para jantar. Na época, ele morava em Santa
Catarina. Eu ficava muito com ele em Santa Catarina. E ele era uma pessoa
encantadora. Parecia um príncipe (...) eu fiquei muito apaixonada", disse.
A relação dos dois, conta, começou a ficar violenta aos
poucos, e ela não queria o fim da relação:
"Ele sempre falou do sexo com força, mas eu não entendia
o que era isso. Eu sofri todo tipo de violência com ele. Violência sexual,
moral, física, psicológica. Ele usava de vários mecanismos para me deixar
confusa. Ele falava: é só dar um tapa. Eu consegui perceber que saiu do
contexto sexual quando eu tava na cozinha, fazendo alguma coisa, ele me dava um
tapa na cara, puxava meu cabelo", afirmou.
Registros no cofre
Ela afirma que não tinha provas da violência. Foi então que
ela colocou o celular no quarto, na direção da cama, para tentar flagrar
agressões. A mulher conseguiu filmar um tapa dado nela pelo juiz enquanto os
dois estavam deitados na cama. Também registrou xingamentos e empurrões, quando
ela estava na frente dele perto da porta do quarto. Ambos os registros são de 2
de outubro de 2022, de acordo com ela (veja no vídeo acima).
Ao sair de casa, ela levou consigo um cofre que, segundo ela,
Maurici Júnior mantinha no escritório da casa. Dentro, havia, entre outros
arquivos, um vídeo aparentemente filmado pelo próprio juiz. Segundo a vítima, o
vídeo foi gravado em 10 de abril de 2022.
O g1 teve acesso ao vídeo, que mostra os
dois durante uma aparente relação sexual em que a vítima aparece deitada sobre
uma cama, de costas, e com os pés e mãos amarrados. Na cama, ao lado da
vítima, há uma folha de papel com itens que o juiz vai riscando aos poucos —
segundo a mulher, são os motivos pelos quais, para ele, ela deveria ser
castigada. É possível ouvir a voz de Maurici Júnior, que dá tapas nas
nádegas da vítima com uma palmatória.
Há, então, o seguinte diálogo:
Valmir Maurici Júnior: "Você se faz de cretina como
meio de vitimização... você quer parar? Tá chorando?
Vítima: ela sinaliza que não com a cabeça: "Não tem dor no
corpo", diz.
Valmir: "Dor no que?"
Vítima: "Na alma".
Valmir: "Mas a gente tá fazendo o corpo doer pra alma
sarar".
No final da gravação, ele pergunta se a mulher gostaria de
ser "penetrada", e ela mexe a cabeça em sinal de positivo.
Em entrevista, a vítima disse que não consentia com relações
assim e que não tinha opção:
"Na verdade, eu nunca consenti com aquelas coisas. Eu
não tinha opção. Então, a violência eu nunca consenti com nenhuma violência.
Mas eu era casada", disse a mulher. Ela afirmou ter ficado dois dias de
cama depois da cena. E que "não tinha nada de fetiche" na situação.
O fato de a mulher ter levado o cofre da casa do casal fez
Valmir Maurici Júnior acusar a esposa de furto qualificado — um inquérito
a respeito está em andamento na Delegacia de Caraguatatuba. O advogado Luciano
Katarinhuk, que defende a mulher, diz que a casa era dela também, porque ambos
viviam juntos, e que não houve furto. O material do cofre foi encaminhado
para perícia pelo Ministério Público.
Na investigação de furto qualificado que corre na Delegacia
de Caraguatatuba, a Polícia Civil de São Paulo chegou a apreender um notebook
com o material na casa onde a esposa vive atualmente. Mas, em janeiro, o
Tribunal de Justiça determinou que a Polícia Civil entregasse o material para o
Ministério Público — que abriu procedimento investigativo contra o juiz.
A vítima conta que tentou manter o casamento, mas foi
entrando em desespero e chegou a tentar suicídio:
"Passava pela minha cabeça: por que eu to passando por
isso? (...) Por que ele faz isso comigo? Eu tinha vergonha. Eu só queria manter
meu casamento. Não queria ser julgada socialmente pelas pessoas. Eu só queria
que aquilo acabasse logo. Era horrível. Um sentimento de culpa muito grande. De
acreditar que de certa forma eu merecia aquilo. Eu cheguei a tentar
suicídio."
Ela dizia se sentir culpada na relação e que era humilhada
pelo juiz:
"Eu queria morrer. As acusações eram muito grandes,
sabe? Nunca ele estava errado. Era sempre a minha culpa. Do jeito que ele
falava, do jeito que me humilhava, me chamava de burra, de fraca, que era
patética. Intelectualmente ele destruía. E eu não aguentava, porque isso era
todos os dias", afirmou.
'Pessoas influentes e poderosas'
Ela disse que, ao sinalizar ao marido que o denunciaria, ele
a intimidou mencionando a própria rede de contatos:
"Ele falava: pode ir pra polícia. Leve seus
vídeos. Quando você chegar na delegacia, eu vou ser avisado. Porque eu sou
um juiz, e você é só mais uma mulher louca. Não vai acontecer nada comigo. Eu
nunca vou preso, eu tenho os amigos certos, pessoas influentes e
poderosas. Você só vai passar vergonha, você vai ser ridicularizada".
Além de magistrado do Tribunal de Justiça, Maurici Júnior é
professor do curso de juiz de direito no cursinho CERS.
A mulher vive longe de São Paulo atualmente. Em razão da
medida protetiva, Valmir Maurici Júnior não pode manter contato com ela, com os
pais dela e com familiares, nem se aproximar deles. Ela teve episódios de
depressão, ansiedade e, em dezembro, chegou a ser internada com quadro
psicótico, de acordo com laudos médicos a que o g1 teve
acesso.
Sobre como vai tocar a vida, a mulher afirma:
"Eu não tenho vida mais. Perdi vontade de tudo, perdi
vontade até de viver". Questionada sobre o que a confortaria, respondeu:
"Saber que outras mulheres não vão passar o mesmo que eu passei. Porque é
um preço muito alto (...) A gente nunca... uma mulher não entra num
relacionamento pensando que vai ser abusada e violentada de várias formas. Eu
entrei com um sonho e eu saí com um pesadelo."
O que dizem os citados
Juiz Valmir Maurici Júnior
“A defesa técnica do magistrado, por seus advogados Marcelo
Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, nega veementemente os fatos que lhe
são imputados e repudia com a mesma veemência vazamentos ilegais de processos
que correm em segredo de Justiça.”
Tribunal de Justiça de São Paulo
"A assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de São
Paulo, em relação à solicitação de informações, esclarece se tratar de
Procedimento Investigativo Criminal que, dada a natureza do feito, tramita em
segredo de Justiça.
O desembargador relator — sorteado dentre os integrantes do
Órgão Especial — responsável pela condução do procedimento, já determinou a
extração de cópias e remessa à Corregedoria Geral da Justiça, para adoção das
providências administrativo-disciplinares que se entenderem cabíveis".
Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, sobre o
inquérito aberto em que juiz acusa a esposa de furto qualificado:
"O caso segue em investigação pela Delegacia de Polícia
de Caraguatatuba. A autoridade policial realiza a oitivas de testemunhas e
diligências para esclarecer todas as circunstâncias dos fatos."