Valor já considera a política de valorização, que concede ganhos acima da inflação
O presidente Lula durante cerimônia de sanção do projeto de lei do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) - |
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê que o valor do salário mínimo deva alcançar R$ 1.421 no ano que vem, segundo interlocutores do governo ouvidos pela Folha.
A cifra segue a fórmula de correção da política de
valorização proposta pelo Executivo, que inclui reajuste pela inflação do ano
anterior mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes
(neste caso, a alta de 2,9% observada em 2022).
O dado baliza as contas da proposta de Orçamento 2024, que
será enviada pelo governo até 31 de agosto.
Hoje, o piso nacional é de R$ 1.320, após Lula conceder um
reajuste adicional a partir de 1º de maio. O petista prometeu, ainda na
campanha eleitoral, retomar a política de valorização do mínimo que vigorou em
gestões anteriores da sigla no Palácio do Planalto.
O valor final do salário mínimo pode sofrer variações até 1º
de janeiro de 2024, quando entrará em vigor, principalmente se houver
aceleração ou perda de ritmo da inflação. Hoje, a estimativa do governo é que o
INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) tenha alta de 4,48% em 2023.
Ao enviar o PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias)
de 2024, em abril, o governo considerava um piso de R$ 1.389 —calculado a
partir de uma inflação de 5,2%, mas sem incorporar a política de valorização,
cujo projeto foi encaminhado no início de maio.
Ao enviar a proposta, o Executivo estimou um custo adicional
de R$ 18,1 bilhões no ano que vem para bancar o reajuste extra. Mais da metade
das despesas federais é influenciada pela dinâmica do piso nacional.
Segundo informações do PLDO, cada R$ 1 a mais de reajuste no
salário mínimo leva a uma ampliação de R$ 3,9 bilhões nas despesas com
benefícios equivalentes ao piso, sem considerar aqueles com valor acima de um
salário mínimo.
O projeto de lei enviado pelo governo ainda precisa ser
votado pelo Congresso, mas o governo já pode considerá-la na formulação da
proposta orçamentária. Além disso, na ausência de uma política específica para
esse tema, o chefe do Executivo tem autonomia para propor um reajuste maior do
que a inflação, desde que haja recursos disponíveis.
Como mostrou a Folha, a política de valorização do salário
mínimo pode dificultar o cumprimento das metas do arcabouço fiscal desenhado
pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) nos próximos anos.
É possível que o salário mínimo avance num ritmo mais célere
do que a regra geral das despesas, o que tem sido apontado por economistas como
uma incongruência entre políticas.
A medida deve custar R$ 82,4 bilhões entre 2024 e 2026,
segundo estimativa do governo. O impacto será crescente: R$ 25,2 bilhões em
2025 e R$ 39,1 bilhões em 2026.
A proposta de Lula resgata a fórmula já usada em gestões
petistas: reajuste pela inflação mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto)
de dois anos antes.
Já a regra fiscal diz que o limite de despesas cresce o
equivalente a 70% da alta real das receitas (que está diretamente ligada ao
ritmo da atividade econômica), respeitando um teto de alta real de 2,5% ao ano.
No ano que vem, já se sabe que o ganho real do salário mínimo
vai superar o limite de crescimento das despesas, uma vez que o percentual é
maior do que o teto de 2,5%.
No futuro, em um cenário de aceleração do PIB, como é
almejado por Lula, o descompasso entre a correção do piso nacional e a regra
fiscal pode ficar ainda mais evidente, dado que o crescimento dos salários e
benefícios continuaria ultrapassando a correção do limite.
Quando uma despesa cresce de forma mais acelerada do que a
ampliação do teto em si, outros gastos precisam compensar esse movimento —ou
seja, eles ficam com um espaço proporcionalmente menor no Orçamento.
O dilema é semelhante ao que foi visto sob o teto de gastos,
regra fiscal aprovada no governo Michel Temer (MDB) e duramente criticada pelos
petistas. O teto também limitava o crescimento das despesas, mas era mais
rígido ao impedir qualquer tipo de correção acima da inflação. Com isso e
também com as pressões políticas por alta de gastos, a regra se mostrou
insustentável em poucos anos.
A diferença agora é que o arcabouço proposto por Haddad
garante uma margem de manobra maior no Orçamento ao se apropriar do espaço
adicional criado pela PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada na
transição de governo e também permitir algum avanço acima da inflação.