Moradores relatam que 15 pessoas foram executadas em 1 mês só na Baixa do
Tubo; polícia registrou 8 mortes
Morador antigo da comunidade Baixa
do Tubo, no bairro de Cosme de Farias, o dono de uma revendedora de gás Gerson
Leopoldino Andrade, de 69 anos, era conhecido como uma pessoa tranquila e
justa, mas foi assassinado por não pagar R$ 7 mil à facção Comando Vermelho
(CV). A execução foi da pior forma: a vítima sofreu disparos no rosto quando
estava com a família, em via pública, durante horário de intenso movimento do
comércio local, no último dia 28. Um recado aos demais comerciantes, que são
obrigados a pagar uma taxa para continuar trabalhando na região. Atualmente, os
moradores enfrentam um clima de bastante tensão, porque, segundo eles, em um
mês, 15 pessoas foram assassinadas pelo CV na Baixa do Tubo.
Ainda de acordo com eles, há cerca
de dois meses os suspeitos instituíram as cobranças, determinadas pelas
lideranças do CV na Baixa do Tubo: os traficantes Leandro, o “Lacoste”, e
Michel, que têm como local estratégico o Alto do Cruzeiro e a Rua Jaguarari. O
ponto de venda de Gerson funcionava no final de linha. “Eles estão fazendo do
mesmo jeito que agem lá no Rio de Janeiro. Mandaram um ‘cabeça’ cobrar ‘Gerson
do Gás’ três vezes, que negou todas. Na última, o cara disse: ‘Não precisa
pagar mais, não’. No outro dia, mataram ele”, contou um amigo da família da
vítima.
Dias antes de ter sido assassinado,
o comerciante comentava com os mais próximos a sua indignação. “Ele era um
morador antigo, nunca teve problema com ninguém, gostava das coisas certas.
Quando cobraram na primeira vez, ele disse que não tinha os R$ 7 mil, que nem
tirava isso no final do mês, e que mesmo que tivesse, não pagaria”, relatou o
vizinho.
Gerson morreu pouco depois das 11h, após um homem a bordo de um carro prata descarregar uma arma contra ele, na Rua Edson Saldanha, a via principal da Baixa do Tubo. Testemunhas relataram que a vítima tinha acabado de buscar a neta, junto com a filha, quando foi baleada na cabeça. Após a execução, donos de farmácias, casas de materiais de construção, padarias, lanchonetes, salões de beleza e outros pontos comerciais, que estavam em atraso, começaram a pagar ao CV.
“Todos estão desesperados. Eles
[traficantes] já disseram que mais gente que está devendo vai morrer. Alguns
pegando empréstimo para não ter o mesmo fim. Tem comerciante dando R$ 1 mil, R$
2 mil, outros R$ 5 mil, R$ 7 mil, vai depender da avaliação deles e o valor
mensal. Aqueles que não deram o dinheiro estão largando tudo. Teve gente que
foi embora no mesmo dia que mataram Gerson do Gás”, contou outro morador.
Segundo ele, nem os trabalhadores autônomos escaparam da taxação. “Quem é
mototaxista paga R$ 50 por semana para rodar”, disse. O CORREIO esteve no
bairro, mas nenhum comerciante e mototaxista aceitou falar sobre o assunto.
Comerciante é assassinado por não pagar taxa ao Comando Vermelho. Crédito: Divulgação
Em relação à morte de Gerson, a
Polícia Civil disse que a “1ª DH/ Atlântico segue com as investigações”. A
reportagem perguntou à PC se a execução está ligada à denúncia de moradores, de
que comerciantes são obrigados a pagar taxa para trabalhar. “Foram coletados
depoimentos e demais diligências investigativas, que serão complementadas com
laudos periciais. Há indicativo de autoria, entretanto, os detalhes não serão
divulgados, para não interferir no curso das apurações”, respondeu a PC, em
nota.
Capitalização
Antônio Jorge Melo é especialista
em segurança pública e explica que a cobrança é um movimento que segue a ordem
de capitalizar com tudo que é possível nos locais onde as facções atuam.
"É uma prática que vem sendo observada em vários estados da federação e
capitais. Essa forma de extorsão, independentemente de impor ou mostrar poder,
é uma forma de capitalização", diz.
"Não tinha ouvido falar em
valores tão altos como o de R$ 7 mil em específico para comerciantes, mas já
sabia, por exemplo, de outras cobranças que, além dos comerciantes, se estendem
até para proprietários de veículos e motos e integrantes da própria facção que
dão parte do dinheiro que ganham", relata Melo, que também é coordenador
do curso de Direito da Estácio.
Outro especialista ouvido pela
reportagem, que pediu para não se identificar, indica que a cobrança de taxas
faz parte de uma estratégia que também visa a imposição da política do medo na
relação com quem tem comércio e mora nesses locais. "É para aumentar
rentabilidade e se impor pelo medo. [As facções] não diferem das milícias,
nesse sentido", fala.
As milícias, citadas pela fonte,
são organizões criminosas formadas por membros das forças de segurança como
policiais militares e civis, bombeiros e guardas municipais. É nas milícias que
o CV 'se inspira' para passar a cobrar taxas para comerciantes.
Agentes da polícia informam, no
entanto, que o CV não inaugura a ação de cobrar comerciantes. Segundo eles, o
grupo faz uma cobrança 'mais estruturada', ampliando a cobrança para além de
comerciantes de maior rentabilidade para lucrar com pequenas e micro atividades,
como a do revendedor de gás de Cosme de Farias.
Antônio Jorge Melo concorda e indica que as facções justificam a cobrança como um 'serviço'. "Não é novidade essa cobrança que eles [faccionados] argumentam ser para 'proteção', garantindo que os comerciantes não serão vítimas de assaltos ou furtos", completa.
Policiamento em Cosme de Farias. Crédito: Marina Silva Correio
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