Entenda por que o empréstimo consignado para beneficiários do Bolsa Família foi suspenso

Para economistas, suspensão do empréstimo consignado para esse público é decisão acertada

 


Após o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar constitucional o empréstimo consignado a beneficiários do Bolsa Família, o Governo Federal frisou discordar da decisão e afirmou que a modalidade de crédito já foi vetada na lei de recriação do programa de transferência de renda.

Para economistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, a medida aumenta o risco de endividamento de pessoas já em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Consequentemente, pode agravar o empobrecimento dessa população — que utiliza o valor para itens essenciais — devido à corrosão de quase metade do recurso para pagar a dívida.

O empréstimo consignado voltado para os assistidos pelo Bolsa Família foi desenvolvido na gestão anterior, por meio da lei de nº 14.431, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Pelas regras, o contrato poderia comprometer até 40% do valor-base do benefício (R$ 400) com as parcelas.

Ou seja, a pessoa receberia R$ 160 a menos, totalizando renda de apenas R$ 240. Já os juros seriam definidos individualmente pelas instituições financeiras. Nesse cenário, essa população estaria suscetível a assédio comercial e taxas abusivas.

Diante das críticas, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) entrou com ação contra a medida. Em resposta ao pleito, em julho deste ano, o STF formou maioria a favor da liberação, mas o julgamento foi suspenso, sendo retomado somente agora no último dia 12 de agosto, quando a Corte decidiu, por unanimidade, autorizar o consignado para os beneficiários do programa.

Após o martelo ser batido, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, ponderou sobre a inviabilidade da concessão da modalidade de crédito para esse público.

“Estamos preservando o coração do Programa Bolsa Família. É um dinheiro para alimentação. Estamos tratando de pessoas que passam fome, com necessidades básicas a serem atendidas. Não podem ter esse dinheiro comprometido com juros, com encargos”, disse.

A pasta afirmou, ainda, que a Lei nº 14.601, cujo objetivo foi recriar o Bolsa Família, veda a concessão de empréstimo consignado.

ECONOMISTAS AVALIAM SUSPENSÃO COMO POSITIVA PARA FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS

O vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef-CE), Raul dos Santos Neto, considera o veto ao crédito consignado para beneficiários do Bolsa Família uma “atitude acertada”, já que a educação financeira ainda é deficiente no Brasil. 

“Num primeiro momento, podia ser gerada uma sensação de bem-estar, pois as pessoas receberiam um dinheiro a mais, mas, em médio e longo prazos, elas iriam se complicar bastante, implicando inclusive na qualidade de vida do dia a dia e trazendo uma pressão adicional de pagar uma dívida”, enfatiza. 

Neto destaca, também, um movimento imediato de “euforia de consumo”, o qual seria insustentável para a realidade das famílias atendidas pelo programa. 

A presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Empreendedorismo (Idese), Desirée Mota, reitera. “O governo acertou, pois trata-se de um auxílio destinado para a alimentação de uma população pobre, que precisa ter suas necessidades básicas atendidas e não pode comprometer esse valor com juros para consumo de bens e serviços não básicos”, lista. 

IMPACTOS DA DECISÃO PARA A ECONOMIA BRASILEIRA TAMBÉM SERÃO POSITIVOS 

Neto observa que o efeito imediato da suspensão do consignado é deixar de injetar esse dinheiro na economia. “Mas temos que olhar pelo lado positivo. Em geral, as pessoas de baixa renda não têm o nível de conhecimento de educação financeira o suficiente para conseguir usar adequadamente o recurso, e as taxas de juros praticadas são altas”, explana. 

“Portanto, tirando a sensação de bem-estar no curto prazo, não há benefício no médio e longo prazos. As decisões para mudar, melhorar a qualidade de vida e gerar renda não podem ser pensadas em curto prazo”, frisa. 

Para Mota , o impacto será favorável para a economia, com a garantia “de que o valor permanecerá sendo utilizado para os fins aos quais foram destinados e não para pagar juros para instituições financeiras”, avalia. 

O QUE É UM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO?

São empréstimos cujo pagamento é descontado diretamente na folha de pagamento do contratante. No caso do Bolsa Família, por exemplo, o beneficiário receberia apenas o valor restante da parcela da dívida. 

Geralmente, essa modalidade tem umas das taxas de juros mais baratas devido ao baixo risco de crédito ao mercado, considerando ser voltado para idosos, pensionistas, funcionários públicos e empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por isso, há muito assédio por parte das instituições financeiras. 

Entretanto, no caso do Bolsa Família, a previsão era de que as taxas de juros fossem mais elevadas por não ter um limite definido.

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