Nos documentos do processo há um mandado para que a vítima de
latrocínio fosse intimada. No documento feito pelo oficial de justiça ele diz
que foi ao endereço recebeu a informação de que a pessoa a ser intimada 'reside
no cemitério'.
Imagine a situação: um juiz dá a seguinte ordem em uma
sentença de condenação de um crime de latrocínio (roubo seguido de morte):
“Intime-se a vítima, caso houver”. O oficial de justiça, em cumprimento, vai
até o local onde intimado 'mora' atualmente: o cemitério. Chama pelo nome e,
sem resposta, confirma o que parecia óbvio: a vítima estava morta.
Parece piada, mas esse cenário aconteceu no Judiciário
Tocantinense neste mês. O caso envolve o juiz Baldur Rocha Giovannini e o
oficial de justiça Cácio Antônio.
O latrocínio em questão foi registrado no dia 29 de abril de
2022, por volta das 22h, em Dueré, no sul do Tocantins. Francisco de Assis
Sousa, estava em casa quando dois homens invadiram o local com uma faca e o
mataram para roubar um celular, um televisão, uma moto e R$ 900 em dinheiro.
Passado um ano e cinco meses do crime, um dos réus foi
condenado e nesta sentença, da 1ª Vara Criminal de Gurupi, está a ordem para
intimação da vítima. No documento, assinado pelo juiz Baldur Rocha Giovannini,
há o seguinte texto:
“Intime-se pessoalmente a vítima, e caso este seja falecida,
intime-se o CADE (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão) para que,
querendo, execute perante o Juízo Cível, o dispositivo da sentença que condenou
o acusado ao pagamento da indenização mínima, no valor de 100 (cem) salários
mínimos. Intime-se a vítima (caso houver) da referida sentença, por força do
art. 201, §2º, do CPP.”
Chamado no cemitério
Segundo certidão, oficial teria tentado cumprir intimação no cemitério da cidade — Foto: Google Earth
Logo após o resultado do julgamento que condenou o réu a 21
anos de prisão, no dia 26 de setembro, foi assinado eletronicamente um mandado
para cumprimento da intimação em nome da vítima, conforme mostra o texto:
“ [...] Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Criminal da
Comarca de Gurupi/TO, no uso de suas atribuições legais, MANDA ao Oficial de
Justiça ou a quem este for distribuído, que proceda à: INTIMAÇÃO da vítima
FRANCISCO DE ASSIS SOUSA, brasileiro, solteiro, nascido aos 08/08/1954, natural
de Grajaú-MA [...]. FINALIDADE: Intimar do inteiro teor da sentença [...]”
No dia 4 de outubro, a Central de Mandados de Gurupi emitiu a
curiosa certidão atestando que o oficial de justiça Cácio Antônio foi ao
endereço da vítima, em Dueré. Chegando lá, conforme o documento, o servidor
afirma que recebeu a informação de que a vítima 'reside no cemitério local'.
O oficial de justiça relatou então que foi ao cemitério,
chamou duas ou três vezes pelo nome e até pelo apelido da vítima. Ao fim,
confirmou o esperado: 'que o intimando encontra-se mesmo "morto"'.
Por esse fato, deixou de proceder a intimação. (Veja no documento
abaixo)
Certidão atestando que o oficial de Justiça tentou cumprir de intimação em cemitério — Foto: Divulgação
O que diz o Tribunal de Justiça
Em nota, o Tribunal de Justiça informou que de acordo com o
juiz, 'não foi expedido nenhum mandado de intimação para pessoa morta' e que 'a
atitude do oficial de justiça deverá ser apurada por órgão competente'. Porém
há o pedido na decisão e um mandado expedido para o cumprimento da intimação da
vítima. (Veja na imagem abaixo)
Mandado para intimar a vítima de latrocínio — Foto: Reprodução
O g1 entrou em contato com o Sindicato dos
Oficiais de Justiça do Tocantins, mas não obteve posicionamento até o
fechamento desta reportagem.
O oficial Cácio Antônio também foi procurado pela reportagem
para dar a versão do ocorrido. Respondeu apenas que "falará em momento
oportuno".
No mesmo dia em que o Tribunal de Justiça enviou a nota à
imprensa, um novo documento do juiz Baldur foi incluído no processo
determinando que a Corregedoria e a Diretoria local do Fórum sejam oficiadas
para investigar a conduta do oficial de justiça. Um dos pontos do documento
cita que a certidão gerou desconforto e qual seria a conduta correta do oficial
de justiça:
- Considerando a certidão do Oficial de Justiça acostado ao evento 88;
- Considerando que a sentença acostada ao evento 84 foi explícita
em determinar a intimação da vítima, se houvesse, ou o CADE (cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão) para que, querendo, execute perante o
Juízo Cível, o dispositivo da sentença que condenou o acusado ao pagamento
da indenização mínima;
- Considerando que não tem nenhuma decisão para o oficial de justiça
intimar ninguém morto em cemitério e que isto não é de praxe no
Judiciário;
- Considerando a ampla divulgação da referida certidão, que
trouxe claro desconforto para este juízo;
- Considerando ainda que a conduta correta seria de, no máximo,
ter ido ao cartório e ter pegado segunda via da certidão de óbito e no
mínimo intimar o CADE (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, conforme
determinado;
O oficial também foi questionado pela reportagem sobre o pedido
de apuração da conduta na Corregedoria, mas não se posicionou.