Corte concluiu que é possível fazer arresto da propriedade em caso de atraso em pagamento de financiamentos nos quais imóvel foi dado como garantia
Plenário do STF durante sessão de julgamento — Foto: Carlos Moura/STF/04-10-2023 |
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira
que, quando houver atraso no pagamento de um financiamento imobiliário, os
bancos e outras instituições financeiras podem tomar, sem decisão judicial,
aquele imóvel que está sendo financiado, caso ele tenha sido colocado como
garantia. A decisão foi baseada na lei que criou a alienação fiduciária.
A decisão foi tomada por maioria de votos. Oito ministros
votaram de forma favorável à manutenção da regra atual, e dois foram contra. A
discussão envolve uma lei de 1997 que criou a alienação fiduciária, sistema no
qual o próprio imóvel que está sendo comprado é apresentado como garantia.
Essa lei prevê que em caso de não pagamento a instituição
credora pode realizar uma execução extrajudicial e retomar o imóvel. O
procedimento é feito por meio de um cartório e não passa pela Justiça.
O relator, ministro Luiz Fux, considerou a lei
constitucional e foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça,
Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto
Barroso.
— Eu entendo que essa previsão legal diminui o custo do
crédito, o que considero muito importante, e minimiza a demanda pelo Poder
Judiciário, já sobrecarregado — afirmou Barroso.
Edson Fachin apresentou divergência, sendo acompanhado por
Cármen Lúcia.
— Continuo a entender que, diante da ponderação entre a
proteção do agente financeiro pelos riscos assumidos e a preservação dos
direitos fundamentais do devedor, especialmente quando se trata do direito
fundamental social à moradia, deve assegurar todos os meios para garantir o
melhor cenário protetivo do cidadão e sua dignidade como um mínimo existencial
— avaliou.
No caso que motivou o julgamento, um homem questionou a
alienação de seu imóvel realizada pela Caixa Econômica Federal, alegando que
não houve direito à ampla defesa, ao contraditório. A sentença foi mantida pelo
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), e houve recurso para o STF, que
foi negado pelos ministros.
A Corte estabeleceu uma tese, que tem repercussão geral, ou
seja, terá que ser seguida nos demais casos semelhantes em todo o país.
De acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos
(Febraban), referentes a agosto, a alienação fiduciária representa 99% do
financiamento bancário destinado à aquisição de imóveis, e havia 7,8 milhões de
operações ativas garantidas por esse modelo.
No decorrer do processo, a Febraban também havia apresentado
um estudo da LCA Consultoria que apontava uma taxa de 1,7% de inadimplência em
contratos fechados por alienação fiduciária.
Nesta quinta, o ministro Nunes Marques disse que a regra dá
segurança aos contratos e ressaltou que o devedor pode recorrer à Justiça se
considerar que há uma irregularidade.
— Essa solução legislativa impulsionou o mercado imobiliário
e deu segurança aos contratos. De resto, se o devedor verificar alguma
irregularidade no procedimento, está livre para recorrer ao Poder Judiciário.
Cármen Lúcia, por sua vez, afirmou que o devedor não pode ter
o "ônus da judicialização" e também defendeu a proteção do direito à
moradia.
No início do julgamento, na quarta-feira, Fux concordou com
os argumentos de que o modelo atual contribuiu para a redução dos custos do
setor:
— A exigência de judicialização da execução dos contratos de
mútuos com alienação fiduciária de imóveis iria de encontro aos avanços e
aprimoramentos no arcabouço legal do mercado de crédito imobiliário, os quais
tiveram significativa contribuição para o crescimento do setor e redução dos
riscos e custos — avaliou o relator.
Participação de instituições
Instituições como o Banco Central do Brasil (BC), a Febraban
e a Defensoria Pública da União (DPU) participaram do julgamento como "amicus
curiae" (amigos da corte) e apresentaram argumentos.
O advogado Gustavo César Mourão, que falou em nome da
Febraban, afirmou que o sistema provocou uma "revolução" no mercado
de crédito imobiliário e ressaltou que somente em 5% dos casos de inadimplência
a execução extrajudicial é necessária.
— Nos outros 95% dos processos que são iniciados, há de fato
a solução da inadimplência pela purgação da mora e pela definitiva aquisição de
imóvel pelo tomador — destacou.
Já o defensor público federal Gustavo Zortéa da Silva
considerou que há uma violação do contraditório.
— Quero primeiro mencionar a violação ao contraditório, à
ampla defesa e ao devido processo legal. No procedimento da lei não há espaço
para apresentar razões que possam questionar os valores exigidos pelo credor ou
para descaracterizar a mora.
'Segurança jurídica'
Repercutindo a decisão, o advogado Olivar Vitale, sócio do
VBD Advogados, afirmou que o entendimento privilegiou a segurança jurídica:
— O STF prestigiou a segurança jurídica. Fica assim
preservado o crédito imobiliário no Brasil, possibilitando ao cidadão acesso à
moradia e a tão esperada diminuição do déficit habitacional no país.
Para Ana Carolina Osório, membro da Comissão de Direito
Imobiliário e Urbanístico da OAB/DF, o Judiciário pode ser acionado caso algum
dos requisitos estabelecidos na lei não sejam cumpridos.
— A lei estabelece uma série de requisitos que precisam ser
cumpridos, sob pena de nulidade do procedimento de execução do contrato. Nesse
sentido, a lei não padece de inconstitucionalidade, uma vez que o Poder
Judiciário poderá ser acionado caso os requisitos legais envolvidos na execução
do contrato não sejam atendidos.