Francisca Alves mora no interior do Maranhão, mas foi acusada
de dirigir um veículo com drogas em Rondônia.
A idosa Francisca Alves Feitosa dos Santos, de 77 anos, que
foi presa no lugar de um homem condenado por tráfico de drogas, vai entrar com
uma ação contra o Estado por causa dos traumas que sofreu.
"Eu quero Justiça para eles pagarem o que a gente não
deve. Porque é ruim você pagar um caso que você não deve", declarou
Francisca.
Segundo o advogado de Francisca, a idosa até hoje sofre de
dores provocadas pelas péssimas instalações na Delegacia de Bacabal, que não
tem banheiro, cama, ou lugar para sentar.
"Vamos entrar com essa ação de danos morais, por conta
do erro judicial, por constrangimento ilegal e pelas sequelas na saúde. Ela tem
reclamado muito de dores nas costas, porque ficou sentada a noite inteira. A
delegacia é de cimento e nem costumam dar cadeiras para os presos",
afirmou o advogado Danilo Pereira de Carvalho.
Segundo o advogado, Francisca também ainda sofre por conta da
perda da sobrinha, a Edith, que morreu assim que soube da prisão da tia.
"A Edith soube da prisão um dia depois, passou mal e foi
levada para o hospital. O médico disse que foi infarto e acreditamos que teve
relação com a prisão. Ela tem cerca de 45 anos e morreu uma hora antes da
audiência de custódia, que liberou a Francisca. Era como uma filha",
disse.
Presa no lugar de traficante
Francisca foi presa no dia 27 de fevereiro, após ter sido
alvo de um erro judicial. Ela estava na comunidade Aldeia do Odino, na zona
rural de Bacabal, a cerca de 254,3 km de São Luís, onde mora em uma casa de
taipa e coberta de palha.
A prisão aconteceu porque o nome da aposentada foi inserido,
por engano, no Banco Nacional de Mandados de Prisão, do Conselho Nacional de
Justiça.
A idosa passou a noite sentada em uma cadeira da delegacia e
sem comida, por força de um mandado de prisão definitiva pelo crime de tráfico
de drogas, expedido pela Justiça do estado de Rondônia.
“Eu vinha chegando da roça com meus maxixinhos, como eu
mostrei. Aí quando eu cheguei eles chegaram dizendo: ‘bora, bora, você tá
presa’. Eu disse ‘tô presa meu amor’, eu levei em graça. Eu não matei, eu não
roubei. Aí eu peguei um (policial) que eu conhecia, ‘pois eu vou presa mais
tu’. Aí ele falou que era coisa séria e que eu ia saber (o motivo da prisão) lá
no presídio” relatou a idosa.
Ao chegar na cadeia, a família de Francisca ficou sabendo que
contra ela havia um mandado de prisão por crime de tráfico, por ela ter
conduzido um veículo que transportava drogas, crime que teria sido praticado em
2020, na cidade de Porto Velho, capital de Rondônia.
Idosa de 77 anos é presa no MA, após erro da Justiça de Rondônia; 'passou a noite sentada em cadeira e sem comida' — Foto: Reprodução/TV Mirante |
Porém, dona Francisca não tem Carteira de Habilitação e não
sabe ler nem escrever. Além disso, ela nunca viajou para Rondônia.
“A mãe nunca andou nessa cidade, nunca pisou pro rumo daí,
ninguém sabe, ela não sabe. Nós que somos mais novos, nós não ‘sabe’. Desse
mandado de prisão, a gente não sabia, de 2020, a gente não sabe. E ela é uma
pessoa analfabeta, não sabe ler, não sabe escrever”, destaca Francivan Feitosa,
filho de dona Francisca.
Na manhã do dia 28, a aposentada foi levada para o Presídio
de Bacabal, de onde seria transferida para o sistema penitenciário de São Luís.
Mas, antes da transferência, a Justiça reconheceu o erro e mandou a polícia
soltar a aposentada.
Na audiência de custódia, após a promotoria de justiça e do
advogado analisarem detalhadamente o processo e o mandado de prisão, veio a
certeza de que dona Francisca era vítima de um grande erro do judiciário de
Rondônia. A idosa havia sido presa no lugar de um homem condenado por tráfico
de drogas.
O erro, segundo o advogado, aconteceu no momento do cadastro
da decisão judicial no Banco Nacional de Mandados de Prisão, do Ministério da
Justiça. Dona Francisca entrou como alvo no mandando de prisão, que deveria ser
destinado a Diego Alves de Sousa.
Idosa de 77 anos é presa no MA, após erro da Justiça de Rondônia; 'passou a noite sentada em cadeira e sem comida' — Foto: Reprodução/TV Mirante |
Em 2020, Diego foi preso em flagrante, na cidade de Porto
Velho, dirigindo um veículo que transportava drogas. E em 2021 ele foi
condenando pela Justiça de Rondônia, a cinco anos e dez meses de reclusão, por
tráfico.
“No momento de cadastrar o mandado de prisão, ao invés de
cadastrar o senhor Diego Alves, cadastraram foi o nome de dona Francisca e
ocasionou tudo isso. Só não havia o RG, mas havia o cadastramento do CPF,
endereço e o nome da mãe dela” explicou o advogado da idosa, Danilo Pereira de
Carvalho.
Sobre o porquê de o nome da idosa ter ido parar no banco de
dados, o advogado disse que ainda é um mistério.
"Porque esse sistema, só quem tem acesso são os
servidores. O gênero é diferente, Diego para Francisca tem muita desproporção.
Dona Francisca tem uma idade elevada, é um verdadeiro mistério como os dados
dela foram parar lá no sistema de cadastramento do Banco Nacional de Mandados
de Prisão. Então, é muita discrepância, chega a ser bizarro mesmo",
destacou o advogado da vítima.
Diante da constatação, a promotora de justiça Laura Amelia
Barbosa pediu à juíza de Bacabal que não homologasse o cumprimento da prisão,
uma vez que era ilegal.
“A gente notou a dúvida fundada, será que é esta senhora?
Então me manifestei com a Vara de origem. O juízo de lá respondeu já com um
despacho determinando a soltura, afirmando que houve um erro material e
determinou a expedição de um contramandado e então, imediatamente, foi
determinando que a dona Francisca fosse posta em liberdade”, destacou a
promotora Laura Amélia Barbosa.
A Justiça de Rondônia reconheceu o erro e, além de emitir o
contramandado de prisão e um alvará de soltura, também emitiu uma certidão de
Nada Consta de Francisca Alves. Após a audiência, a aposentada foi solta.
Três dias depois de receber a liberdade, a idosa ainda tenta
entender o que aconteceu com ela. A família de Francisca questiona como o
mandado de prisão saiu da Justiça de Rondônia, chegou até a Polícia Civil em
Bacabal, no Maranhão, e ninguém percebeu o erro.
“Falharam sim, quando veio o mandado de lá era para eles
pegar e ler. Ele é um delegado, um delegado é formado pra isso, para
investigar. Primeiro ele teria que investigar”, afirmou Francivam Feitosa.
Dona Francisca e os filhos querem que os danos sejam reparados. — Foto: Reprodução/TV Mirante |
Por meio de nota, a Justiça de Rondônia alegou que todas as
providências administrativas com relação à apuração e responsabilidade do caso
foram adotadas logo após tomar conhecimento da prisão.
Após contato com a Justiça do Maranhão, constatou-se o erro
material na informação dos dados do Banco Nacional de Mandados de Prisão. O
alvará de soltura foi expedido pela 1ª Vara de Delitos Tóxicos de Porto Velho,
que também emitiu novo mandado de prisão contra o verdadeiro réu.
Leia a nota na íntegra
O Poder Judiciário de Rondônia informa que todas as
providências administrativas com relação à apuração e responsabilização foram
adotadas logo após tomar conhecimento do fato.
Após o contato da Justiça do Maranhão, constatou-se erro
material na informação de dados ao Banco Nacional de Mandados de Prisão.
Diante disso, foi imediatamente suspenso o mandado contra à
senhora Francisca Alves Feitosa dos Santos, cujo cumprimento pela polícia
judiciária maranhense ocorreu em 28/02/2024.
No mesmo dia, foi proferida decisão pela 1ª Vara de Delitos
de Tóxicos da comarca de Porto Velho, que determinou a expedição de alvará de
soltura, posto que ela não era parte do processo, e emitido novo mandado de
prisão em desfavor do verdadeiro réu.
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