Cearense Antônio Carlos Paiva da Costa, de 38 anos, foi preso
após ser confundido com um foragido do Piauí que cometeu crime de estupro e
esteve no presídio entre 2017 e 2018.
Antônio Carlos, o cearense, à esquerda e o foragido Antônio Carlos, do Piauí, à direita. — Foto: Reprodução
“Fecho os olhos e parece que ainda estou preso”, diz o cearense Antônio Carlos
Paiva da Costa, de 38 anos. Ele passou 11 dias em detenção numa prisão
do Ceará acusado por um crime de estupro que não cometeu. É que
Antônio Carlos tem o mesmo nome e sobrenome de um foragido da Justiça do Piauí,
assim como as mães com o mesmo nome. A diferença que desfez o erro na prisão é
a data e o local de nascimento.
O estupro aconteceu no Piauí, em 2017, e o suspeito chegou a
ser preso, mas fugiu. Um mandado de prisão foi expedido pela Justiça do Piauí,
mas ao ser cumprido no Ceará - sete anos depois - fez de um inocente, o
culpado.
Antônio foi solto nesta quinta-feira (29), mas ainda guarda as marcas do tempo
de prisão e teme o futuro por ser, agora, ex-presidiário.
Abordagem
Antônio Carlos foi preso em 18 de fevereiro deste ano, quando
trabalhava em Fortaleza. Ele é padeiro, natural da cidade de Sobral(CE), e
estava na capital cearense por dois motivos: o trabalho e a missa de
aniversário da filha que morreu ano passado.
"Cheguei a Fortaleza, trabalhei o dia todo e era
domingo. No momento em que saí (para a calçada), os policiais chegaram,
perguntaram o que eu tinha, eu disse que não tinha nada, estava ali a trabalho.
Disseram que estava sendo acusado de assédio, estupro, roubo", contou
Antônio sobre o momento em que foi abordado por policiais em Fortaleza.
Ele foi levado a uma delegacia e, em seguida, para a Unidade
Prisional de Triagem e Observação Criminológica, em Aquiraz, Região
Metropolitana de Fortaleza (RMF), onde esteve preso.
O advogado criminalista Ramon Néfi, que atua no caso, disse
que a família vai processar os estados do Ceará e do Piauí:
- O
primeiro por não ter checado a data e o local de nascimento dos
dois envolvidos, que são diferentes. Antônio Carlos Paiva nasceu em 16
de fevereiro de 1986, na cidade de Sobral. Já o real acusado nasceu em 19
de julho de 1987, no Piauí - conforme o advogado.
- E o
segundo por ter expedido o mandado de prisão usando as informações
pessoais do cearense. Além disso, outros crimes foram atrelados a
Antônio Carlos, como roubo e assédio - conforme também o advogado.
O g1 solicitou
posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), mas não obteve
resposta até a última atualização desta reportagem.
Já o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) disse que não
comenta casos, decisões ou determinações judiciais proferidas por outros
tribunais de justiça do país, porém, esclareceu que no caso específico o
mandado de prisão foi expedido pela Justiça do Piauí e cumprido pela autoridade
policial do Ceará.
"Na ocasião em que Antonio Carlos Paiva da Costa passou
por audiência de custódia, no último dia 19 de fevereiro, foi constatado que os
nomes dele e de sua genitora, bem como a naturalidade, eram os mesmos que
constavam no referido mandado, com divergência apenas na data de nascimento. No
momento em que foi preso, de acordo com os autos, Antonio Carlos afirmou que
responde a processo criminal com audiência já designada por ter tido
envolvimento com uma menina de 15 anos de idade. Diante das informações apresentadas,
o Juízo da 17ª Vara Criminal de Fortaleza, ao analisar o caso, entendeu que
seria necessário investigar a divergência da data de nascimento e encaminhou os
autos ao Juízo responsável pelo processo, ou seja, a Vara de Execuções Penais
do Piauí, que expediu a ordem de prisão, para que fossem tomadas as devidas
providências", disse o Tribunal de Justiça do Ceará.
"Ele nunca pisou no Piauí. Um detalhe importante: o
acusado (real) foi preso em flagrante. Não encontraram documentos com ele, ele
não sabia os dados e buscaram pelo nome completo. Ao buscar, acabaram juntando
os documentos do nosso Antônio daqui, sendo que ele nunca pisou lá. Prenderam
uma pessoa e processaram outra", acrescentou Ramon.
Erro de identificação
Fotos nas redes sociais mostram Antônio, o cearense, em liberdade enquanto o real acusado cumpria antes de fugir. — Foto: Arquivo pessoal
O Antônio acusado pelo crime ficou preso entre 2017 e 2018 e
fugiu da Colônia Agrícola Major César. Seu nome chegou a ficar em lista de
foragidos.
"Até hoje, não se sabe quem de fato é ele. Quando foram
recapturar, capturaram meu cliente. Os dois têm o mesmo nome, porém o apelido
dele na cidade, conforme os processos, é Cláudio", disse Ramon.
Outras divergências também foram encontradas 📌
- A
profissão de Antônio do Piauí é lavrador, e ele é natural de Esperantina,
no PI. A de Antônio do Ceará é padeiro, e de Sobral.
- Ainda
de acordo com o advogado, no período em que o verdadeiro criminoso cumpria
pena, o outro Antônio Carlos tirava habilitação.
Documento mostra data de habilitação de cearense. — Foto: Arquivo pessoal
"Por que o estado tem culpa disso? Porque poderiam ter
verificado de outras formas que ele não era culpado, para ele não passar por
isso. Para que ele pudesse estar no dia 26 de fevereiro fazendo uma homenagem
para a filha. Esse 26 de fevereiro nunca mais voltará", apontou Ramon.
A previsão é que até a próxima semana os processos contra os
estados estejam encaminhados.
A família pede indenizações, já que enquanto estava preso,
Antônio não conseguiu pagar a pensão dos três filhos.
Há também os custos de translado dos familiares, que
precisavam viajar diversas vezes para Fortaleza para acompanhar o caso.
“Fecho os olhos e parece que ainda estou preso”: o pesadelo
continua
Imagem do túmulo da filha de Antônio Carlos. Ele viajou para Fortaleza para participar de uma homenagem à ela - mas perdeu. — Foto: Arquivo pessoal
Apesar de ter sido solto na última quinta (29), por um mandado
de soltura expedido pelo Piauí, Antônio Carlos ainda guarda as marcas do
tempo de prisão e teme o futuro por ser, agora, ex-presidiário.
Assim que soube do caso, o advogado Ramon analisou o processo
junto de sua equipe, e comunicou os erros às justiças dos dois estados. Ainda
de acordo com a defesa, um pedido de soltura foi anexado na terça-feira (27) e
o Ministério Público do Piauí emitiu resposta positiva.
Antônio estava em uma cela com outras pessoas acusadas de
crimes sexuais e narra o “inferno” - como ele chama - que
viveu:
“Mesmo contando minha verdade, passei muitas coisas ruins.
Para quem nunca foi preso, para mim foram três anos (sensação). É uma água que
nem um cachorro bebia. Uma comida que parecia que estavam dando para cachorro.
Um café que não sabia se era lama. Não conseguia comer. Lá, em casos de
estupro, as pessoas são mal vistas.", desabafou ao g1.
Agora que saiu da detenção, Antônio precisa voltar ao
trabalho, mas não sabe se irá conseguir recolocação. Ele paga pensão de três
filhos (uma de três anos e dois de 14 anos) e vive com uma companheira.
Disse também que a mãe, que tem problemas de saúde, desmaiou
quando soube de sua prisão. Se apegou à oração e às lembranças com a família
para seguir os dias.
“Me perguntava o que eu estava fazendo ali por uma coisa que
não fiz. Eu não conseguia dormir, não conseguia fechar os olhos. Porque dormir
ali ninguém conseguia”.
Antônio é enfático ao dizer que não sabe como serão seus dias
agora que está em liberdade. Está tendo dificuldades para dormir e as memórias
de dentro da prisão surgem constantemente em sua mente.
“Vai ser difícil para mim. Cadê meu nome, minha oportunidade
de emprego? Meu nome está manchado. Não tenho nada em mente, não sei como será
minha vida pela frente. Vim para resolver o negócio da minha filha e
infelizmente fui levado. Eu ainda fecho os olhos e parece que ainda estou
preso. A ficha não caiu”, disse.