Estudo foi encomendado por associações contrárias às mudanças
propostas pelo governo. Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, prometeu
que o projeto para extinguir a modalidade seria apresentada em novembro
Foto: Deposit Photos |
O fim do saque-aniversário do FGTS acendeu
um forte debate em Brasília no começo do ano. A ideia do ministério do Trabalho
e Emprego (MTE) era apresentar, ainda em março, o projeto para extinguir a
modalidade. Os debates, no entanto, se estenderam e o ministro do
Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, avisou que o projeto seria enviado ao
Congresso em novembro. Há poucos dias do mês acabar, e ainda sem a confirmação
de que o projeto será mesmo apresentado, entidades contrárias às mudanças
estimam que o fim da modalidade pode trazer impacto econômico equivalente
ao encerramento do Bolsa Família.
Um levantamento mostra que a cada 1 real direcionado ao
consumo pelo saque-aniversário, o aumento do PIB é de 1,8, um efeito
multiplicador na economia próximo ao do programa social Bolsa Família ao longo
dos anos, de 1,78. Apenas em 2023, os recursos do produto geraram um
impacto de R$ 26,6 bilhões no produto interno e contribuíram para a manutenção
de 343 mil postos de trabalho, segundo o estudo da Ecoa Consultoria Econômica,
encomendado pela ABBC (Associação Brasileira de Bancos) e Zetta
(associação que reúne fintechs como Nubank e Mercado Pago).
No retrato amplo desde 2020, quando a modalidade foi implementada permitindo
que trabalhadores formais optem por sacar anualmente parte do saldo de suas
contas vinculadas ao FGTS no mês de seu aniversário, a modalidade de crédito
teria injetado R$ 151 bilhões na economia, gerando impacto total de R$ 273,7
bilhões no PIB, 3,5 milhões de empregos e R$28,7 bilhões em arrecadação de
impostos.
Saque aniversário do FGTS — Foto: Divulgação/Zetta
Quem opta pelo saque do FGTS também pode alienar (ceder) seus
direitos de saque futuro para instituições financeiras, obtendo antecipadamente
estes recursos. Somente a título de antecipação, foram R$ 91 bilhões injetados
desde 2020, segundo o estudo encomendado.
Para chegar aos números, a consultoria utilizou a Matriz
Insumo-Produto (MIP), uma ferramenta que representa a estrutura produtiva da
economia e permite entender como setores são afetados por mudanças na demanda.
Saque-Aniversário X Crédito consignado
A defesa que o MTE tem feito é pela extinção do
saque-aniversário e criação de um novo modelo de crédito consignado com
taxas acessíveis para os trabalhadores. O Valor Investe questionou
o MTE sobre o estágio da discussão e, se de fato, a proposta será apresentada
ainda em novembro.
A pasta se limitou a dizer que as informações mais
atualizadas são de setembro, quando durante o evento da Caixa Econômica Federal
em comemoração aos 58 anos do FGTS, o ministro Luiz Marinho disse
que a proposta permitirá que o trabalhador use seu FGTS como garantia em casos
de demissão, mas apenas nessas circunstâncias. Além disso, os empregados
poderão escolher a instituição financeira que oferecer as melhores taxas, sem a
necessidade de convenções entre empresas e instituições financeiras, como
ocorre atualmente.
Alex Sander Gonçalves, diretor de Crédito Consignado da ABBC, pontua que é necessário reformular
o consignado privado, e que a entidade apoia a iniciativa, mas desde que sejam
"consideradas as especificidades do produto e riscos da operação por se
tratar de uma modalidade de crédito complementar e de objetivo distinto do
saque aniversário".
Com taxa de juros máxima de 1,79% ao mês, o saque-aniversário
é usado especialmente para necessidades básicas, como a compra de alimentos e
as despesas médicas, sendo que os consumidores negativados representam 75% das
pessoas, de acordo com pesquisa do Datafolha realizada em maio deste ano.
"Extinguir a antecipação resultará em um aumento significativo dos juros,
especialmente para os negativados, já que a taxa média do consignado privado é
de 2,73%", sustenta.
Outra crítica que as associações fazem é que o consignado
privado reduziria o contingente de 130 milhões para 46 milhões de pessoas
assistidas por recursos.
Conforme o MTE, com a mudança das regras do consignado, os
empréstimos estarão disponíveis para quase 70 milhões de pessoas registradas no
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)..
Ainda segundo a pasta, o saque-aniversário gerou R$ 38,1
bilhões em 2023, dos quais R$ 14,7 bilhões foram pagos diretamente aos
trabalhadores, enquanto R$ 23,4 bilhões foram destinados a instituições
financeiras como garantia para operações de crédito. Cerca de 27 milhões de
trabalhadores optam, atualmente, por contratar a linha de crédito de
antecipação do saque aniversário do FGTS.
Brasileiro é contra ou a favor?
A possibilidade de extinção do saque-aniversário do FGTS
divide os brasileiros, segundo uma das amostragens da pesquisa Radar Febraban.
Conforme o levantamento feito no segundo bimestre de 2024, 45% são a favor, e
45% são contrários ao retorno para o regime anterior, em que o FGTS só pode ser
acessado em situações específicas, como demissão, compra de casa própria e
doenças graves.
Por que o governo quer o fim do saque-aniversário do FGTS?
O fim do saque-aniversário é uma pauta do atual governo
federal por considerar a possibilidade do saque anual uma ameaça à
sustentabilidade do FGTS.
Só em 2023 a Caixa liberou R$ 142,3 bilhões em saques para os
trabalhadores, aumento de 12,6% em relação ao ano anterior. O saque por
rescisão de contrato de trabalho foi responsável por 43,49% desse total,
seguido pelo saque-aniversário (26,79%).
Na última reunião do Conselho Curador do FGTS, Marinho disse
que caso o saque-aniversário não acabe, o Conselho terá que tomar medidas
“duras” para manter os recursos que garantem habitação popular, saneamento e
infraestrutura. “Minha posição é bem clara, trabalho pela preservação do FGTS,
por isso sou contra o saque-aniversário, que prejudica o trabalhador e o
próprio Fundo que financia habitação”, ressaltou.
Na análise sobre os impactos da antecipação para a
sustentabilidade do FGTS, que é utilizado como captação de recursos para o
financiamento imobiliário, o relatório da Ecoa sustenta que desde a
implementação do saque-aniversário, em 2020, até 2023, a média de crescimento
dos depósitos vinculados ao fundo foi de 8,1% ao ano. Enquanto isso, a
proporção do valor total de saques em relação ao saldo do fundo apresenta
tendência de queda, o que demonstra condições da manutenção da capacidade do
fundo continuar a atuar como financiador de projetos de infraestrutura e
habitação.
“O perfil dos trabalhadores que optaram pela antecipação é
majoritariamente de pessoas negativadas, que já enfrentam grandes restrições ao
crédito habitacional. Extinguir o saque-aniversário não amplia o acesso à casa
própria, uma vez que a principal barreira – a negativação – permaneceria",
afirma Eduardo Lopes, presidente da Zetta.
O ministro Luiz Marinho também defende mudanças para que
cerca de 8 milhões de trabalhadores demitidos sem justa causa sejam permitidos
a acessar os recursos. A mudança visa reforçar a rede de proteção dos
trabalhadores em situações de vulnerabilidade, mantendo os benefícios da
política. Segundo o relatório encomendado pela ABBC e Zetta, a proposta teria
um impacto financeiro baixo, de R$ 5,2 bilhões (menos de 4% do total de saques
em 2023).
Pelas regras atuais, os trabalhadores que optam pelo
saque-aniversário podem sacar apenas o valor referente à multa rescisória em
caso de demissão. O trabalhador pode solicitar retorno à modalidade
saque-rescisão (modalidade padrão em que o trabalhador ingressa no FGTS) por
meio do aplicativo do FGTS, desde que não haja antecipação de valores a
receber. A mudança só terá efeito a partir do 25º mês após a solicitação de
retorno.
Fonte: Valor Investe
Siga nosso Instagram
0 Comentários