Sinais simples feitos com os dedos em fotos podem representar
risco de morte, por estarem associados a facções criminosas como PCC (Primeiro
Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho).
O que aconteceu
Gestos como "tudo 2" e "tudo 3" funcionam
como identificação visual das facções. Os números 2 e 3 correspondem à quantidade de
caracteres nas siglas das duas principais organizações criminosas brasileiras:
o PCC, cuja sigla possui três letras, lidera os chamados grupos "tudo
3", enquanto o CV, com duas letras, está associado aos "tudo 2".
Os gestos com dois ou três dedos podem ser interpretados como
sinais de identificação de aliados ou desafetos. Fernando Viggiano, advogado
especialista em direito criminal, explica que "gestos envolvendo três
dedos tornaram-se amplamente associados ao PCC e à sua esfera de influência.
Tais sinais podem simbolizar a forma de um revólver, a letra M formada pelos
três dedos centrais da mão ou até mesmo o característico sinal amplamente
conhecido entre os adeptos do heavy metal".
Códigos têm origens adaptadas ao contexto carcerário, onde a
comunicação precisa ser sigilosa. Viggiano também afirma que esses signos representam o
poder e a autoridade das organizações no seu espaço de atuação.
Redes sociais atuam como vetor de disseminação desses gestos. Fotos compartilhadas online com
os sinais podem ser rapidamente reconhecidas por facções rivais, expondo
indivíduos a retaliações violentas. Ivana David, desembargadora do TJSP e
pesquisadora de organizações criminosas, alerta que "a pessoa pode não ter
envolvimento, mas, ao postar um gesto ligado a uma facção, coloca-se em grande
risco". Ela lembra que o Brasil possui atualmente 88 facções criminosas
operando no sistema prisional, segundo o último levantamento do Ministério da
Justiça e Segurança Pública.
Ampliação do poder das facções. "Jovens replicam gestos
sem pleno conhecimento de seus significados, sendo submetidos a represálias
severas", diz Viggiano. Sob uma perspectiva criminológica, as
plataformas se tornaram ferramentas para a consolidação do poder simbólico das
facções, afirma.
Intolerância absoluta
Em 2024, ao menos seis pessoas foram mortas na Bahia após
exibirem gestos considerados provocativos em territórios rivais, segundo a
Polícia Civil. Em
outubro do ano passado, dois irmãos adolescentes foram mortos após tirarem
uma foto fazendo sinais com as mãos em Salvador. Recentemente, a cantora baiana
Duquesa decidiu retirar de suas redes sociais o videoclipe da música
"Fuso". A ação foi motivada pela presença de um gesto no vídeo que
poderia ser relacionado a uma facção criminosa.
O último caso registrado na Bahia ocorreu no dia 6 de janeiro
deste ano. Marcos
Vinícius Alves Gonçalves, 20, foi morto a tiros em Feira de Santana (115 km de
Salvador) logo após a publicação de uma foto nas redes sociais. Ele não possuía
antecedentes criminais e seu gesto foi associado a uma facção que atua na
cidade.
Há registros em diversas regiões do país. Em dezembro de 2024, Henrique
Marques de Jesus, 16, foi encontrado morto na Vila de Jericoacoara, no Ceará.
Membros de uma facção criminosa acreditaram que ele fazia parte de um grupo
rival após verem fotos no celular do adolescente.
Mecanismo de controle
Nas áreas dominadas por facções, os sinais funcionam como
mecanismos de controle social e territorial. David destaca que "o tráfico é
um crime territorial: quem invade o território rival, morre". Em muitos
casos, a exibição de gestos é interpretada como afronta, mesmo que feita por
engano.
Viggiano complementa que a severidade das facções visa manter
disciplina e autoridade interna. "Independentemente de ser dolosa ou culposa, a infração
é punida com extremo rigor, envolvendo tortura e homicídios qualificados",
diz. Essa lógica de intolerância busca preservar a hegemonia territorial e
prevenir desafios à autoridade das organizações criminosas.
A educação é vista como instrumento essencial para mitigar os
riscos associados aos sinais de facções. Ambos os especialistas sugerem
campanhas que alertem a população sobre os significados desses gestos,
tatuagens e outros símbolos. Materiais didáticos, palestras em escolas e
cartilhas em locais turísticos são algumas das medidas propostas.
Campanhas educativas não só alertam, mas também empoderam as
comunidades. Segundo
Viggiano, as campanhas reduzem vulnerabilidade das comunidades frente à lógica
das facções. Já a pesquisadora reforça a importância de alertar
especialmente jovens, para pesquisarem o significado de tatuagens e sinais
antes de adotá-los, "evitando confusões fatais".